Governo desestrutura órgãos de fiscalização ambiental, diz professor da UFRGS SVG: calendario Publicada em 15/10/20 14h37m
SVG: atualizacao Atualizada em 15/10/20 20h43m
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Paulo Brack avalia que alinhamento do país à política externa de Trump gera efeitos dramáticos ao Brasil

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Além de queimadas na Amazônia, o fogo agora também destrói extensa vegetação na região do Pantanal

Um trabalho do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) fez um comparativo mostrando que há uma queda de 40% na verba para órgãos ambientais para o orçamento de 2021. E essa redução tem relação direta com a lei do teto de gastos, aprovada ainda em 2016, durante o mandato do presidente Michel Temer. Essa política de enxugamento, que afeta todos as áreas do governo Bolsonaro, está embasada numa visão ultraneoliberal, de enfraquecimento do Estado. A constatação é de Paulo Brack, biólogo e professor do departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em entrevista à assessoria de imprensa da Sedufsm.

No entendimento do professor, a presença do Ministro Ricardo Salles na chefia da pasta de meio ambiente, um condenado em primeira instância, por crime ambiental em favorecimento ao setor de mineração em São Paulo, é um exemplo ilustrativo sobre a forma como o atual governo trata a questão. Segundo Brack, o ministério de Meio Ambiente está sendo esfacelado, ao gosto do setor mais atrasado do agronegócio. “A fusão do ICMBio e Ibama é mais um capítulo desta trágica presença de um operador da destruição das políticas ambientais”, frisa o biólogo, que também trabalha em projetos de pesquisa e extensão sobre conservação, uso sustentável da flora, políticas públicas em biodiversidade, e representa o InGá - Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais.

Em relação à ocupação de postos-chave na área de meio ambiente por militares, excluindo os técnicos, Brack analisa que é a consolidação do Estado policial, que teve seu preâmbulo na gestão Temer, mas que foi potencializada pelo governo do ex-capitão do Exército. Para o professor, a instituição de um Estado policial tem simpatia da massa despolitizada. Ele vê como absurdo o fato de até os governadores da região amazônica terem sido excluídos do Conselho daAmazônia, que é dirigido pelo vice-presidente da República, e general da reserva, Hamilton Mourão.

Destruição não se restringe à Amazônia e ao pantanal

O foco sobre a destruição ambiental está voltado à Amazônia e ao pantanal. Todavia, em outras regiões o desmantelamento e a destruição também se fazem presentes. Conforme o professor da UFRGS,  na zona costeira, a “boiada” de Ricardo Salles passou derrubando resoluções que versam sobre a proteção de restingas e mangues no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Segundo Brack, o Conama é hoje “um conselho praticamente sob intervenção do governo, que retirou 75% da participação de representantes, principalmente da sociedade, eliminando povos indígenas, universidades, entre outros”.

Perguntando sobre o papel da universidade em meio a todo esse processo, Paulo Brack afirma que “as universidades devem, urgentemente, a partir de setores mais independizados de grandes empresas, assumir um protagonismo em enfrentar a crise socioambiental e climática, que se agrava e é reconhecida inclusive como um dos principais desafios para a humanidade, com bem ressaltam relatório da ONU”.

O docente e pesquisador sugere que “em ações de pesquisa, ensino e extensão, devemos realizar diagnósticos, prognósticos e proposições no sentido de uma outra economia, que incorpore a sociobiodiversidade e a agrobiodiversidade brasileira junto com tecnologias sociais, descentralizadas e sustentáveis do ponto de vista socioambiental, superando, com base na Constituição, as monoculturas e demais atividades que vêm degradando nossos biomas e comprometendo a resiliência de nossos ecossistemas”. Contudo, Brack faz uma interrogação: “estaremos formando profissionais preparados para enfrentar esta realidade?”.

Acompanhe a seguir, a íntegra da entrevista do professor Paulo Brack.

Pergunta- Professor Paulo Brack, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), divulgou um estudo comparativo, publicado pelo jornal ‘Brasil de Fato’, em que mostra uma queda de 40% na verba para órgãos ambientais no orçamento do governo para 2021. Entre as causas que levam a essa queda está a lei do teto de gastos. Na sua avaliação, qual o tipo de impacto que essa redução orçamentária pode causar ao meio ambiente?

Resposta- O corte é coerente com o que pensam o governo e o grande setor empresarial sem visão de futuro. Mas tal corte se confronta com a Constituição Federal que, em seu artigo 225, obriga o governo a garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente sustentável, mantendo, entre outros, os processos ecológicos originais de cada bioma, a diversidade biológica e vedando atividades que tragam extinção de espécies. Existe uma evidente política de enfraquecimento do Estado e seu controle sobre atividades que comprometam a saúde, o meio ambiente e os riscos gerais em relação à qualidade ambiental da população. O ultraneoliberalismo, que exige quebra de regras e limites, tem espaço certo dentro de uma política de choque de ultradireita, com o eixo militar e o eixo da Escola de Chicago, de quem trabalhou na ditadura do general Pinochet, no caso da economia, o ministro Paulo Guedes.

A doutrina de choque, à brasileira, alinhada com a política externa do governo Trump, está trazendo consequências de perdas dramáticas para nosso país. A falta de fiscalização e a desestruturação deliberada dos órgãos de meio ambiente, como Ibama e ICMBio, estão trazendo descontrole nas queimadas na Amazônia, Pantanal e Cerrado, com um cenário de calamidade principalmente para o Pantanal que é o menor bioma do Brasil e teve pelo menos 25% de sua superfície transformada em cinzas por incêndios, em sua maioria criminosos. Não só os moradores locais destes biomas, em especial indígenas, comunidades tradicionais, mas praticamente toda a população brasileira está sendo afetada pela fumaça das queimadas, redução da umidade relativa do ar e material particulado no ar, afetando sistema respiratório, decorrente das cinzas dos incêndios, em geral criminosos. A falta de chuvas vai seguir se acentuando no Brasil se continuarem a destruir a Amazônia.

P- O mesmo estudo do Inesc aponta que a extinção da Secretaria de Mudança Climática no Ministério do Meio Ambiente, em janeiro de 2019, coincide com um aumento de 24% do desmatamento de 2019 para cá. Na sua avaliação, é possível afirmar que o governo Bolsonaro está promovendo um desmonte nos órgãos que cuidam da proteção ambiental?

R- A presença do Ministro Ricardo Salles na chefia da pasta de meio ambiente é ilustrativa, apesar de ter sido condenado, em primeira instância, por crime ambiental por manipulação de mapas em favorecimento ao setor de mineração em São Paulo, quando era secretário de meio ambiente do governo (Geraldo) Alckmin. O Ministério de Meio Ambiente está sendo esfacelado, ao gosto do setor mais atrasado do agronegócio. O ICMBio teve retirada de chefias de técnicos de carreira sendo substituídos por militares, como em outras áreas do governo.  A fusão do ICMBio e Ibama é mais um capítulo desta trágica presença de um operador da destruição das políticas ambientais, como bem assinala a ASSISBAMA, procuradores do Ministério Público Federal, cientistas, ambientalistas e parte da sociedade consternada pela continuidade das ações de ilegalidades na pasta.

P- Diante da polêmica internacional a que o Brasil foi envolvido, tendo em vista a tentativa do governo de negar a existência de queimadas e o desmatamento, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, foi colocado para presidir o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL). A consequência é uma militarização de órgãos que cuidam da questão ambiental. Quais os efeitos práticos disso, na sua opinião?

R- Os absurdos são tantos, que nem mesmo os governadores dos Estados da Região têm assento garantido neste Conselho da Amazônia. A militarização de políticas públicas não é uma novidade, desde o golpe de 2016. Primeiro foi a ocupação violenta do exército contra a sociedade de áreas conflagradas pelo tráfico no Rio de Janeiro. O resultado foi desastroso, mas a população menos esclarecida achou que os militares iriam dar conta do recado. Ao contrário, afastaram-se as políticas públicas mais integradas, que envolvem o entendimento das causas e a busca de soluções. O Estado Policial pega bem para massa despolitizada que, infelizmente, elegeu este governo militar-civil, com apoio da mídia que diabolizou os governos que tinham na cabeça o PT, mas tirou sua casquinha em jogar para escanteio políticas inclusivas que os governos de centro-esquerda estavam corretamente implementando. Na prática, desconstrução de políticas públicas e agravamento da situação de crise ambiental e socioambiental faz parte do ambiente de negócios criado, a despeito das trágicas consequências que estão aí no noticiário diário, mesmo que superficial.

P- Na sua ótica, se a preservação ambiental se tornou hoje uma moeda vital nas boas relações internacionais, por que o atual governo faz pouco caso dessa questão?

R- É um tema que deve ser aprofundado, pois existem setores econômicos que apoiaram este governo que dá passagem a um clima de rapina do meio ambiente (garimpeiros, madeireiros, grileiros, etc.) e tem traços de fascismo. Agora querem aparentar descolamento do mesmo governo que apoiaram, mas tem muita cortina de fumaça nisso. Do ponto de vista estrangeiro, acredito que genuinamente as sociedades dos países europeus, que têm seus governos ameaçando o Brasil com retaliações econômicas, pelo papel de carrasco do governo no tema socioambiental interno, estejam cobrando de governos e empresas estrangeiras. Isso, dá certo alento, mas vamos ver o quanto dura, pois o jogo de cena aqui foi grande, inclusive com líderes do agronegócio convencionalmente degradador, como Katia Abreu e Blairo Maggi, se dizendo contrariados pela política de terra arrasada implementada pelo governo federal. Externamente, o Acordo do Mercosul com a União Europeia está no limbo, mas alguma situação de maior exigência externa e menor destruição ambiental depende da pressão das sociedades em cima de governos e empresas, senão não dará muito resultado.

P- Os holofotes estão voltados para, especialmente, a Amazônia e, recentemente, para as queimadas do Pantanal. De que forma o sr. percebe a situação ambiental em outras regiões, como por exemplo, no RS?

R- O retrocesso e a calamidade atual são sistêmicos, incluindo o que ocorre na saúde, pela promoção de práticas governamentais que negam a ciência e a precaução, onde já ultrapassamos 150 mil mortos pela Covid-19.  Na economia é também um retrocesso, pois, além da privatização que precariza os serviços e impõe o autolicenciamento, esta depende da qualidade ambiental. Se formos para os demais biomas, veremos situações semelhantes. Na zona costeira, a “boiada” de Ricardo Salles passou derrubando resoluções que versam sobre a proteção de restingas e mangues no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), um conselho praticamente sob intervenção do governo que retirou 75% da participação de representantes, principalmente da sociedade, eliminando povos indígenas, universidades, entre outros.

No Rio Grande do Sul, a destruição segue de vento em popa, principalmente no Pampa, agora com a facilitação do Código Estadual de Meio Ambiente, a partir de uma proposta de “novo código” (Lei 15.434/2020), que tramitou na Assembleia Legislativa gaúcha em regime de urgência no final de 2019, sem discussão técnica, nem ao menos no Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), que desconheceu a proposta, apesar da solicitação oficial das entidades ambientalistas. Uma lei que foi engendrada pelas Federações dos setores empresariais gaúchos, sem visão de futuro, e que têm amplo acesso aos gabinetes do governo estadual. O argumento é sempre a tal demora nas licenças, que faz parte também da guerra fiscal, alegando que a legislação prejudica os negócios de Estados com regras mais rígidas no licenciamento ambiental. Os técnicos da SEMA foram inclusive proibidos de se reunir para discutir a proposta que iria para a Assembleia Legislativa e, como o governo tem maioria, a Lei foi aprovada, apesar dos protestos de muitos setores da sociedade. Além da Mata Atlântica, o Pampa terá seus anos contados a partir da negligência deliberada destes setores imediatistas associados a um governo que tem pressa em flexibilizar ainda mais a legislação ambiental. A nova Lei, espertamente, contrariando o novo Código Federal da Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012), tenta isentar a necessidade de Reserva Legal no Pampa, o que é uma calamidade para a existência dos campos nativos.

P- As universidades podem contribuir de que forma mais efetiva nesse debate sobre a questão ambiental?

R- As universidades devem, urgentemente, a partir de setores mais independizados de grandes empresas, assumir um protagonismo em enfrentar a crise socioambiental e climática, que se agrava e é reconhecida inclusive como um dos principais desafios para a humanidade, com bem ressaltam recentes relatórios da ONU.

Em ações de pesquisa, ensino e extensão devemos realizar diagnósticos, prognósticos e proposições no sentido de uma outra economia, que incorpore a sociobiodiversidade e a agrobiodiversidade brasileira junto com tecnologias sociais, descentralizadas e sustentáveis do ponto de vista socioambiental, superando (com base na Constituição) as monoculturas e demais atividades que vêm degradando nossos biomas e comprometendo a resiliência de nossos ecossistemas. Me pergunto: estaremos formando profissionais preparados para enfrentar esta realidade? Os nossos jovens recém-formados terão disposição e preparo para a nova etapa de transição necessária que abandone os combustíveis fosseis, as monoculturas, os produtos com obsolescência planejada, e invista em nossas vocações locais em diálogo permanente com quem mais precisa de políticas públicas? Estamos a cerca de três meses do aniversário de 20 anos do Fórum Social Mundial, “Um Outro Mundo é Possível”, que surgiu, justamente, no Rio Grande do Sul e reuniu os olhares de todo mundo para temas que hoje se vê agravarem-se com mais intensidade.

 

Entrevista: Fritz R. Nunes

Imagens: EBC e arquivo

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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