Mesa do III ENE debateu construção de um projeto de educação
Publicada em
18/06/18 17h57m
Atualizada em
18/06/18 18h03m
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BNCC criticada por ser ferramenta de atrelamento do ensino a uma visão de mercado
A proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que vem sendo implementada pelo governo federal foi bastante criticada pela professora Helenise Sangoi Antunes, do departamento de Metodologia do Ensino da UFSM. Segundo ela, a BNCC compromete a democratização da gestão escolar, conforme definido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 e pelo Plano Nacional de Educação (PNE). A Base também aponta para um processo de ensino com avaliações externas, colocando em prática um modelo de gestão de inspiração empresarial, não participativo, e que concentra poderes nas mãos dos diretores e de autoridades externas às escolas, tanto na gestão como na parte pedagógica.
Helenise fez a sua análise na noite de sexta, 15, logo após a abertura da etapa municipal do III ENE (Encontro Nacional de Educação), na Escola Cilon Rosa, em Santa Maria. Ela participou da mesa “Projeto atual de educação: o que temos (BNCC) e o que queremos (classista e democrático)”, juntamente com Gelta Xavier, docente da área de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). A intervenção de Gelta caminhou no sentido de indicar algumas linhas de como se pode construir, no país, um projeto de educação de viés democrático e que atenda aos interesses da classe trabalhadora. A coordenação da atividade ficou por conta da professora Maristela Souza, diretora da Sedufsm.
Diversidade e desumanização
Em sua avaliação minuciosa da BNCC, a professora Helenise Antunes apontou que, um dos aspectos prejudiciais que consta do documento, é o desrespeito à diversidade, contrariando a LDB. Para a docente, a Base promove medidas como a descaracterização do estudante, a desumanização do trabalho docente, a uniformização e a centralização curricular, e a privatização do ensino público. Traduzindo em miúdos, a BNCC, na avaliação da ex-diretora do Centro de Educação da UFSM, desrespeita a diversidade e caminha para a “modelização”, a uniformização de pensamentos, propostos por especialistas oriundos do setor privado, o que facilita a construção de cartilhas como método de ensino/aprendizagem.
Helenise também fez referência aos projetos político-pedagógicos que, de uma forma geral, são construídos com base nas realidades locais. Entretanto, a Base Comum atropela esse tipo de concepção, pois parte de uma lógica de ensino baseada em conteúdos universais, selecionados por ditos especialistas. Dessa forma, o que se objetiva é a “unificação curricular”, que tem como consequência a fragilização da autonomia, criando uma classe de planejadores de currículos e praticando a centralização em detrimento do diverso e do local.
No que se refere à metodologia da BNCC, a professora da UFSM ressalta que o documento foi construído de forma apressada, com participação reduzida, através de debates minimizados e consultas eletrônicas. Helenise encerrou com algumas perguntas: Quem escreveu a BNCC? Quem analisará os resultados? A quem interessa a BNCC?
Projeto de país
Em sua exposição durante a mesa que tratou da educação que temos e a educação que queremos, a professora Gelta Xavier fez uma recuperação, ainda que sintética, de toda a mobilização que vem de décadas atrás, na busca da construção de um projeto de educação, nascido de baixo para cima. Para a docente da UFF, o projeto de educação não está desvinculado de um projeto que se almeja para o país. Ela citou, por exemplo, um dos grandes educadores do Brasil, Dermeval Saviani, para reforçar a ideia de que temos um processo de fragmentação e um sistema educação não consolidado, o que de certa forma não permitiu, até o momento, a elaboração de um projeto consistente de educação para a nação.
Para Gelta, quando se pensa em um projeto para a educação, faz-se necessário adotar as bases do debate revolucionário, repetido nos textos acadêmicos, na literatura e nos textos utilizados de diversos autores, mas que acabam secundarizados nos programas e práticas educativas. A educadora vê o Brasil num momento de grande tensionamento político e ideológico, e por isso com predisposição a transformações que não sejam superficiais ou que visem apenas garantir hegemonias político-partidárias. Ela lembrou que mesmo a BNCC, que possui uma orientação mercadológica, privatista, já vinha sendo desenhada desde o governo de Dilma Rousseff.
Instigada no momento dos debates, quando foram levantadas questões sobre formas de mudar a realidade sem que as ações sejam individualizadas, Gelta Xavier reforçou a ideia de que é preciso construir a unidade entre os segmentos da educação, superando diferenças (picuinhas), para que se consiga elaborar um projeto de educação realmente classista, atrelado a uma visão de país e de mundo transformadora.
Espaço para a arte
O III ENE municipal, encerrado no sábado, 16 (ver matéria a seguir) não se restringiu aos debates teóricos e aos encaminhamentos. A manifestação artística e cultural também se fez presente. Permeando todo o evento, a exposição fotográfica: “Negros e negras: na cultura, na ciência e nos movimentos sociais”. Organizada pelo professor aposentado da UFSM, Dartanhan Figueiredo, a mostra com 30 fotos foi uma versão reduzida das exposições que aconteceram no Centro de Convenções da universidade e também no Shopping Monet. Eram 30 fotos que realçavam a participação de negros e negras em diversas esferas da cidade, uma forma de também contrapor-se a atos criminosos de racismo praticados na instituição.
No intervalo entre as falas das professoras Helenise e Gelta, o momento artístico ficou sob a responsabilidade da professora do curso de Dança da UFSM, Tatiana Joseph, que coordenou a performance “resistir para existir”, tema do III ENE, com as bailarinas da ‘Repertório Cia. de Dança’.
Texto: Fritz R. Nunes
Fotos: Rafael Balbueno e Fritz Nunes
Assessoria de imprensa da Sedufsm