Governo Bolsonaro é miscelânea de ultraliberais, conservadores, fascistas e autoritários SVG: calendario Publicada em 23/11/18 17h40m
SVG: atualizacao Atualizada em 23/11/18 18h00m
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Professor Odilon Caldeira Neto avalia que reunião de interesses diversos pode ser foco de atritos

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Caldeira Neto: campanha eleitoral teve uso político da violência simbólica

Desde a campanha eleitoral, ou mesmo antes dela, havia uma dificuldade de definir o posicionamento ideológico de Jair Bolsonaro (PSL), tendo em vista que o grupo político à volta dele é uma espécie de amálgama que reúne tendências políticas de direita de diversos matizes. Bolsonaro, historicamente, defende o legado da ditadura civil militar que vigorou no país entre 1964 e 1985, sendo que prefere enaltecer, por exemplo, o falecido coronel Brilhante Ustra, denunciado como torturador à época do regime militar.

Nos últimos anos, o político tem se caracterizado também, por desconstituir, discursivamente e em ações políticas, ativistas pelos direitos dos gays, dos negros e das mulheres, além de se mostrar um defensor da liberalização das armas, com atuação das polícias de forma a reprimir os criminosos para além do que a legislação permite. Ainda em campanha, Jair Bolsonaro falou em varrer partidos de esquerda e movimentos sociais do país. Somando esse conjunto de ações, discursivas e práticas, como se poderia caracterizar o presidente eleito, Jair Bolsonaro? Político de direita? De extrema direita? Fascista? Protofascista?

Na compreensão do professor Odilon Caldeira Neto, graduado, mestre e doutor em História, o futuro governo Bolsonaro é uma miscelânea de grupos políticos que incluem conservadores, defensores de perspectivas autoritárias e antidemocráticas, assim como ultraliberais na economia. É essa junção de interesses, conforme o historiador, que pode acabar sendo foco de atritos, não apenas na formação do governo, mas também no dia a dia a partir do próximo ano.

Todavia, Caldeira Neto, que atualmente integra o pós-doutorado em História da UFSM, e é autor de "Sob o Signo do Sigma: Integralismo, Neointegralismo e o Antissemitismo", publicado pela Editora da Universidade Estadual de Maringá, em 2014, entende que o conceito que mais se adequa a Jair Bolsonaro é “autoritário”. Para o professor, contudo, em certos momentos, as tendências fascistas presentes no entorno do presidente eleito se sobressaem bastante. Dessa forma, avalia Caldeira Neto, “é possível ponderar que a natureza desse governo que iniciará em 2019 será definida não apenas pelo seu grau de sucesso ou fracasso, mas também dos espaços que essas tendências diversificadas terão nesse ciclo.”

Acompanhe, a seguir, a íntegra da entrevista realizada pela assessoria de imprensa da Sedufsm com o professor Odilon Caldeira Neto, no último dia 14 de novembro.

Sedufsm– Há uma discussão recorrente entre analistas sobre como conceituar o presidente eleito Jair Bolsonaro. Seria fascista? Protofascista? Ou simplesmente autoritário?

Caldeira Neto- A figura do presidente eleito é, inclusive em termos analíticos, intrigante. Em torno da candidatura que se saiu vitoriosa, orbitaram várias tendências da direita brasileira, que mesclou elementos e correntes das mais antigas, até as expressões que diversos autores chamam de “nova direita”. Sobre a questão da terminologia mais adequada, é compreensível que, no calor do momento, os termos se misturem e complementem.

Na minha compreensão, se entendermos o fascismo exclusivamente como uma forma de autoritarismo de direita, é possível ampliar o escopo de sua aplicação, mas sob o risco de esgarçamento dessa categoria. Em última instância, o fascismo poderia ser aplicado inclusive para contextos históricos antes do próprio fascismo existir. Em contrapartida, a fixação em uma restrição normativa faria com que o fascismo fosse um fenômeno extremamente datado, sem qualquer similaridade no tempo presente no Brasil e no mundo.

Do ponto de vista da articulação política, os grupos fascistas (ou neofascistas, para utilizar uma terminologia mais adequada) se aproximaram efetivamente da chapa presidencial do PSL/PRTB. Contudo, tiveram que disputar espaço com outras instâncias do pensamento conservador e de defensores de perspectivas autoritárias e antidemocráticas, assim como de grupos ultraliberais na economia. Em certo sentido, essa miscelânea poderá ser foco de conflitos e disputas não apenas no arranjamento desse novo governo, mas também de seu desenvolvimento.

Em outra perspectiva, se os grupos propriamente fascistas são minoritários no arranjamento governamental do presidente eleito, é necessário ponderar que o discurso fascista e seu imaginário político, como formas e força de mobilização foram  instrumentos marcantes na consolidação dessa alternativa à direita da direita brasileira. A construção de uma categoria de inimigos, com disputas que não poderiam ser solucionadas no âmbito da esfera política (quando não na exclusão desses “diferentes”) são, a meu ver, um traço evidente de tons fascistizantes nesse discurso e em algumas das promessas de campanha do presidente eleito.

Assim, nesse primeiro momento, acredito que o termo autoritário seja o mais adequado, mas levando em consideração que os elementos antidemocráticos e fascistizantes são nítidos, e em alguns momentos até mais expressivos. Sem cair na tentação de cometer leituras do hipotético, é possível ponderar que a natureza desse governo que iniciará em 2019 será definida não apenas pelo seu grau de sucesso ou fracasso, mas também dos espaços que essas tendências diversificadas terão nesse ciclo.

Sedufsm– Observamos, especialmente durante a campanha eleitoral, que, na medida em que se inflamava o discurso do candidato Jair Bolsonaro, contra a esquerda, ou mesmo contra grupos LGBT, que surgiam ataques, aparentemente espontâneos, contra esses grupos, e também contra esquerdistas, que eram desde agressões físicas, até ameaças por e-mail a professores supostamente comunistas em universidades. Até que ponto a campanha eleitoral e a conjuntura recente propiciaram uma escalada autoritária no país?

Caldeira Neto- As lideranças políticas são, por definição, personagens do verbo, do falar, mas também do agir. E essas dimensões não são dissociáveis em plenitude, mas essencialmente ligadas.

Independentemente a qual dessas esferas que possamos remeter, existiu um uso político dessa violência simbólica, que se relaciona às expressões físicas e concretas em atos em diversas localidades do país. Até que se prove o contrário, o caráter espontâneo de grande parte dessas agressões deve ser levado em consideração, mas conforme afirmado, seria incoerente a absoluta dissociação entre esses atos e um discurso de uma liderança política que está a fomentar essas práticas radicais há anos, inclusive não se reduzindo somente ao período eleitoral. Em certo sentido, o quadro brasileiro se assemelha a contextos semelhantes mais recentes (tal qual a eleição de Donald Trump e os atos de violência fartamente documentados), mas também a contextos relativamente distantes, como as primeiras eleições de Berlusconi, na Itália, ou mesmo de conjunturas semelhantes ao período do entreguerras.

Evidentemente, o quadro e os índices de violência no país são um triste cotidiano de grande parte da população, mas é necessário observar, para além da universalidade dessa violência, e compreender que existe uma intensificação desse quadro quando estamos a falar das minorias. E essa perspectiva se cruza à dimensão dessa violência simbólica, que, contudo, assume condições absolutamente concretas.

"Brasil vive falência do pacto democrático iniciado com a Nova República"

Sedufsm- Na sua avaliação, o que representa para a história do país, falas como a do vice-presidente eleito, general Mourão, enaltecendo a figura do coronel Carlos Brilhante Ustra, e sugerindo a possibilidade até de um autogolpe? Aliás, o autogolpe faz lembrar Alberto Fujimori, no Peru, no início da década de 1990, que teve iniciativa de algo parecido.

Caldeira Neto- As falas demonstram o problema da efetividade de transição democrática e da falência do pacto que marca o início da chamada Nova República. As crescentes tentações antidemocráticas demonstram que houve o declínio do pacto democrático, muito em conta à incapacidade da sociedade brasileira – e não apenas da classe política ou das Forças Armadas – em lidar com os traumas da ditadura e do autoritarismo. Quanto às similaridades de Bolsonaro com Fujimori, é possível citar eventualmente a aparente falta de habilidade política entre os dois, assim como as tentações autoritárias expressas na tese do “autogolpe”. Contudo convém sempre ressaltar que Jair Bolsonaro não é efetivamente uma figura outsider da política, mas sim um quadro do baixo clero, que construiu uma dinastia nesse campo do legislativo, mas que sob o desígnio da antipolítica conseguiu construir um aspecto outsider.

Inclusive, do ponto de vista prático, a trajetória política de Bolsonaro é muito exitosa não apenas em termos de construção de alternativa à extrema-direita e de tendências conservadoras, mas também como representatividade de setores militares e dessa roupagem antipolítica.

Sedufsm- No final de semana (11/11), o comandante do Exército, general Villas Bôas, admitiu em entrevista à Folha de São Paulo que, em abril deste ano, temendo por reações na caserna, fez uma declaração polêmica no twitter, pressionando para que o STF não aprovasse o habeas corpus ao ex-presidente Lula. Qual a sua leitura sobre esse fato?

Caldeira Neto- Vejo duas leituras possíveis, uma do ponto de vista institucional, outra relacionada mais efetivamente ao campo político, principalmente dos setores progressistas. Do ponto de vista institucional das Forças Armadas, a entrevista de Villas Bôas buscou evidenciar um caráter não político das Forças Armadas, todavia com alguma tonalidade de elemento “moderador” das tensões do campo político. Na perspectiva do campo progressista, evidenciou não apenas a politização do Judiciário, mas também de uma trama construída a impossibilitar a candidatura ideal para o Partido dos Trabalhadores. Nos dois quadros, é possível constatar efetivamente uma profunda crise política e com dimensões institucionais no Brasil. Essa questão será um dos pontos importantes para qualquer operação historiográfica que ainda virá, mas acredito que será necessária alguma espécie de depuração, pela complexidade própria dos cenários de crise.

"Professor é uma classe combativa que desperta preocupação em políticos autoritários"

Sedufsm- As críticas têm sido muito fortes em relação à universidade e aos professores, com a ameaça da implementação do ‘Escola Sem Partido.’ Por que essa pressão toda, na sua avaliação?

Caldeira Neto- A classe profissional dos professores é organizada, e também por isso, combativa. Só por essa razão, tende a despertar a atenção, em termos repressivos, de qualquer liderança ou tendência de pensamento autoritária. Contudo, para além do ataque à classe e também ao livre pensar nas universidades e seus professores, acredito que outro fator é também de grande importância: os planos de privatização e desmonte do ensino público. A relação entre autoritarismo e desmantelamento dos serviços públicos de qualidade não são uma grande novidade no Brasil, mas sim um triste traço de nossa história.

Sedufsm- No seu entendimento, as instituições do país estão preparadas para resistir a uma escalada de medidas autoritárias do próximo governo?

Caldeira Neto- A julgar pelas manifestações mais recentes (sobre o golpe de 1964 e a ditadura civil militar) vindas de lideranças como a do atual presidente do Supremo Tribunal Federal (Dias Toffoli), temo muito pela saúde e longevidade da democracia no país. Os resultados podem ser catastróficos.

Currículo de Odilon Caldeira Neto: Graduado em História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL/PR). Mestre em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR), Especialista em História Social e Ensino de História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, 2016), com estágio de doutoramento (investigador visitante júnior) pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). Em Portugal, foi bolsista da Fundação Calouste Gulbenkian e da CAPES, no Brasil. 

Desenvolveu pesquisas de pós-doutorado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) ao longo do ano de 2017, atuando como Pesquisador e Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em História. 

Entrevista: Fritz R. Nunes

Fotos: Ivan Lautert

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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