Nova política de Bolsonaro segrega pessoas com deficiência SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 14/10/20 14h19m
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Docente afirma que há desaceleração nos investimentos públicos destinados à educação especial

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No dia 30 de setembro, Bolsonaro lançou, a partir do Decreto 10.502/20, a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE): Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Elaborada pelos ministérios da Educação e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a proposta vem sendo recebida com duras críticas pelas entidades que se mobilizam em torno dos direitos das pessoas com deficiência.

Um dos pontos trazidos pela PNEE e considerado um verdadeiro retrocesso é o incentivo para que se formem classes e escolas especiais a fim de acolher as crianças com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Isso fere a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), de 2008, que previa a matrícula de todos os alunos em turmas regulares e o acompanhamento complementar especializado àqueles que necessitassem.

Fabiane Costas, docente do departamento de Fundamentos da Educação da UFSM, cita algumas experiências na perspectiva da inclusão educacional observadas nos últimos 40 anos. A Itália, por exemplo, em 1971, deu início ao processo de inclusão total a partir da Lei nº 118/1971, que aboliu as classes e as escolas especiais. Com um sistema educacional predominantemente público, o país reforçou os investimentos no processo de formação de seus professores, especialmente daqueles considerados “de apoio”, ou seja, que transitam de forma articulada entre os estudantes, os educadores, os agentes escolares e as famílias.

Outros países considerados referência para processos inclusivos são, segundo Fabiane, Alemanha, Finlândia e Portugal. Lá, não há mais classes especiais nas escolas, embora existam escolas e espaços diferenciados da escola comum/regular para as pessoas com deficiência.

No Brasil, a já citada PNEEPEI, de 2008, bem como o Decreto-Lei nº 7611/11 e a Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146/16), balizavam até então o processo de inclusão educacional. Contudo, aqui, tal processo, explica a docente, deu-se de forma menos radical que na Itália, visto que não houve a superação completa dos espaços especializados de atendimento às pessoas com deficiência.

Ainda sobre tais políticas, Fabiane pondera que “apesar dos referidos documentos passarem a orientar e organizar os sistemas educacionais brasileiros no sentido de  incluir a todos e todas na escola comum/regular, continuamos a viver no que se poderia chamar de dialética in/exclusão (CASTEL, 2007), porque além de conservarmos espaços especializados, excluiu-se, com a PNEEPEI (2008), das ações dos e das profissionais da educação especial, os e as estudantes com transtornos da aprendizagem ( dislexia, dislalia, discalculia), os quais novamente não figuram como público alvo da educação especial no Decreto 10.502/2020. Por conseguinte, retrocedemos à 1994, quando uma política pública considerava, oficialmente, a possibilidade de classes e escolas especiais e mais uma vez a restrição dos e das estudantes apoiados pela educação especial”.

Segundo o Laboratório de Estudos e Pesquisa em Ensino e Diferença (Leped), da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mais de 1 milhão de estudantes da educação especial foram matriculados nas escolas comuns nos últimos 12 anos, o que representa 87% de taxa de inclusão. Segundo dados do Censo Escolar 2019, o Brasil tem cerca de 1,2 milhão de alunos na Educação Básica com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades.

Educação e Banco Mundial: qual a relação?

Houve um período em que os professores brasileiros receberam formação qualificada para atuarem no campo da Educação Especial. Essas formações vieram, em grande parte, sob a forma de capacitações e especializações realizadas a distância.

Fabiane lembra que, de 2008, quando foi promulgada a PNEEPEI, até 2016, quando se deu o impeachment da presidente Dilma Rousseff, o Estado investiu de forma significativa na Educação Especial. Alguns exemplos desses investimentos foram: criação de Salas de Recursos Funcionais (SRM) para realização do atendimento educacional especializado nas escolas comum/regulares; adaptações arquitetônicas e recursos didáticos e pedagógicos que garantissem a inclusão; criação e consolidação dos Núcleos de Acessibilidade nas universidades federais via Programa Incluir.

“Não se pode negar que foram incentivos relevantes para acesso, permanência e inclusão educacional, e que muitos estudantes e suas famílias se beneficiaram. Porém essas ações também respaldavam e respondiam a uma agenda internacional do Banco Mundial, ONU, UNESCO que, desde 1990, vêm amparando diversas reformas educacionais em países capitalistas periféricos como o Brasil, as quais abrangem todos os planos e modalidades de ensino, até mesmo, no campo da Educação Especial. Essas reformas primam pela racionalidade financeira em que esses países serão mercado consumidor de ciência e tecnologia, produzidas, por exemplo, pelos Estados Unidos da América”, problematiza Fabiane.

Os investimentos na educação inclusiva, então, ao mesmo tempo em que beneficiaram muitas famílias e aumentaram expressivamente o número de matrículas de pessoas com deficiência nas escolas regulares, também responderam às exigências de organismos internacionais, que condicionavam a concessão de créditos à submissão do Brasil aos planos de ajuste econômico. E, nesses planos, a educação passou a ter papel prioritário, visto que era necessário, agora, que o Estado enxugasse seus gastos nessa e em outras áreas sociais. Assim, o Estado passou a não investir – ou investir muito menos dinheiro – no atendimento das demandas das pessoas com deficiência matriculadas em instituições públicas. Em contrapartida, num claro exemplo de parceria público-privada, engrossava os recursos públicos enviados às instituições privadas e filantrópicas que prestavam algum tipo de atendimento a essas pessoas.

Pós 2016

Fabiane, que tem a educação inclusiva como uma das centralidades de sua pesquisa acadêmica, ressalta que, desde 2016, houve uma desaceleração ainda maior dos investimentos públicos no setor. Um fator que contribuiu decisivamente para isso foi a aprovação da Emenda Constitucional 95, responsável por congelar os investimentos públicos por 20 anos. A situação se agravou nos últimos dois anos, chegando, enfim, ao Decreto 10.502/2020, referente à Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, e que representa um duro golpe nas pessoas com deficiência e em seus familiares. 

Um balanço

Para Fabiane, o governo Bolsonaro tem tido por marca a edição de uma série de políticas que vão na contramão dos direitos humanos, ferindo grupos diversos da população e fazendo avançar um projeto privatista para a educação e os serviços públicos. Ao invés de fortalecer os investimentos, a docente diz que o governo vem apostando no incentivo à assistência e à caridade, a exemplo do Decreto nº 9.906/2019, que, ao oficializar o trabalho voluntário, permite a contratação de Tradutoras (es) Intérpretes de Língua de Sinais para atuarem de forma voluntária junto às pessoas surdas e com deficiência auditiva.

“Mais uma vez o Estado se “desobriga” de realizar concursos públicos para provimento desses cargos, atendendo de uma só vez:  à EC 95/2016;  à nova legislação trabalhista – pela possibilidade de flexibilizar as relações de trabalho- ; e às novas regras para aposentadoria, que obviamente para quem se voluntaria não serão necessárias. Em síntese, o caráter assistencialista, caritativo e voluntário, além de ser um retrocesso em termos de processos de inclusão educacional, direitos trabalhistas e previdenciários, mascara uma política de ajuste econômico, bem aos moldes do que preconizam, para um país periférico como o Brasil, os organismos internacionais”, argumenta Fabiane.

Há resistência. Contra a nova política de Bolsonaro, a docente cita o Projeto de Decreto Legislativo – PDL 433/20, de autoria do deputado Felipe Rigoni (PSB/ES), que “Susta os efeitos do Decreto 10.502/20, de 30 de setembro de 2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida”.  O texto já está em plenário e foi solicitado regime de urgência para votação pelo deputado Professor Israel Batista (PV/DF).

Diversas entidades vêm se colocando contrárias ao decreto, a exemplo do ANDES-SN; do Conselho Federal de Psicologia; da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência; do Ministério Público do Rio de Janeiro; do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal de Campinas e da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down.

 

Texto: Bruna Homrich

Imagens: Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down e Conselho Federal de Psicologia

Assessoria de Imprensa da Sedufsm 

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