João Gilberto Lucas Coelho fala sobre legado da Constituinte SVG: calendario Publicada em 07/02/17 18h10m
SVG: atualizacao Atualizada em 07/02/17 18h14m
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Ex-deputado debate temas como as MPs nos 30 anos da instalação da Assembleia Nacional

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João Gilberto: é preciso desatrelar plebiscitos e referendos de processos eleitorais convencionais

Nesta segunda-feira, dia 6, publicamos a primeira parte da entrevista com o ex-deputado e ex-vice-governador do RS, João Gilberto Lucas Coelho. Ele abordou algumas questões envolvendo o período que antecedeu à instalação da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), e que está completando 30 anos. João Gilberto, que atuou no Centro de Estudos e Acompanhamento da Constituinte (CEAC), vinculado à Universidade de Brasília (UnB), falou ao mesmo tempo sobre os avanços do texto constitucional de 1988 e as “imperfeições”. Confira aqui a matéria publicada na segunda-feira.

E hoje, publicamos na segunda parte da entrevista, as considerações do advogado constitucionalista em relação a aspectos como o uso (pouco) do plebiscito e do referendo, a controvérsia em relação a termos na Carta Magna aspectos parlamentaristas em um regime presidencialista, além do debate sobre a criação do instrumento da Medida Provisória. O depoimento de João Gilberto Lucas Coelho finaliza com opiniões sobre o legado da Constituinte de 88 e também sobre possíveis ameaças ao conteúdo da lei maior, especialmente no que se refere aos direitos sociais, recentemente bastante atacados através das propostas de emendas constitucionais (PECs). Acompanhe a segunda e última parte da entrevista.

Pergunta- Existem algumas normas na Constituição Federal (CF), como por exemplo, o uso do referendo e do plebiscito, que poucas vezes foram usados, pelos mais diferentes governos. Na sua avaliação, esse tipo de instrumento, que tem por objetivo ouvir de forma mais ampla a população, não deveria ser mais utilizado?

Resposta- Um dos fundamentos de minha atuação política e intelectual foi sempre dar suporte à participação popular. O próprio envolvimento no processo constituinte, através do CEAC, foi nesse sentido. Mais tarde, a OAB nacional solicitou-me anteprojeto de regulamentação dos institutos da iniciativa popular, plebiscito e referendo. As ideias a respeito e a minuta deste anteprojeto foram publicadas na Revista da Ordem dos Advogados do Brasil nº 54, verão 1989/90. Aprovado pelo Conselho Federal um anteprojeto foi encaminhado pela OAB como sugestão ao Congresso Nacional. Somente em 1998 o Congresso aprovou a Lei 9.709 regulamentando o uso de tais institutos, com redação bastante diferente da sugestão inicial. Hoje, a reflexão que faço é de que está muito burocratizado e complexo usar tais institutos, especialmente nos planos local e estadual onde mais abundantes deveriam ser. A iniciativa de projetos de lei é utilizada, mas não está disseminada. O plebiscito é muito raro, salvo nos casos de emancipações e alterações de limites de municípios ou estados. Tivemos apenas dois plebiscitos nacionais deliberativos: o que a Constituinte previu sobre regime e forma de governo e outro sobre legislação referente a armas. Há dificuldade enorme para sua utilização nos estados e municípios onde, em outros países, eles são mais comuns. Um dos problemas é que se aplicam nos plebiscitos e referendos as regras de eleições com todas as exigências destas. Inclusive o voto obrigatório. O custo torna-se muito elevado e se um município quer realizar um plebiscito ou referendo tem de custear toda a despesa da justiça eleitoral. Esta tem sido muito resistente à prática, pelo trabalho que significa para seus escassos meios. Por isto, existem tantas formas de “consultas populares” em vários estados e municípios, substituindo por certa informalidade mais ágil, a difícil burocracia do plebiscito. É necessário contornar os aspectos práticos, inclusive o custo, desatrelando a realização de plebiscitos e referendos– em minha opinião – das exigências necessárias às eleições. Isto demandaria esforço jurídico e legislativo. Por exemplo, para tornar o voto facultativo nos plebiscitos e referendos seria necessário emendar a Constituição porque esta somente prevê o voto obrigatório. Outro aspecto, mais de fundo, diz respeito ao temor do “efeito manada” da opinião pública em momentos traumáticos. Ouço o argumento de que num plebiscito a pena de morte poderia ser aprovada, o que não tende a acontecer no Congresso. É possível, num momento de insegurança e pânico coletivos. Os que primeiro pensaram a democracia representativa preocupavam-se com a necessidade de instâncias mediadoras por essa razão. Nem sempre elas funcionaram. Mas, isto não afasta a necessidade da participação do cidadão, dele ser ouvido e também deliberar diretamente.

Pergunta- Muito se comentou que temos um sistema de governo no país que é presidencialista, mas cujas tintas marcadas pela CF de 1988 são parlamentaristas? Concordas com isso? Qual a sua avaliação sobre a questão das Medidas Provisórias? Ela não deixa um traço de certo autoritarismo no Executivo?

Resposta- É verdade que a Constituinte trabalhou e sistematizou um texto de sistema parlamentar. Foi uma emenda de plenário que aprovou o presidencialismo e derrubou todo o trabalho anterior construído na direção do parlamentarismo. Mas, esta emenda fez as modificações necessárias para dar coerência e efetividade ao sistema presidencialista. O que muitos confundem é que a Constituição Brasileira, optando pelo presidencialismo, usou o princípio da “equipotência” entre os poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário) presente na origem do sistema pelos fundadores da república dos Estados Unidos da América quando desenharam e implantaram o presidencialismo. Esses fundadores refletiam que os poderes do estado deveriam ser tão igualmente poderosos que se anulassem em favor das liberdades individuais e do cidadão. Por isto desenharam Presidência, Congresso e Suprema Corte com muito poder cada qual. E foi esta a linha que os presidencialistas brasileiros seguiram na Constituição de 1988. Não houve mais o predomínio do Executivo que caracterizara o período anterior. Esta igualdade de força nos Poderes tem resultado na necessidade, por exemplo, de um governo ter maioria no Congresso o que é compreensível. Os meios que por ventura tenham sido usados para obter esta maioria não são resultado do texto constitucional, mas de culturas e hábitos perniciosos enraizados na sociedade e na vida política. Em qualquer presidencialismo democraticamente equilibrado tende a haver impasse se um governo tem minoria congressual e isto aconteceu em algumas oportunidades e situações. Cada país e cada momento histórico administraram isso de acordo com suas circunstâncias, práticas e maneiras de ser. Há no texto constitucional algum dispositivo tipicamente parlamentarista? Sim, há: o instituto da medida provisória. Este é próprio dos regimes parlamentaristas, a redação inicial da nossa Constituição era bastante aproximada à da constituição italiana à época. O fundamento é que num sistema parlamentarista o governo depende da confiança do Parlamento, então este pode delegar àquele antecipar decisões e leis. Caso o Parlamento não concordar com o conteúdo desfaz ou até pode demitir o gabinete governamental. No Brasil republicano havia a possibilidade de delegação específica para o governo legislar sobre um tema, pouco utilizada.  Durante o regime militar foram implantados os decretos-leis e o instituto do “decurso de prazo”, se um deles não fosse votado pelo Congresso em determinado prazo tornar-se-ia lei permanente. Ou seja, a possibilidade de leis sem votação pelo legislativo e o fato de que as bancadas governistas poderiam obstruir a deliberação e assim alcançar a aprovação de um decreto-lei por decurso de prazo. Nada disto contamina a medida provisória. Ela não é autoritária, apenas um pouco esdrúxula no presidencialismo. O controle do Congresso Nacional é total sobre a medida provisória: pode aceitá-la ou devolvê-la (juízo de admissibilidade); aprovar ou rejeitar, modificar; em caso de rejeição o Congresso dispõe livremente sobre os efeitos produzidos na vigência. Acontece um excesso de uso da medida provisória, numa troca de interesses entre Executivo e Legislativo. Até bem pouco, era hábito dos congressistas introduzir emendas em nada coerentes com o objetivo da medida provisória: esta era apenas um cavalo encilhado que passava para nele serem descarregados os mais variados assuntos e interesses. Recentemente foram adotadas normas restritivas a estas emendas sem vínculo ao assunto inicial da medida provisória. Os parlamentos costumam ter certa dificuldade em deliberar, neles existem muitas formas de postergar ou obstruir. No Brasil é acentuado este aspecto. Dificilmente o País seria governável sem instituto parecido ao da medida provisória, porque a urgência da sociedade e o ritmo das coisas hodiernas contrastam com a dificuldade congressual de deliberar que se reconhece quando, por exemplo, tratamos da demora em regulamentar princípios constitucionais. Criou-se uma cultura de uso abusivo das medidas provisórias, com a conivência congressual já que o Legislativo tem o poder de não aceitá-las. Mas, não se deve confundir as regras constitucionais e legais com a correlação de forças objetiva, ou seja, um Executivo que tenha grande maioria no Parlamento encontrará meios de fazer valer sua vontade.

Pergunta- Passados 30 anos, que legado percebes da Constituição Federal de 1988?

Resposta- Creio que o grande legado foi ter garantido a democratização das instituições brasileiras, a cidadania e seu exercício e o avanço em temáticas inovadoras. Também assegurou a estabilidade institucional em momentos traumáticos e crises políticas. Na democracia, varia a correlação de forças e grupos políticos se alternam no poder, havendo ciclos mais progressistas e ciclos mais conservadores. Assim é a opinião pública e seu reflexo sobre os fatos políticos. É o que temos vivido sob a égide de nossa ordem constitucional.

Pergunta- Mais recentemente alguns analistas têm falado que a instabilidade política, as alterações que seguidamente têm ocorrido na Constituição, através das propostas de emenda (PECs), colocariam em risco os avanços sociais que constam da CF de 1988. Qual a sua opinião?

Resposta- O mundo estava em vertiginosa mudança quando a Constituição de 1988 foi elaborada. Como disse, houve o ímpeto libertário marcante, fruto de uma sociedade que estava amordaçada há décadas e se sentiu liberada para ousar. Nossa Constituição tem muito de vir a ser, de objetivos nacionais permanentes, de horizonte a ser perseguido sem ser alcançado. Nesse sentido instiga a ir adiante, mas é óbvio que não consegue realizar magicamente seu ideário. Também possui alguns dispositivos e regras que as mudanças sociais tornam obsoletos. Não creio que os fundamentos da Constituição no campo social venham a ser comprometidos, mas muitas modificações podem atingir aspectos práticos de previdência, relações de trabalho, serviço público, etc, aliás, já temos um histórico de emendas e mudanças em alguns destes pontos. Como disse antes, a parte econômica, fortemente marcada pelo caráter nacionalista e um tanto estatizante já foi modificada substancialmente. Mas, o núcleo fundamental da Constituição está preservado e creio que sobreviverá às vicissitudes e desafios da grave crise que vivemos.

Texto: Fritz R. Nunes

Imagens: Arquivo pessoal e divulgação

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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