‘Escola sem Partido’ fere o bom senso, diz Saviani SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 24/02/17 14h45m
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Pedagogo e filósofo concedera entrevista à Sedufsm, onde falara sobre o papel da escola

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O professor emérito da Unicamp Dermeval Saviani engrossa as fileiras dos contrários ao projeto de lei que visa instituir a ‘Escola sem Partido’ no Brasil. E nessa entrevista, concedida à Assessoria de Imprensa da Sedufsm, ele explica o porquê: não obstante se apresente com uma aparência apartidária e independente, o projeto – advindo do movimento de mesmo nome – é sustentado por organizações localizadas junto ao bloco conservador da política nacional.

Por isso as proposições encontradas no texto, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, não parecem ansiar – e, mais, demonstram-se temerosas – por mudanças na sociedade. Afinal, o objetivo não é a formação para a cidadania, como previsto na própria Constituição, e sim a manutenção da ordem de dominação trazida pela sociedade capitalista. É o que pensa o pedagogo e filósofo Saviani, formulador da pedagogia histórico-crítica e um dos teóricos defensores da tarefa progressista reservada à escola na sociedade contemporânea.

Acompanhe, abaixo, a íntegra da entrevista, realizada em outubro de 2016, durante visita do docente à UFSM.

Sedufsm – Como o senhor analisa o projeto ‘Escola sem Partido’?

Saviani – O movimento ‘Escola sem Partido’ [ESP] supõe a neutralidade da escola, o que fere o bom senso e a tradição da sociedade moderna, em que a escola surgiu exatamente com o objetivo político de educação das massas como exigência do regime democrático. E está posto inclusive na própria legislação que o objetivo principal da educação é a formação para cidadania e a qualificação para o trabalho. Agora, pela proposta do ESP, a escola deve abrir mão de formar o cidadão, porque formar o cidadão é objetivo político. Ao proceder dessa maneira, o que esse movimento pretende é induzir os professores a abrirem mão da formação política, supondo-se que a escola possa ser neutra em relação à política. Na verdade, a proposta estimula uma espécie de idealismo dos professores, em que eles acreditam que formam bem os alunos abstendo-se da política. E com isto eles, ao invés de estarem formando indivíduos críticos, ativos e conscientes, formarão indivíduos conformados, adaptados, ajustados à ordem existente, portanto, elementos que, ao invés de atuarem para transformar a sociedade, atuarão para contornar e reproduzir essa forma de sociedade.

Embora se proclame ‘sem partido’, o movimento ESP quer impor essa posição por lei, e para isso, já que é um ato político, eles têm que se abrir aos partidos. Então são partidos que estão propondo a lei das escolas sem partido. Quais partidos? Os partidos conservadores, reacionários, da direita. Na verdade, o movimento ESP é o movimento dos partidos da direita. É por isso que PSC, PSDB, PRB, que são os partidos das igrejas fundamentalistas, estão tomando a iniciativa de propor isso tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, além de estarem surgindo propostas também nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, o que é um absurdo, pois o projeto ESP implica mudanças na LDB [Lei de Diretrizes e Bases], lei nacional que não pode ser alterada em Assembleias e Câmaras Municipais.

A conclusão é que, na verdade, o movimento ESP é um movimento dos partidos conservadores e reacionários, que lutam para manter a ordem existente. E surgiu contra partidos de esquerda que entendem que o papel da escola é formar indivíduos críticos para agir na sociedade visando seu desenvolvimento, transformação e superação dessas condições de desigualdades e injustiças.

Sedufsm – Em sua obra, o senhor foca bastante na escola. Que papel esta assume na sociedade contemporânea?    

Saviani – A escola tornou-se a forma principal e dominante de educação na sociedade moderna, porque até o final da Idade Média [modo de produção feudal], a escola era uma forma secundária de educação, pois atendia apenas aos setores dominantes. Na origem não havia escola, mas havia educação, porque o homem se constituía como tal necessitando agir sobre a natureza e transformá-la. Diferente dos animais que se adaptam à natureza e retiram dela tudo que é necessário para sobrevier, o ser humano constitui-se na medida em que ele se destaca da natureza, entra em contradição com ela e, para existir, necessita de fazer o contrário dos animais: no lugar de se adaptar à natureza, precisa adaptar a natureza a si. Então essa é a marca distintiva do animal humano, que deixa de se adaptar a natureza e passa a transformar a natureza para existir. Sem agir sob a natureza ele perece. Se vier a sobreviver, ele não assume a forma humana, como mostra o caso das crianças selvagens, que surgiram desde a Idade Média. Os dois principais casos são o do Kaspar House (que virou filme) e o do Garoto Selvagem, que também virou filme, esse último tendo aparecido na França no final do século XIX. Esse garoto selvagem, quando encontrado, aparentava ter 12 anos, vivia nu, alimentava-se de árvores, raízes e andava de quatro. Ele sobreviveu, mas não assumiu a forma humana, e sim a forma do meio em que se encontrava.

Então o homem já surge com a educação, porque ele precisa aprender a transformar a natureza. Na origem isso era feito coletivamente, era o comunismo primitivo. Na medida em que ocorre a apropriação privada da terra, ocorre também uma diferenciação entre os proprietários de terra, que passam a poder viver do trabalho dos outros. Aí vem o escravismo primitivo.

E nessa situação também ocorre a divisão da educação: surge uma forma de educação diferenciada para os que não precisavam trabalhar e para aqueles que precisavam. A forma de educação para os que não precisavam trabalhar é a escola. Escola em grego é o lugar do ócio, do lazer, daqueles que disfrutam de tempo livre. Então iam para a escola os que dispunham de tempo livre para fazer exercícios físicos e o ginásio. A grande maioria dos que não eram proprietários de terra eram os escravos que tinham de trabalhar para se manter e manter os donos da terra. A educação desses era a educação da própria vida, do próprio trabalho.  Temos aí a oposição entre Paideia (educação dos homens livres) e Douleia (escravidão em grego, educação dos escravos).

Na Idade Média temos um novo modo de produção, que é o feudal, e aí não temos mais os escravos, mas os servos, porque viviam na terra que não era propriedade deles, então tinham que servir ao dono da terra, ao seu senhor. Esses não iam para a escola. Aprendiam a trabalhar trabalhando. Aprendiam a cultivar a terra cultivando a terra.

Na medida em que as forças produtivas desenvolveram-se e os servos e artesãos foram conseguindo produzir mais do que era necessário para sobreviver, os excedentes aumentaram e tornaram as trocas mais frequentes, até que essas trocas tornaram-se permanentes, dando origem às cidades - onde viviam os comerciantes, que eram os burgueses.

Aí surge um novo modo de produção, centrado na troca: produz-se para a troca e só depois da troca você pode consumir. Essa nova sociedade é a capitalista, que mudou o consumo para a troca, o campo para a cidade, a agricultura para a indústria. Os servos não podiam mais continuar vinculados a terra e os artesãos às corporações, porque essas relações de produção passaram a travar as forças produtivas. As relações de produção, de impulso às forças produtivas, a partir de certo momento tornam-se freios, e aí surge uma época de revolução social, na qual é preciso transformar essas relações para que as forças produtivas sejam libertadas. E foi isso que a burguesia fez: a revolução burguesa, que arrancou os servos do vínculo com a terra e os artesãos do vínculo com as corporações de ofício, transformando-os em trabalhadores livres, assalariados.

Essa sociedade centrada na troca, na cidade e na indústria incorporou a forma escrita [o alfabeto], então a escola não podia ficar mais apenas para as elites e grupos dirigentes. Enquanto na Idade Média a escola era para os nobres e para o clero, na sociedade moderna ela torna-se a forma dominante e principal de educação, devendo ser generalizada para todos. E isso é que conduz também a mudança da forma autocrática de governo para a forma democrática. Na democracia, o soberano deixa de ser o monarca e passa a ser o povo. Temos aí o problema da educação do soberano: é preciso educar o novo soberano, o povo, para ele poder escolher os governantes e até mesmo ter acesso ao governo, controlando quem governa. Surgem as bandeiras de escola pública, universal, gratuita, obrigatória e laica.

Só que na medida em que essa sociedade capitalista consolida-se, ela deixa de ser revolucionária e passa a ser conservadora, enfrentando a oposição da classe dominada, os trabalhadores. Então a escola fica objeto dessa contradição: as massas têm interesse na escola como instrumento de libertação da dominação, e a classe dominante tem interesse na escola como instrumento de manutenção e reprodução da dominação. É essa contradição que estamos vivendo desde a consolidação do poder burguês no final do século XIX.

Sedufsm – Podemos dizer, então, que a escola é um lugar de disputa?

Saviani - Sim. Já no final do século XIX está em curso a organização dos Estados Nacionais e dos sistemas nacionais de ensino, ficando a escola objeto de disputa, que tem um aspecto progressista enquanto a burguesia era uma classe progressista e revolucionária, e perde esse caráter na medida em que a burguesia vai se tornando conservadora - porque seu objetivo agora é manter essa ordem.

Sobre a crise do capitalismo

Além das questões já citadas, Saviani também comentou sobre a crise, na sua avaliação de caráter estrutural, instalada no sistema capitalista:

Saviani - Agora o capitalismo já esgotou todas suas possibilidades, tomou conta do mundo inteiro e não tem mais para onde se expandir, estando numa crise profunda e estrutural, que não lhe permite resolver os problemas que ele mesmo cria. Então a solução é a superação dessa ordem. Hoje a produção é destrutiva, só se pode produzir a partir da destruição.

O capitalismo socializou o trabalho e manteve privados os meios de produção e os produtos do trabalho. Agora é época de revolução social, em que é necessário compatibilizar a socialização do trabalho com a socialização dos meios de produção.

Eu costumo dizer que é por isso que eles estão muito interessados em descobrir vida em outro planeta, porque se isso se tornar viável, eles terão uma nova fase de desenvolvimento capitalista, que é a colonização desse novo planeta, assim como nos séculos XV e XVI tivemos navios para descobrir novas terras. Agora teremos não mais navios, mas naves espaciais cingrando os ares para colonizar outro corpo celeste onde se descubra a possibilidade de vida. Assim o capitalismo teria uma sobrevida.

Mas, ficando aqui no espaço terrestre, não tem como se expandir, então só pode sobreviver pela produção destrutiva. Daí as grandes destruições de meio ambiente, desastres de trânsito, guerras localizadas que vão se ampliando até o risco de uma guerra total que permitiria, inclusive, a destruição do planeta.

Entrevista concedida a Bruna Homrich

Foto: Fritz R. Nunes

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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