Privilégio aos privilegiados Publicada em 14/08/2020 4759 Visualizações
Durante décadas, o acesso à Universidade pública e gratuita se deu por vestibular. Quem tinha mais recursos, prestava em mais universidades. Quase não havia diversidade. Minha época de estudante, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nos anos 1990, é um retrato: de uma turma de 60, tínhamos dois negros, sendo um intercambista. Egressos da escola pública devíamos ser nem 20%. Felizmente, o Brasil mudou. E a Universidade não só coloriu-se, como passou a abarcar uma diversidade econômica nunca antes vista. Mas isto está em risco.
A pandemia escancara a desigualdade econômica e social do Brasil e, mais que isso, que ela está representada na Universidade. Em todo o país, as universidades públicas se deparam com o debate sobre o ensino remoto e qual é a alternativa menos excludente.
Lembro-me, então, daquele vídeo da corrida dos privilégios. Um grupo de pessoas está alinhado e a cada pergunta respondida afirmativamente a pessoa dá dois passos. Faço eu as perguntas para o momento: Você tem computador? Tem banda larga de internet? A sua renda familiar se manteve? As condições físicas da sua casa permitem o estudo sem interrupção? Tem tempo adequado para estudar? Tem pessoas em sua casa que façam as tarefas domésticas ou cuide de filhos(as) ou parentes? Fica evidente, portanto, nesta corrida do ensino remoto, que algumas pessoas saem à frente das demais.
Ensino Remoto
Em cada universidade pública, o debate sobre o ensino remoto está posto. E quem decide são as instâncias de poder, ocupadas, em sua maioria, por privilegiados. Sim, professores – e aqui a não flexão no gênero é proposital – que têm boa internet e computador, que não precisam de capacitação para aulas online, que conseguem ficar 8 horas no ensino remoto sem ser atrapalhados, porque afinal têm uma casa boa, não têm filhos(as) ou parentes para cuidar e, se tiverem, têm uma mulher para cuidar dos afazeres domésticos ou uma empregada.
Talvez por isso a corrida dos privilégios não seja nem aventada na discussão. Para quem, como eu, que estudou desde o jardim de infância na escola pública e tinha como única opção passar na UFRGS, mesmo que isso significasse fazer o vestibular mais de um ano seguido, a luta, sempre, será por uma universidade menos excludente.
Elitista
Para quem viu seus alunos e alunas terem o primeiro diploma da família, fica evidente que a opção por uma alternativa excludente abre precedentes para mais exclusão. Não será surpresa se o próximo passo nas instituições públicas for a volta do vestibular elitista. Porque os privilegiados querem continuar sendo os privilegiados.
(Artigo publicado na coluna Plural do Diário de Santa Maria, em 14 de agosto de 2020)
Sobre o(a) autor(a)
Por Neila BaldiProfessora do curso de Dança-Licenciatura da UFSM, diretora da Sedufsm