Universidades convivem com resquícios autoritários após 57 anos do golpe militar SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 01/04/21 16h33m
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Live da Sedufsm com participação de Milton Pinheiro e Diorge Konrad está disponível na íntegra

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Debate lembrou nomes de militantes santa-marienses presos e torturados na ditadura

Milton Pinheiro foi preso quatro vezes na cidade de Ilhéus, Bahia, durante a ditadura militar brasileira. À época, era estudante secundarista. Hoje, é docente do curso de História da Universidade do Estado da Bahia e integrante da Comissão da Verdade do ANDES-SN. Na noite da última quarta-feira, 31 de março, ele participou, junto com o docente da UFSM Diorge Konrad, da live “A ditadura civil-militar e as universidades”, organizada pela Sedufsm para marcar os 57 anos do golpe.

De início, Pinheiro já deixou claro que o golpe de 1964 tornou-se possível graças ao consórcio de frações da burguesia brasileira e da burocracia de Estado com o imperialismo estadunidense, também apoiado por setores conservadores da igreja católica, da mídia, pelos latifundiários e por organizações como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).  

Antecedido por tentativas anteriores, a exemplo do impedimento da posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart, o golpe que deu início à ditadura militar brasileira refletiu diretamente nas universidades, alvos de uma série de atos e decretos que tinham por objetivo dizimar sua autonomia. Ao chegarem ao poder, os militares já trataram de implantar os acordos MEC-USAID – entre o Ministério da Educação brasileiro e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.

Pinheiro lembrou que um dos desdobramentos desse acordo foi o decreto nº 477, que expulsava das universidades professores, estudantes e funcionários considerados culpados de subversão ao regime ditatorial. Ocorre que as expulsões seguiam a forma de rito sumário, sem qualquer tipo de investigação ou espaço para que os acusados pudessem recorrer. “Era o estado de exceção dentro das universidades”, comenta o docente.

Outra estratégia adotada pelos militares para coibir a organização de manifestações contrárias ao regime foi a descentralização de cursos e prédios. Grande parte das universidades passava, agora, a contar com prédios distantes entre si, de forma que estudantes e trabalhadores encontravam mais dificuldades para promover reuniões políticas, por exemplo. O grande objetivo era dispersar.

Repressão interna

Uma vez que a estratégia da dispersão espacial não foi suficiente para conter a resistência contra o regime dentro das universidades, os militares implementaram, nessas instituições, as Assessorias de Segurança e Informação (ASI ou AESI).

“Essas assessorias mapeavam estudantes, professores e técnico-administrativos, identificavam possíveis ligações, atitudes e práticas de repulsa à ditadura militar, e catalogavam em fichas os processos que depois iam ser incorporados no decreto 477. O estudante, professor ou técnico poderia ser enquadrado pela Lei de Segurança Nacional como terrorista. A partir daí sofria com prisões, torturas e, em muitos casos, assassinatos”, conta Pinheiro.

À época, era comum que os reitores das universidades, indicados diretamente pelo regime, tomassem decisões via ad referendum, ou seja, sem submetê-las aos Conselhos Universitários. Também não causava espanto o fato de algumas disciplinas, especialmente em cursos que costumavam fazer oposição ao regime, serem lecionadas por representantes militares, incumbidos de disputar ideologicamente os estudantes.

Contudo, ainda que silenciadas, as universidades resistiam. E seus estudantes e trabalhadores representaram 119 dos 434 mortos oficiais da ditadura de 64. Esses 97 homens e 22 mulheres eram docentes, estudantes e um técnico administrativo. Pinheiro, que mapeou tais dados para a Comissão da Verdade do ANDES-SN, explica que não se tratava de pessoas que promoviam enfrentamento armado ao regime, de forma que a situação de seus assassinatos não estava especificada no sistema. Isso só reforça o fato de que a ditadura matou, silenciosamente, centenas de jovens e trabalhadores.

Além de pesquisar sobre os assassinatos da ditadura dentro das universidades, o docente também procurou quantos mortos o Partido Comunista Brasileiro (PCB) teve pelas mãos dos militares, chegando ao número de 43. Ao todo, Pinheiro trabalhou com cerca de 10 páginas de documentos para obter esses dados.

Entulho autoritário

Ainda hoje é possível ver marcas da ditadura nas universidades brasileiras, seja através de regimentos internos autoritários, seja em nomes de defensores do regime grafados nos prédios e ruas internas. Pinheiro conta que, no campus da UFBA, há logradouros e prédios batizados com o nome de figuras da UDN que estavam no aparato institucional da universidade e ajudaram a reprimir colegas.

“Tivemos no Brasil uma marca indelével da quebra de autonomia da universidade pública pelo processo ditatorial, que deixou em grande medida um entulho autoritário em nossas instituições, em muitos estatutos e regimentos, mas principalmente naquela lógica da lista tríplice que continua sendo usada pelo atual presidente [Bolsonaro] para colocar interventores e interventoras em nossas universidades”, critica Pinheiro.

Ele explica, ainda, que na ditadura existia a lista sêxtupla, mas o sentido é o mesmo da lista tríplice. “É a mesma metodologia de dar o direito de o presidente fazer o que achar conveniente. Bolsonaro tem inclusive colocado pessoas para além da lista. A universidade sobreviveu e está sendo atacada novamente em sua autonomia, seja através dos cortes no orçamento, da posição negacionista diante da ciência ou da posição dúbia em relação a sua privatização”, reflete o docente.

Justiça de transição

Outro elemento bastante discutido quando se fala em ditadura militar brasileira é a forma como saímos dela. Diferentemente de outros países da América Latina, que vêm acertando as contas com esse passado, nossa transição para a democracia teria sido negociada.

“Tivemos o fim da ditadura. Uma ditadura que passou por uma transição bastante questionável, pelo alto, com caráter de via prussiana. Foi uma transição articulada por cima com frações da burguesia e o balcão da política agindo fortemente. Foram preservados aspectos da Lei de Segurança Nacional e adicionados itens que protegiam assassinos e torturadores. O Brasil é um péssimo exemplo no sentido da punição, não podendo ser comparado ao Uruguai, à Argentina ou ao Chile. Aqui se preservou toda a estrutura que torturou, matou e prendeu ao arrepio da lei”, conclui Pinheiro.

A repressão em Santa Maria

Diorge Konrad, docente do departamento de História da UFSM, lembrou, durante a live da Sedufsm, a formação da Comissão da Verdade da UFSM. E frisou que, embora a cidade esteja no interior do Rio Grande do Sul, também amargou episódios de repressão e foi peça chave para a articulação do golpe no estado, já que possuía o segundo maior contingente militar do Brasil.

Entre as vítimas da perseguição citadas por Konrad estiveram Eduardo Rolim, vereador de Santa Maria pelo PTB e professor do curso de Medicina da UFSM cassado em 1976. Caso semelhante ao de Paulo Devanier Lauda, que dá nome à Comissão da Verdade da UFSM, prefeito de Santa Maria e também docente do curso de Medicina da instituição.

Embora a posição política de Lauda estivesse longe do comunismo, era muito próxima ao trabalhismo e, no início de 1964, ele foi eleito para a prefeitura a partir de uma importante coalizão entre trabalhadores de setores progressistas, especialmente ferroviários. Lauda foi cassado tanto da prefeitura quanto da universidade, assim como seu vice, Adelmo Genro, pai do ex-governador Tarso Genro.

Outro nome lembrado por Konrad foi o do professor santa-mariense Dartanham Agostini, preso durante o 20º Congresso da UNE, ocorrido em Belo Horizonte, e, posteriormente, em São Paulo, quando trabalhava na Petrobrás e foi enviado ao DOI-CODI.

A ditadura também perseguiu técnico-administrativos em educação, conta Konrad, inclusive impedindo muitos concursados de assumirem seus postos de trabalho.

“A universidade foi logo atacada, iniciando pela lei Suplicy (lei nº 4464), ainda de novembro de 64, que incidia diretamente nos órgãos representativos dos estudantes, particularmente na UNE e nas uniões estaduais. Na sequência fomos vendo a implementação dos acordos MEC-USAID para desconstruir todos os processos de reforma universitária que se queria no pré 64”, explica Konrad, acrescentando que a universidade, para os militares, não tinha o papel de produzir conhecimento e ciência para a nação, mas de se subordinar aos interesses dos Estados Unidos num contexto de Guerra Fria.

“Muitos dos melhores quadros das universidades foram expurgados, encararam o desemprego, o exílio e a própria morte. Foi caso do grande intelectual brasileiro, que concebeu parte do que é nossa universidade pública, Anísio Teixeira, provavelmente também vitima mortal da ditadura”, lamenta o docente da UFSM.

Konrad explica que a Comissão da Verdade da UFSM irá sugerir a UFSM que organize um espaço para guardar toda a documentação arrecadada referente aos anos de chumbo.

“Cada vez mais a consciência coletiva daqueles que defendem a democracia contra o arbítrio deve se preocupar com o resguardo dessa memória repressiva. Esse momento é uma resposta sindical, política e acadêmica para aqueles que, ainda formados ou deformados na doutrina de segurança nacional, ousam defender a ditadura pós 64. E que têm postos chaves também no governo atual, tanto no Ministério da Defesa modificado nessa semana como em outros ministérios”, critica Konrad.

Relatório da Comissão da Verdade do ANDES-SN

Ao final da live, o diretor da Sedufsm, Leonardo Botega, também docente de História do Colégio Politécnico da UFSM, lembrou que o relatório final da Comissão da Verdade do ANDES-SN está disponível para leitura no site da entidade. “Não se deve ter qualquer tipo de apreço por quem comemora a tortura, a morte e a covardia que foi impetrada ao longo da noite de 21 anos que nós vivemos”, diz Botega.

A live da última quarta gerou muito engajamento, com diversas pessoas enviando perguntas aos debatedores. Quem perdeu, pode assistir abaixo ou no canal da Sedufsm no Youtube.

Texto e prints: Bruna Homrich

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

 

 

 

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