“Nós, enquanto indígenas, virarmos pesquisadores de nós mesmos” SVG: calendario Publicada em 04/05/21 15h15m
SVG: atualizacao Atualizada em 04/05/21 15h26m
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Primeiro Doutor indígena da história da UFRGS, Bruno Ferreira é o entrevistado do Ponto de Pauta

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Segundo o professor,

Com frequência quando falamos da luta dos povos indígenas, falamos da luta pela terra. Afinal, a ocupação dos territórios indígenas é, sem dúvida, a face mais sangrenta da violência contra os povos originários. Mas assim como a terra, é fundamental dizer que cotidianamente são muitos os direitos negados aos povos indígenas de todo o Brasil. A educação é um destes. E o entrevistado da última edição do Ponto de Pauta ilustra, com sua própria trajetória, o que é a luta indígena pela educação. Bruno Ferreira é professor e formador de professores no Instituto Estadual de Educação Indígena Ângelo Manhká Miguel, na terra indígena de Inhacorá, historiador, mestre em educação e o primeiro Doutor Indígena da história da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Confira a seguir alguns trechos da entrevista e, no player ao final, a entrevista na íntegra.

Língua materna

A primeira tese de doutorado defendida por um indígena na história da UFRGS carrega já em seu título um grande significado: Ũn si ag tũ pẽ ki vẽnh kajrãnrãn fã – O papel da escola nas comunidades kaingang. E para Bruno, a escrita deste trabalho que lhe conferiu o grau de Doutor começa algumas décadas antes, em sua própria infância e na experiência com uma escola não indígena e cuja língua era o português. “Eu como falante da nossa língua materna vou encontrar muita dificuldade, porque eu preciso de certa forma esquecer a minha língua materna e passar a falar a língua portuguesa. Isso é um problema para mim e para os povos indígenas, de modo especial para os Kaingang, que com o passar do tempo, a escola contribui para que os indígenas vão perdendo a sua língua materna. E com a perda da língua materna a gente vai perdendo outros valores. Nossa tradição vai se perdendo, nossos rituais vão se perdendo, palavras importantes vão sendo perdidas”, afirma o professor que lamenta a permanência deste problema até os dias de hoje.

Uma escola implementada

Nesse sentido, para Bruno, a ida de estudantes indígenas para escolas cuja língua é o português, é apenas um dos traços de uma escola que é, em seu projeto, pensada por não indígenas. “Nós sempre tivemos uma escola que foi pensada pelo Estado. Que foi pensada a partir da necessidade do Estado, e não a partir de uma necessidade dos indígenas. E ela foi, e em boa parte ainda é, uma ferramenta de integração dos indígenas na sociedade não indígena”, explica o professor. Essa situação muda, no entanto, com a constituição de 1988, quando a construção da escola indígena passa a ser um projeto mais próximo das próprias comunidades. “Então essa escola está sendo construída pelos professores indígenas, pela comunidade indígena, mesmo que a gente enfrente essa grande dificuldade de diálogo com o Estado, com as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado”, aponta. Para Bruno, a possibilidade de um projeto de educação indígena coordenado pelo próprio povo indígena, é uma das evidências da importância de se investir na formação de professores indígenas, trabalho realizado por exemplo no Instituto Estadual de Educação Indígena Ângelo Manhká Miguel.

Chegada na universidade

A construção desse projeto de educação indígena pelos próprios povos indígenas, fará com que, nos anos seguintes à promulgação da constituição, indígenas passem a frequentar universidades brasileiras. Bruno foi um desses indígenas, ingressando no curso de história da Unijuí. “É uma demanda das comunidades indígenas, em especial das lideranças desta época, que precisam que a gente ajude a construir as políticas públicas para as escolas indígenas. E eu vou para a universidade com esse papel. De ser essa ferramenta para a construção de uma política pública para as escolas indígenas”, explica. Contudo, as universidades, assim como as escolas da década de 70 e 80, também não são espaços indígenas. “É claro que na universidade a gente não aprende nada sobre indígena. É muito pouco que se tem dentro dos currículos de história sobre indígena. Nós estudamos o Brasil, mas o Brasil branco, o Brasil europeu, os acontecimentos que mostram sempre o não-indígena como aquele que construiu o Brasil e a gente esquece que os indígenas estavam aqui”, critica o professor.

Pesquisador de si

Contudo, destaca Bruno, a ocupação dos bancos acadêmicos por indígenas possui um papel fundamental justamente na reconstrução dessa história não contada. “A presença indígena na universidade, seja na graduação ou na pós-graduação, ela é importante porque te traz uma outra discussão, que é a discussão de nós, enquanto indígenas, virarmos pesquisadores de nós mesmos. É trazer as nossas demandas para a graduação, para a pós-graduação, trazer os nossos conhecimentos e colocar na mesa de debate da universidade. Produzir uma outra reflexão a partir de outras concepções de mundo, de outras concepções de sociedade, de outros conhecimentos, de outras filosofias, dentro de uma universidade que ela não é feita para indígenas, ela é feita para o povo branco de classe média-alta”, afirma. Nesse cenário, apenas algumas décadas depois seria acrescenta uma importante política: o ingresso via cotas. “A presença indígena a partir das cotas traz esse movimento de fortalecimento, e não só o caso dos indígenas, tem os negros, tem os quilombolas que entram também nesse debate para também reivindicar esse espaço de construção de conhecimento de nossas identidades. O aluno indígena não é só um aprendiz, ele é um educador, ele é uma liderança. Ele está vindo para a universidade com uma série de conhecimentos que a universidade muitas vezes negou”, conclui o primeiro Doutor indígena da história da UFRGS.

Texto: Rafael Balbueno
Imagem: Divulgação
Assessoria de imprensa da Sedufsm

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