Prefeitura quer despejo, mas ocupação resiste SVG: calendario Publicada em 04/09/18 18h14m
SVG: atualizacao Atualizada em 04/09/18 19h41m
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Mais de 40 famílias formam, há quase 2 anos, a Vila Resistência

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Moradores e apoiadores da ocupação protestaram em frente ao prédio da Justiça Estadual.

A audiência entre os moradores da Vila Resistência e o município de Santa Maria terminou sem conciliação, visto que a prefeitura não apresentou nenhuma proposta que não fosse o despejo das mais de 40 famílias. Ocorrida na última segunda-feira, 3, na 1ª Vara Civil Especializada em Fazenda Pública, e presidida pelo juiz de direito Vinícius Borba Paz Leão, a audiência colocou, frente a frente, as procuradoras Clarissa Pillar e Mirela Marquesan, representando o município, e o advogado de defesa das famílias, Márcio Brum, acompanhado das moradoras Carina de Souza Lopes, Adriane da Silva Teixeira, Tatiane Gomes Batista e Rhaianny Silva Pinto.

Enquanto a audiência ocorria, dezenas de moradores da ocupação protestavam em frente ao Fórum da Comarca de Santa Maria. Nos cartazes e gritos de ordem, o direito à moradia e à dignidade humana.

Há alguns meses, a juiza Eloisa Helena de Hernandez, da mesma Vara Judicial, havia deferido liminar da prefeitura para reintegração do terreno localizado no Parque Pinheiro Machado – e batizado, por seus moradores, de Vila Resistência. Frente à ameaça concreta de despejo, os moradores ocuparam, no último mês de maio, o saguão do prédio da prefeitura, e lá obtiveram, do superintendente de Habitação do município, Wagner Bittencourt, a afirmativa para realização de audiência de conciliação – que ocorreu nesta segunda.

De conciliação, contudo, a audiência não teve nada. Segundo Márcio Brum, “o município deixou bem claro que não abre mão de que as famílias deixem a área. A única coisa que eles [município] colocaram seria a possibilidade de darem um prazo, não definido, para que todas as famílias se cadastrem no programa Minha Casa, Minha Vida [MCMV]. Mas esse prazo seria só para elas fazerem o cadastro. Depois disso, teriam que sair do terreno da mesma forma. Não seria um prazo até que as casas do MCMV ficassem prontas e as famílias pudessem sair do terreno e ir direto para essas casas. Outra alegação do município foi de que não existe outra área para onde as famílias possam ir. Então eles não abrem mão de retomar o terreno e não têm nenhuma outra área em que essas famílias possam se instalar”, informou o advogado de defesa da ocupação.

Ele ainda explica que o juiz concedeu 15 dias para que a defesa da Vila Resistência junte, ao processo, suas razões finais. Passado o período, o município também terá prováveis 15 dias para se manifestar sobre o assunto. “Feito isso, o processo vai para o juiz decidir. O juiz pode determinar novamente a reintegração de posse ou pode acatar nossos pedidos e determinar que o município não retire as famílias enquanto não houver um lugar para onde elas possam ir”, esclarece Brum, do Coletivo de Advogados Populares.

Despejo a qualquer momento

Ainda que falte cerca de um mês para o processo ser finalizado, nada impede que o município, a qualquer momento a partir da audiência desta segunda, apresente uma petição pedindo novamente o deferimento da liminar para reintegração de posse. Uma liminar, explica o advogado de defesa, é uma decisão que pode ser tomada antes do final do processo.

“A 1ª Vara Cível, por decisão da juíza Eloisa Helena de Hernandez, já tinha dado há alguns meses uma liminar de reintegração de posse para que as famílias saíssem imediatamente do terreno. E isto o judiciário pode fazer novamente a qualquer momento, embora acreditemos que não irá ocorrer pelo menos antes desse prazo para conclusão do processo”, diz Brum.

2ª instância

Caso a decisão do juiz de primeira instância – Vinícius Paz Leão – seja desfavorável às famílias da ocupação, ainda há a possibilidade de a Vila Resistência recorrer à segunda instância, a partir de recurso de apelação a ser julgado posteriormente pelo tribunal.

Sobre a ocupação

A Vila Resistência é uma ocupação urbana situada no Parque Pinheiro Machado, em Santa Maria. Mais de 40 famílias fazem do terreno sua morada. Seja por não conseguirem arcar com o valor dos aluguéis, seja por nunca terem tido nem a possibilidade de locar uma propriedade, o fato é que estas famílias estão, há cerca de dois anos, em luta pelo direito básico e constitucional à moradia.

Tatiane Gomes Batista conta que tudo o que os moradores da ocupação querem é um lugar para morar. “Estamos unidos, todos se ajudam, um cuida a casa e o filho do outro. Nós queremos só um cantinho. Queremos botar água e luz em dia, ali é um bom lugar para morar. Para onde nós vamos ir? Não adianta uma pessoa sair dali, arrumar uma casa e o restante das famílias ficarem na rua”, diz a moradora, que divide uma casa com suas três filhas (dentre elas, duas gêmeas de 5 anos) e o neto. Antes da ocupação, elas pagavam aluguel no valor de R$ 550, mas não conseguiram mais arcar. “Porque se a gente paga aluguel, a gente não come né”, conta Tatiane.

Caso semelhante é o de Sandra Brocco, que também pagava aluguel antes de se instalar, com o companheiro e a filha, na ocupação. A peculiaridade é que os três são uruguaios e vieram a Santa Maria em busca de melhores condições de vida.

“Estou no Brasil já faz 20 e poucos anos, já sou legalizada. Morava em Santana do Livramento, mas vim para Santa Maria tentar melhorar um pouco a vida, porque lá estava muito difícil né... mas aqui também não deu muito certo. Eu escolhi Santa Maria porque minha filha, de 19 anos, está estudando o 2º semestre de Direito na UFSM [tendo ingressado pelo programa de cotas para imigrantes em situação de vulnerabilidade social]. A situação nos levou a ir morar na ocupação. A gente paga o aluguel ou come. Meu companheiro é o único que está trabalhando, eu estou sem emprego, minha filha estudando. Então não temos como pagar aluguel. Graças a Deus nos receberam bem na ocupação. Todo mundo ali é unido, um ajuda o outro. Meu marido, não porque seja meu marido (risos), é muito trabalhador. Um conhecido pediu ajuda para levantar a casa ali na ocupação. Ele foi ajudar. Estando ali comentou sobre nossa situação, que estávamos com aluguel atrasado, e então os moradores nos ofereceram. E a gente aceitou. Agora, estamos só esperando que a situação do terreno seja resolvida para arrumarmos as casas e deixarmos tudo bonito”, conta Sandra. Ela, o marido e a filha são os moradores mais novos da ocupação.

De outros despejos

Ao contrário de Tatiane e Sandra, que vieram do aluguel, Carina Lopes chegou até a Vila Resistência após ser despejada de uma ocupação urbana próxima ao bairro Minuano. “Estamos reivindicando que o município regularize a gente lá no terreno, pois faz quase dois anos que estamos lá. Há 18 anos não tem projeto nenhum para aquela área. Não vai ser praça, creche, nem posto de saúde. Então o terreno é destinado para mato? E as pessoas que estão lá, que são pessoas carentes, que não têm pra onde ir, que já vieram de outras ocupações, que já pagaram aluguel e não tiveram condições de comprar comida para os filhos. Queremos que nos deixem lá. As próprias crianças já estão matriculadas e estabelecidas nas escolas da região. Se formos despejados, vamos ter que correr de novo atrás de vaga em outras escolas. Queremos que a prefeitura tenha um pingo de consciência com nós, porque não queremos tomar o lugar de ninguém. Tem muita gente da ocupação que está inscrita no programa MCMV há muito tempo e não ganharam nada até agora. Estamos na ocupação porque não temos onde morar. Enquanto os outros estão no bem bom, casinha quentinha, comidinha boa na mesa, os filhos estudando em colégios particulares, as nossas crianças têm que atravessar o barro para poder estudar. O posto de saúde do bairro não quer nos atender porque não temos endereço fixo”, diz Carina, que mora com o esposo e os dois filhos menores de idade. Também na ocupação, mas em outra casinha, vivem seu filho mais velho e a nora, gestante.

Vila de pé

Mesmo diante da falta de propostas por parte da prefeitura, as famílias seguem ocupando o terreno no Parque Pinheiro Machado. Rhaianny Silva, no meio das dezenas de moradores que foram se manifestar no fórum nesta segunda, lembrou o quanto a ocupação resistiu até agora. “Nesses dois anos, fizemos confraternizações e projetos para a área. Temos uma prefeitura que em nenhum momento tentou fazer acordo com nós. Só o que fizeram foi judicializar e burocratizar uma negociação sobre um direito básico, que é a moradia. Vamos mostrar a eles o poder de uma comunidade forte e organizada. Mantivemos a vila em pé até hoje e vamos permanecer unidos”, diz a moradora da ocupação e estudante de Artes Visuais na UFSM. Ela ainda lembra que um dos projetos para o terreno é a construção de sala de aula, biblioteca, cozinha e brechó. Tudo comunitário. O projeto esbarra, contudo, na negativa da prefeitura em conceder o direito de uso do terreno.

MCMV não dá conta da demanda

Uma alegação do poder municipal é de que as famílias da ocupação devem se registrar no programa MCMV e aguardar a entrega das casas. Contudo, essa entrega pode durar anos e, enquanto não acontece, as famílias precisam ter onde morar. Rhaianny comenta que, ao determinar a desocupação do terreno, a prefeitura só está empurrando o problema da moradia com a barriga, até mesmo porque muitas das famílias que hoje vivem na Vila já vieram de outras ocupações reintegradas.

Outra questão destacada pela moradora é a insuficiência do programa MCMV. “Eles dizem que o MCMV garante moradia pra todo mundo. Mas não garante, senão não teria um monte de gente morando na rua, senão as famílias que estão lá na ocupação e são inscritas no MCMV não estariam sem moradia ou passando fome pra conseguir pagar aluguel. Sabemos que a demanda por moradia é muito maior do que o programa dá conta. A gente não vai sair. Se a concessão de uso não for dada, a gente vai permanecer lá. Sem nada não saímos”, conclui.

 

Texto: Bruna Homrich

Fotos: Ivan Lautert

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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