O mundo do trabalho sob diferentes perspectivas em Seminário na UFSM SVG: calendario Publicada em 22/11/17 19h12m
SVG: atualizacao Atualizada em 18/01/18 16h18m
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Mesa-redonda ocorrida na terça, 21, integrou programação sobre Revolução Russa

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Uma mesa-redonda na terça-feira, 21, reuniu docentes da UFSM que estudam o mundo do trabalho a partir de diferentes áreas do conhecimento. Enquanto Gláucia Konrad, docente do departamento de Documentação, pesquisa a importância da documentação para a manutenção da história dos trabalhadores; Maria Beatriz Oliveira (Bia Oliveira), do departamento de Direito, analisa a forma jurídica como derivativa da forma mercadoria. Laura Senna Ferreira, das Ciências Sociais, destrincha a concepção de trabalho; ao passo que Eduardo Schiavone Cardoso, da Geografia, observa como as relações de trabalho operam transformações no espaço geográfico. Como docente do departamento de História, Diorge Konrad resgata a trajetória do movimento operário.

Esses(as) pesquisadores(as) integraram a mesa “Mundos do Trabalho e Revolução Russa”, ocorrida no auditório Pércio Reis (CT/UFSM), com mediação do professor Júlio Quevedo, presidente da Sedufsm. O evento fez parte do seminário “100 anos da Revolução Russa: análises e perspectivas”, iniciado no dia 10 de outubro.

Estatização da informação

O estado soviético, advindo do processo de Revolução Russa, promoveu a estatização de toda documentação referente a diversos âmbitos – desde arquivos políticos sigilosos no regime czarista, até aqueles que davam conta da estatização dos meios de produção e da abolição da propriedade privada da terra. Assim, um grande centro de documentação foi inaugurado pela União Soviética, ao qual recorriam cidadãos, militantes e pesquisadores de todo o mundo. Em 1918, então, o Instituto Marx e Engels (posteriormente Instituto Marx, Engels e Lênin) chegava a empregar cerca de 22 mil pessoas, conforme Gláucia Konrad.

A docente explica que o Instituto também serviu como manutenção da história do movimento operário e das elaborações teóricas dos trabalhadores ao longo do tempo, fomentando traduções fiéis das obras de Marx e Engels, bem como sua inserção nas fábricas e comitês revolucionários. O objetivo era tornar tais obras acessíveis a toda sociedade russa.

Tendo em vista a forte reação dos países capitalistas frente ao advento da Revolução Russa, o Instituto também servia para proteger a história da maior insurreição de trabalhadores já ocorrida no mundo, visto que o ocidente tentava fabricar falsificações sobre aquele processo. O domínio da informação – sua socialização – era uma arma poderosa para combater as forças anti-revolucionárias.

Um nome central na constituição do Instituto foi David Riazanov, responsável pela recuperação de inúmeros manuscritos de teóricos vinculados à luta revolucionária, blindando-os contra adulterações. Durante a Segunda Guerra Mundial, o centro de documentação soviético figurou como um porto seguro para documentos pertencentes ao movimento operário europeu, ameaçado pelo avanço do nazi-fascismo.

Todo esse cuidado da União Soviética em manter a salvo os documentos que contavam a história do movimento operário reverberou no Brasil, com a criação do Arquivo Edgard Leuenroth na Unicamp.

“A história dos trabalhadores é feita de resistências e apagamentos”, ressalta Gláucia, esclarecendo que os arquivos guardados pelo Instituto passaram a ser aniquilados – alguns até mesmo vendidos como souvenirs – com a política da Perestroika.

Direito, forma mercadoria

“Os juristas são as pessoas mais reacionárias da terra”. Essa frase, de autoria do militante alemão August Bebel e referenciada diversas vezes por Lênin, foi também mencionada pela professora Bia Oliveira, do departamento de Direito da UFSM, durante sua exposição na mesa-redonda da terça-feira. Resgatando a importância das análises realizadas por Lênin, que teria conseguido efetivar uma leitura coerente com a realidade russa em seu momento pré e pós revolucionário, Bia diz que o teórico e revolucionário russo tinha aversão ao formalismo jurídico, defendendo a horizontalização do poder – encontrada, por exemplo, na forma de organização dos sovietes.

A postura de Lênin quanto às questões jurídicas, diz Bia, oscilava entre as defesas de dois grandes juristas da União Soviética: Evgeni Pachukanis e Piotr Stutchka, ambos socialistas, porém com visões um pouco distintas. O primeiro concebia a forma jurídica como uma derivação da forma mercadoria, alicerçado no entendimento de que o Direito, tal como o conhecemos hoje, teria nascido com o capitalismo, e, por isso, estaria fadado a morrer com a ruptura sistêmica. Isso porque nos modos societários anteriores ao capitalismo, as relações de trabalho eram calcadas na exploração direta (por ex, nas sociedades escravagistas ou no medievo). O capitalismo, convertendo o trabalhador em mercadoria, inseriu o Estado (e sua forma jurídica) como mediador das relações de exploração. Dessa forma, Pachukanis compreendia o Direito como filho do capitalismo e, por isso, defendia sua extinção.

Já Stutchka desenhava a possibilidade não da extinção do Direito, mas da inauguração de um Direito socialista, em que a forma jurídica fosse também utilizada para garantir, por exemplo, “concessões forçadas” aos trabalhadores. Ou seja, o alargamento de direitos a partir da pressão à burguesia. Lênin (também jurista), ao mesmo tempo em que critica a institucionalização e a verticalização do poder, não rejeita a possibilidade de avanços através do Direito.

Estado de Bem-estar social

“Nunca se diz que o Estado de Bem-Estar Social é filho direto da Revolução Russa, que obrigou a burguesia a entregar os anéis para não perder os dedos”, diz Bia, citando, por exemplo, a redução da jornada de trabalho como direito conquistado por influência do estado soviético.

Outro segmento da sociedade que conheceu avanços significativos durante, principalmente, os primeiros anos da União Soviética foram as mulheres. A docente do departamento de Direito lembra que a garantia do direito ao divórcio e ao aborto figuraram como conquistas centrais naquele momento. “Hoje estamos vendo, no Brasil, um retrocesso do direito ao aborto inclusive quando a mãe corre risco de vida ou em caso de estupro”, lamenta.

“É preciso resgatar o passado para entender o presente”, frisa a docente, para quem, contemporaneamente, o capitalismo vem se apropriando não somente dos músculos e nos nervos, mas do cérebro dos trabalhadores, a partir do trabalho imaterial.

O trabalho para os soviéticos

Laura Senna Ferreira, do departamento de Ciências Sociais, explicou que no regime soviético preponderavam dois entendimentos acerca do trabalho. O primeiro, numa perspectiva emancipatória; o segundo, num viés produtivista. Prescindindo de juízos valorativos, a docente contextualiza a Rússia do início do século XX como essencialmente agrária, atrasada tecnologicamente e assolada por problemas sociais como epidemias, fome e guerras.

Foi esse cenário, segundo Laura, que fomentou o desenvolvimento da concepção produtivista de trabalho, visto como um caminho para industrializar a Rússia. Para tal, era preciso aumentar a produtividade e, assim, Lênin, dirigente soviético, volta-se para um sistema de organização do trabalho denominado Taylorismo, tentando adaptá-lo ao estado soviético. “Isso acabou frustrando um pouco a ideia de autogestão, já que prevaleceram algumas formas capitalistas de produção”, ressalta.

Contudo, a União Soviética também trouxe outro sentido ao trabalho: o emancipatório, aqui pensado tanto de modo ontológico, quanto como princípio educativo. O trabalho, na perspectiva ontológica, é entendido como fundante do ser social, sendo uma necessidade permanente para a relação metabólica do homem com a natureza. Tal concepção, lembra Laura, foi elaborada por György Lukács.

Já Antonio Gramsci traz uma crítica à divisão social do trabalho, marcada pela alienação e submissão. O filósofo italiano defende a politecnia, ou seja, uma formação ao mesmo tempo intelectual e manual, e teórica e prática, possível de romper com a divisão social do trabalho, que forma sujeitos unilaterais. A ideia da politecnia, explica Laura, é justamente superar a unilateralidade e os limites atrofiadores da divisão social do trabalho, possibilitando ao sujeito se constituir em suas infinitas possibilidades. Essa é a perspectiva do trabalho como princípio educativo.

Uma nova escola

Moisey Pistrack, educador socialista, teve alguns de seus entendimentos resgatados pelo professor Diorge Konrad durante a mesa de debate da terça-feira. O docente ressaltou que Pistrack, em 1924, dizia que a escola era o principal aparelho ideológico do Estado. Por isso, sua defesa era de uma nova escola, baseada no dinamismo, na politecnia e na auto-organização, principalmente dos estudantes.

Konrad diz que esta concepção está bem distante do modelo de escola e universidade preponderante hoje, que aparta o trabalho da ciência. Um exemplo de esforço empreendido no sentido de desenvolver uma nova forma de aprendizagem foi dado pelo professor: trata-se do projeto Práxis – Educação Popular, surgido em 2002.

Geografia e mundo do trabalho

Hoje, parece ganhar corpo, em alguns setores, a defesa de que o mundo do trabalho não mais existe. Contudo, para o professor Eduardo Cardoso, do departamento de Geografia, ocorre exatamente o contrário: o trabalho segue sendo a categoria central de análise da sociedade capitalista.

Isso porque as relações de trabalho, quando colocadas nos diferentes espaços geográficos, geram manifestações políticas como as lutas sindicais e as lutas por água, por terra, por territórios ou por recursos naturais.

Cardoso coordena um grupo de estudos na UFSM sobre Geografia, Trabalho e Meio Ambiente, e tem, em seu hall de referências, teóricos como Milton Santos, Rui Moreira e David Harvey.

Seminário 

O Seminário “100 anos da Revolução Russa: análises e perspectivas” é promovido pela SEDUFSM, pelos Departamentos de História e Ciências Sociais, além dos cursos de Pós-Graduação em História e Ciências Sociais da UFSM, da Fundação Maurício Grabois e também com o apoio da Regional RS do ANDES-SN. Mais informações podem ser encontradas no Evento do Facebook.

 

Texto: Bruna Homrich

Fotos: Germano Molardi

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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