As diversas formas de educação em debate no III ENE SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 03/09/18 16h06m
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A etapa estadual do encontro nacional de educação expôs experiências alternativas de ensino e luta no estado

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A educação afrocentrada, a educação no campo, a educação nas mãos dos estudantes, a educação indígena. Essas foram as temáticas tratadas na mesa “Experiências de Educação popular no Capitalismo” que apresentou modelos alternativos de se fazer, construir e debater a educação nos tempos de crise e tentativas de desmonte da educação pública. As falas caminharam no sentido de ressignificar a educação, tornando a sua construção mais variada e agregando valores da diversidade e da luta coletiva no dia-a-dia escolar.

A mesa aconteceu no segundo dia da etapa estadual do terceiro Encontro Nacional de Educação (ENE), na Escola Técnica Parobé, em Porto Alegre, e contou com a participação do Educador Social e professor de capoeira, Vladimir Motta, o vice-cacique da aldeia guarani Maquiné, Karahy Tiaguinho, Gabriel Fernandes, estudante de história que esteve nas ocupações de 2016 quando era secundarista, da professora Daiane Marçal, do Assentamento Madre Terra em São Gabriel e da estudante de jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Júlia Maria, que ajudou a construir a ocupação da UFSM em 2016.

A conversa e o aprendizado em círculos da capoeira como ferramenta pedagógica     

A lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003 assegura, entre outras providências, o seguinte: “a inclusão do estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”. No entanto, ainda que não haja estatísticas de quantas escolas implementam tal legislação, é seguro dizer que são absoluta minoria.

Diante deste cenário, Vladimir Motta, educador social e militante da Frente Quilombola de Porto Alegre resolveu criar um projeto de estudo da história brasileira de forma “afrocentrada” - em oposição ao eurocentrismo do ensino de história convencional – usando a capoeira e as rodas de conversa como ferramentas pedagógicas. “Ainda há quem veja a capoeira como um grupo de pessoas levantando as pernas sem nenhum objetivo maior, mas ela tem todo um contexto histórico e de resistência, além de ser um forte instrumento de mobilização da juventude” afirma Vladimir, lembrando que frequentemente é a capoeira que cumpre o papel de primeiro atrativo para que jovens aproximem-se de movimentos sociais ligados à negritude.

O caráter multidisciplinar da capoeira, que traz em sua prática elementos da educação física, da música, da história, geografia e artes, dificulta a sua inclusão em um currículo engessado que exclui métodos alternativos de educação, afirma Motta. Foi pensando nisso que o professor criou o projeto “O sangue que circula”, que é “uma oficina de Capoeira feita através de uma contação de história que fala sobre a Capoeira e o dia a dia do negro escravizado” como o professor mesmo descreve.

Através do seu projeto, o professor Vladimir pretende promover a reeducação do racismo. “Não adianta chegarmos com uma postura de educar, de cima para baixo, querendo impor uma desconstrução” afirma Motta, explicando que a superação do racismo tem que vir de uma relação de troca e reflexão. “É um trabalho de construção e ressignificação da forma como fomos educados” sugere o professor, que conclui: “apenas quando tivermos a presença de educadores com a capacidade de contar a nossa história com um viés afrocentrado é que iremos começar a ter uma educação que escute e dialogue mais com a população negra”.

O direito à ancestralidade e à identidade indígena na educação

“Na nossa forma de aprender não há cadeiras, nem livros, nem hora ou lugar para aprender” explica o vice-cacique Karahy: “essa nossa forma de educar mantém as crianças livres, como éramos antes do homem branco chegar”. Esta é a principal reivindicação dos indígenas, segundo Karahy, já que muitas vezes para receber educação o indígena tem que ir a uma escola de brancos e morar fora da aldeia, tendo aulas em outra língua, numa lógica pedagógica adequada à cultura branca, o que aliena o indígena de seus colegas e gera ressentimento para com a educação formal.

E não é só o método que difere as escolas convencionais da maneira indígena de estudar. “Muito da forma como aprendemos é escutando os mais velhos” explica Karahy. “Nós aprendemos muitas coisas que os brancos não sabem com os nossos mais velhos. Como quais plantas são remédios, como viver da nossa terra, as coisas da nossa cultura, nossa religião e as nossa regras da aldeia” afirma o vice-caique.

Esta forma de educar, Karahy afirma, também serve como forma de resistência. “Historicamente a gente só perde: perdemos a terra, a linguagem, a cultura, as nossas vidas” e, concluindo, explica o jovem militante indígena: “a nossa educação deve servir para a gente retomar e manter o que ainda nos resta”.

 Educar para dar dignidade ao povo do campo

O assentamento Madre Terra fica a 40km do município de São Gabriel, incrustado em meio aos latifúndios de monocultura e pecuária extensiva. Nele vivem várias famílias de produtores rurais, cujas crianças até três anos atrás não tinham como acessar o ensino básico sem fazer longas, cansativas e incertas jornadas. “As crianças tinham que acordar no meio da madrugada, caminhavam de 7 a 12 quilômetros com seus pais, para pegar um ônibus que nem sempre passava e então viajarem por 2 horas até a escola mais próxima” explica Daiane Marçal, professora, agricultora e moradora do assentamento.

Foi através de muita organização e luta que a comunidade conquistou uma unidade escolar filiada a uma escola estadual do município de São Gabriel. A unidade, a qual eles nomearam “Semente Libertária”, oferece as séries iniciais e o ensino fundamental a cerca de 40 crianças em um container adaptado, com salas de aula, biblioteca e refeitório. Daiane explica que mesmo após a instalação da unidade no assentamento, a qualidade do ensino ainda deixa a desejar. Isso se deve em muita conta ao descaso do governo e ao desmonte da educação pública.

Segundo a professora, todos os anos, na época do início do período letivo, sempre há uma tentativa de impedir a unidade de retornar as aulas. “Um ano nos avisaram faltando poucos dias para o início das aulas que não haveria professores para ministrarem as aulas, em outro ano, o ataque foi mais sutil: não havia transporte para que os professores viessem até o assentamento” conta Daiane. Porém, a conquista da educação mais acessível serviu para unir a comunidade de assentados que passou a encampar a luta intransigente em defesa da sua unidade escolar.

Desde então, todos os ataques e tentativas de fechar a unidade escolar do Assentamento Madre Terra foram rechaçadas. “Um ano ocupamos o ministério público em Santa Maria” lembra Daiane. “Isso nunca tinha acontecido lá”, ressalta. Além disso, foram muitas  as audiências públicas, as viagens para ocupar coordenadoria de educação e para participar de atos em defesa da sua unidade escolar.

“Nós defendemos uma educação que valorize e dê dignidade para a produtora e o produtor rural ficarem no campo, para que os jovens não vejam a cidade como a única alternativa de progresso” explica a professora Daiane, que diz ser muito difícil desenvolver esse tipo de ensino no campo pela falta de um projeto voltado para esta população. “Não existe formação para o professor ir dar aula no campo” diz. “E isso também tem é uma demanda que tem que fazer parte de qualquer projeto classista de educação, que é o objetivo do ENE” defende a professora.

As ocupações dos secundaristas ensinaram organização e luta

Em 2016, em protesto contra o sucateamento das escolas estaduais, contra a proposta de reforma do ensino médio e contra o parcelamento do salário de seus professores, os alunos gaúchos ocuparam mais de 150 instituições de ensino em todo o estado além da Câmara Legislativa do Rio Grande do Sul. Foi uma grande demonstração de força e organização da juventude secundarista e deu um novo sentido educacional para a escola: o aprendizado na luta.

Gabriel Fernandes, estudante de história da UFRGS, participou da ocupação em sua escola de ensino médio, onde integrava o Grêmio Estudantil. Segundo Gabriel, a juventude que tocou as ocupações, em sua ampla maioria, não era organizada em nenhum movimento político e conta que antes de as ocupações ocorrerem, não acreditava que elas seriam possíveis. Porém, ele credita à rebeldia dos estudantes a força motriz das ocupações. “Como característica, essa juventude se rebela contra todo o status-quo” explica Gabriel, que afirma que neste status-quo estão inseridos também os partidos de esquerda.

Para o estudante, a grande vitória “dos processos de ocupação foi a formação de uma geração que aprendeu a lutar, se organizar, organizar assembleias e viver de forma coletiva”. Além disso, ele afirma que a juventude percebeu que precisa construir alternativas de direção. “Eu não estou dizendo que devemos destruir organizações como a UNE (União Nacional dos Estudantes), mas que devemos evitar que liderem negociações com a institucionalidade e não seja o que tem sido há bastante tempo: um agente destruidor das construções coletivas dos estudantes, sempre apostando na conciliação, quando a juventude está disposta a lutar” conclui Gabriel.

Os estudantes universitários exercem a sua própria representatividade

Na esteira das ocupações de escolas por todo o país, também as universidades passaram a serem ocupadas. Em âmbito nacional, os números chegaram a mais de mil escolas e 226 universidades públicas ocupadas no auge do movimento que ficou conhecido como “Ocupa Tudo”. Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) as ocupações duraram exatos 30 dias e terminaram após uma ordem judicial de reintegração de posse. A ocupação tinha, dentre várias outras pautas específicas, uma pauta central: a luta contra a Emenda Constitucional 95, que definiu um teto de gastos públicos no Brasil por 20 anos.

A estudante de jornalismo, Júlia Maria, participou da ocupação do Centro de Ciências Sociais e Humanas (CCSH) e conta que as ocupações serviram para organizar muita gente que não se prestava ao debate político. “Foi um momento em que a juventude passou a pensar para além da sua individualidade e a agir coletivamente” explica Júlia, relembrando a assembleia estudantil ocorrida em novembro de 2016 que reuniu mais de 5 mil alunos no estádio do Centro de Educação Física e Desportos da UFSM.

Um fato importante sobre esta assembleia: ela ocorreu à revelia do Diretório Central da UFSM, que na época era dirigido por um grupo de estudantes de direita ligados ao Clube Farroupilha. Isso reforça o sentimento de obsolescência das entidades representativas que ganhou força nas ocupações. Segundo Júlia, elas prestaram um desserviço aos estudantes nos últimos anos, pois teriam levado a luta estudantil para dentro da institucionalidade. “A gente não sabia ocupar, organizar movimentos, lutar de forma efetiva e bem coordenada, porque a luta foi apaziguada” reflete.

“A gente passou a se contentar a participar de conselhos, ocupar cargos em secretarias, sempre dentro da institucionalidade, dentro de uma representatividade vazia”, defende a estudante, contando que em vários momentos os estudantes que haviam aderido às ocupações de forma autônoma tiveram atritos com outros estudantes que eram dirigentes de entidades representativas e tentavam burocratizar ou dirigir o processo. “A nossa ocupação era feita de pessoas de verdade, muitas nem sabiam o que era a UNE” afirma Júlia.

Apesar disso, a estudante reafirma a importância dos Diretórios Acadêmicos e outros espaços de organização dos estudantes, porém, afirma que a compreensão produzida na ocupação que participou demonstra que eles não são o suficiente. “Para além disso, temos que entender a crise que vivemos, que a institucionalidade não é o bastante, nós temos que entender que é a luta coletiva a única saída” conclui a estudante.

Encerramento da etapa estadual do III ENE

No domingo, dia 26 de agosto, ocorreu a plenária de encerramento que desenhou os principais tópicos que estarão presentes na Carta de Porto Alegre, documento que irá sintetizar os debates das mesas e dos Grupos de Trabalho que compuseram o encontro em âmbito estadual. Esta carta será então encaminhada ao comitê de organização do ENE e apresentada no ano que vem, na etapa nacional do ENE, marcada para abril de 2019. O texto final da carta de Porto Alegre vai ser discutido na próxima reunião do Fórum Estadual do ENE, no dia 22 de setembro, em Porto Alegre.

 

Texto e imagens: Ivan Lautert

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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