Novo Marco da Ciência joga universidade à privatização, diz TAE
Publicada em
23/11/16 15h53m
Atualizada em
24/11/16 23h21m
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67º Cultura na Sedufsm problematizou ciência subordinada ao mercado
Desde a década de 1970, o sistema capitalista vive uma crise, de caráter estrutural, da qual não mais se recuperou. De lá para cá, diversas medidas foram adotadas para contornar esse cenário, porém, a partir de 2008, uma inflexão mais violenta foi constatada, de modo que, para gerenciar o caos, a saída apontada foi o modelo neoliberal. Em sua essência excludente, tal modelo garante uma sociedade digna para apenas um terço da população, ao passo que dois terços são alijados desse direito, já que o crescimento econômico defendido não pressupõe a inclusão dos setores sociais mais precarizados.
Em meio ao contexto de crise permanente, o termo ‘inovação’ é apresentado como alternativa histórica para frear os efeitos da derrocada a partir da aplicação de conhecimentos que possam, efetivamente, melhorar as mercadorias e baixar seus custos de produção, visando destiná-las à lógica concorrencial do mercado. A inovação, então, assumiria a tarefa de produzir ciência e tecnologia para superar a crise do capital.
Foi nessa realidade que Celso Carvalho, do Sindicato dos Técnico-Administrativos da Universidade Federal de Rio Grande (Aptafurg), situou a Lei 13.243, sancionada em janeiro de 2016 pela então presidente Dilma Rousseff, e que institui o novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação. Ele viera participar, como convidado, da 67ª edição do projeto Cultura na Sedufsm, ocorrida na última segunda-feira, 21, com o tema ‘A ciência subordinada ao mercado?’. Na coordenação do debate estiveram os professores Gihad Mohamad (Engenharia Civil da UFSM) e Hugo Gomes Blois Filho (Arquitetura e Urbanismo da UFSM).
Para Carvalho, a nova Lei torna-se ainda mais preocupante se analisarmos o cenário de cortes reservado à educação pública. Com orçamentos congelados e carentes de fundo público, as instituições veem-se com a problemática de garantir sua sobrevivência, daí as possibilidades de flexibilização na relação público-privado – como consultorias e transferência de ciência e tecnologia para empresas – trazidas no novo Marco Legal podem tornar-se, se não atraentes, ao menos plausíveis.
“O que está posto, para os próximos 20 anos, é um processo econômico de grande e violenta depressão. A economia seguirá ladeira abaixo”, avalia o servidor, para quem o estreitamento de relações entre universidade e mercado, tal como é previsto no novo Marco Legal, poderá se desdobrar em consequências prejudiciais à primeira. Um dos motivos para essa preocupação reside no fato de que, para ele, nem todos os cursos terão a mesma possibilidade de captar recursos junto ao mercado, de forma que as chamadas ‘ciências duras’ encontrariam mais facilidade. Assim, vendo-se díspares na busca por recursos, aqueles cursos que melhor se relacionassem com o capital acabariam por constituir uma espécie de ‘oligarquia’ dentro das universidades, colocando-se soberanos até mesmo às instâncias deliberativas acadêmicas.
“O Marco Legal é extremamente perigoso, ainda mais nesse contexto de cortes. Ele levará à privatização. Em uma década, universidades e institutos federais estarão privatizados. Isso não é apenas possível, mas necessário para o capital. Cada vez mais, a sinalização é a transferência da educação, em todos os níveis, para a área privada”, diz, citando como exemplo a possibilidade de Organizações Sociais (OS) assumirem a gestão de escolas básicas públicas.
Debate
Após a contribuição de Celso Carvalho, o debate foi aberto ao público e alguns professores interviram colocando suas percepções sobre o tema. Para Luciano Schuch, professor diretor do Centro de Tecnologia da UFSM, dizer que apenas as ‘ciências duras’ conseguirão captar recursos junto ao mercado é questionar e subalternizar a capacidade e qualidade dos demais cursos, como a Biologia e a Geografia, por exemplo. Ele acredita ser essencial a relação universidade – mercado e, nesse sentido, considera o Marco Legal um grande avanço. Problematizando a posição ocupada pelo Brasil no que tange ao desenvolvimento tecnológico – modelo calcado na importação -, Schuch diz ser necessário trabalhar para mudar essa realidade. Silon Procath, coordenador de Empreendedorismo da Agência de Inovação e Transferência de Tecnologia (Agittec), defendeu a necessidade de o Brasil desenvolver ciência e tecnologia próprias. “Só seremos um país desenvolvido quando gerarmos empresas aqui”.
Já o professor Adriano Figueiró, do departamento de Geociências, problematizou a ausência de discussões éticas na produção de tecnologia, fato que levaria a uma imagem idealizada de que tudo aquilo produzido no interior das universidades estaria servindo ao bem da sociedade, quando, na verdade, está a serviço do mercado. “Não existe produção de tecnologia sem ideologia”, afirma, criticando o que chamou de ‘sequestro’ do conceito de inovação, hoje atrelado à noção de empresariamento. Para ele, a produção de tecnologia social está na ordem do dia, muito embora não receba o aporte e atenção necessários. Exemplo seriam as ocupações urbanas, nas quais a demanda por arquitetura e engenharia sociais pode ser vista concretamente.
Celso Carvalho partilha de opinião semelhante. “Investir pesadamente na produção de tecnologia social é uma saída. Mas isso implica em reformulação curricular. Por que não debatemos economia solidária no curso de Economia, por exemplo? As universidades também produzem ideologia”.
Texto e fotos: Bruna Homrich
Assessoria de Imprensa da Sedufsm