Professora diz que ‘Escola Cívico-Militar’ entra em choque com legislação SVG: calendario Publicada em 25/09/19 11h57m
SVG: atualizacao Atualizada em 25/09/19 16h40m
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Débora Leão, da UFSM, elenca incongruências do Pecim com a Constituição e a LDB

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Presidente Jair Bolsonaro durante o lançamento do Programa (Pecim)

No início do mês, foi lançado o Decreto 10004/19 pelo Presidente Jair Bolsonaro, que estabelece o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim), com o objetivo central de implantar o modelo de escolas militares também às escolas civis. O Programa, que já é alvo de críticas por ferir a gestão democrática das escolas, será desenvolvido pelo Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Defesa.

Para termos uma maior compreensão sobre o significado do Pecim em termos educacionais e pedagógicos, a Assessoria de Imprensa da Sedufsm entrou em contato com a professora Débora Ortiz de Leão, do departamento de Administração Escolar e membro do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Gestão Educacional, que fez uma análise minuciosa do Decreto.

De acordo a professora, o Decreto peca em interpretações equivocadas de artigos da Constituição, bem como secundariza a Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Outro ponto levantado é a participação do Ministério da Defesa na elaboração e execução de uma política educacional como a decretada. Apesar de o Pecim ter a pretensão de promover a melhoria na qualidade da educação básica no ensino fundamental e no ensino médio”, Débora questiona a noção de “qualidade da educação” que o Programa defende.  Além disso, em momento de cortes na educação superior pública, a adoção de um novo programa educacional, que geraria gastos, se mostra um tanto contraditória.

O uso da Constituição e a LDB

Calcada na noção de Estado Democrático de Direito, Débora atenta para a utilização do artigo 84, § IV, da Constituição Federal, encontrado já no cabeçalho do Decreto, que prevê que ao Presidente da República “compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”. Isso não significa, de acordo com a professora, que o Presidente em exercício teria o poder de “decretar”, mas sim “sancionar leis”, a partir de amplo debate e participação popular.

Outro apontamento, também referente ao cabeçalho, é o uso questionável do artigo 8º, § 1º da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96),  que para a professora teve como objetivo “ justificar uma política educacional que não foi discutida e tampouco organizada em regime de colaboração entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, já que, para isso, deveria ser previamente organizada e igualmente debatida entre os entes federados”.

“Como se pode ler no § 1º, as primeiras palavras ‘Caberá à União’ foram levadas a termo. Entretanto, a parte mais importante expressa na sequência: ‘Caberá à União a coordenação da política nacional de educação’ não foi devidamente considerada. Novamente, é preciso lembrar que, considerando um Estado Democrático, entende-se, ao menos na área de educação, a existência e a defesa da chamada GESTÃO DEMOCRÁTICA. No contexto dessa concepção de gestão, compreendem-se por coordenação, as ações e os procedimentos destinados a reunir, articular e integrar as atividades” explica.

Além das, possivelmente intencionais, deslizadas a respeito da interpretação dos artigos, outra questão é bastante relevante no que diz respeito à análise crítica do Programa: a fusão de ideias entre o MEC e o Ministério da Defesa. Ainda no cabeçalho do Decreto podemos encontrar a referência ao artigo 16 da Lei Complementar número 17, de 9 de junho de 1999, que diz Cabe às Forças Armadas, como atribuição subsidiária geral, cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma determinada pelo Presidente da República. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, integra as referidas ações de caráter geral a participação em campanhas institucionais de utilidade pública ou de interesse social”.

De acordo com Débora, esse artigo não justifica a participação do Ministério da Defesa na elaboração e execução de uma política educacional como a que foi decretada, já que em um Estado Democrático de Direito não cabe às forças armadas decretar, mas sim cooperar, resumindo sua atuação enquanto participante de “campanhas institucionais de utilidade pública ou de interesse social”, como apontado no parágrafo único da Lei. “No caso de um Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares não se trata, porém, de campanha institucional e, mesmo que fosse de interesse social (o que sequer foi cogitado, já que não houve consulta previa e debate sobre o assunto para se garantir que haveria interesse social), a participação do Ministério da Defesa na proposição de políticas educacionais como esta não é prevista na LDB 9394/96 e, tampouco, no Plano Nacional de Educação como o decreto sugere” ressalta Débora.

Pecim: o verniz da melhoria no ensino

Além do tratamento equivocado que os artigos da Constituição e da LDB recebem no cabeçalho do decreto, outra questão levantada pela professora é o verniz de melhoria na qualidade do ensino que o Programa propõe.  Para Débora, ao levar em consideração o texto do Decreto, bem como as propagandas veiculadas na imprensa, conclui-se que existe um grande esforço em conquistar a simpatia da população em relação à excelência em ensino das Escolas Cívico-Militares. 

De acordo com Débora, nas escolas militares a gestão é hierárquica, o que se distancia da concepção de gestão democrática. Ou seja, a “gestão em excelência” e o “modelo de gestão baseado nos colégios militares” apresentados no Decreto se dariam em moldes hierárquicos. Desse modo, a participação efetiva de professores e estudantes nos processos didáticos-pedagógicos seria afetada e, como consequência, isso traria dificuldades em visualizar se o ensino está ou não qualificando na aprendizagem. “Desde sua origem e por conta de seus objetivos e finalidades o modelo de escolas militares é homogeneizador e excludente. No entanto, à sua maneira, contribui para com pessoas que desejam essa formação e, com isso, democraticamente, contribuem para com um determinado perfil de cidadão. Entretanto, alguns princípios como igualdade, equidade, inclusão, respeito às diferenças deveriam ser primordiais em uma escola que pretende servir de modelo de qualidade” ressalta.

Professora Débora Leão

PPPs e recursos

Outro fator ao qual atenta Débora, diz respeito aos Projetos Políticos-Pedagógicos (PPPs), que a partir da década de 90 passam a defender um ensino focado na formação de cidadãos críticos e reflexivos, papel desempenhado por gestores e professores de escolas públicas. Em um ensino de moldes militares, os PPPs e currículos deverão ser reelaborados considerando uma formação a partir dos referenciais epistemológicos por estes adotados.

Além dos apontamentos, outras questões a respeito do Programa pairam pelo ar. Os recursos para financiamento do modelo proposto é uma das que a Professora levanta, já que o custo-aluno em escolas cívico-militares é mais elevado que em escolas civis. “Contraditoriamente, o próprio Ministério da Educação efetua cortes de bolsas de pesquisa e contingenciamentos nas universidades públicas alegando não possuir recursos de mantê-las em funcionamento adequado” comenta. A conclusão, segundo Débora, é de que não é pertinente a adoção do modelo das Escolas cívico-militares sob a justificativa de melhoria da qualidade do ensino nas escolas públicas.

O Pecim já havia sido abordado ematéria publicada anterior no site da Sedufsm, quando professores de outras áreas do conhecimento da UFSM também criticaram o Programa.

 

Texto: Amanda Xavier (estagiária de jornalismo)
Foto: EBC

Edição: Fritz R. Nunes (Sedufsm)

 

 

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