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18/05/2022
Marta Tocchetto
Doutora em Engenharia. Professora aposentada do departamento de Química da UFSM
"A coleta seletiva deve estar inserida no processo de gestão socioambiental do município, de tal forma que ela se conecte com outros aspectos da vida da cidade".
A logística reversa é uma das ferramentas que visa impulsionar a reciclagem. O nome já indica do que se trata – refazer o caminho em sentido inverso, ou seja, o caminho em direção às matérias-primas. Representa o retorno após o consumo quando ainda há potencial de reaproveitamento dos materiais como, embalagens, eletroeletrônicos, pneus, dentre outros. As embalagens, por exemplo, que têm o objetivo de proteger os produtos são responsáveis por significativa geração de resíduos. A diminuição dos impactos é alcançada por meio do reuso (novo uso) e da reciclagem (transformação em outro produto).
O abismo existente no país entre recicláveis e reciclagem é enorme e muito profundo. Em geral, apenas 3% do que é recolhido pela coleta urbana segue para uma nova transformação. Há exceções, o alumínio das latinhas de bebidas é praticamente todo reciclado. Um dos motivos é o valor pago por este material. Comparativamente, 1 kg de alumínio, em média, tem cotação vinte vezes maior no Rio Grande do Sul, do que a sucata de vidro. O preço das aparas de papelão despencou. No início da pandemia, com a crise das embalagens teve uma valorização de quase 90%. Os valores e a oscilação explicam, em parte, a frequência com que encontramos determinados materiais em via pública. Sem a valorização adequada, a coleta não é atrativa e os resíduos passam a serem tratados como rejeitos.
A logística reversa vem para encurtar o caminho em direção à reciclagem responsabilizando todos os elos da cadeia – do fabricante ao consumidor. A redução da extração de bens da natureza é uma das vantagens da aplicação da ferramenta. Somam-se ainda, menor encaminhamento de materiais aos aterros e prolongamento da vida útil destes empreendimentos que são caros, de complexa construção e de licenciamento demorado, devido ao alto impacto ambiental. O poder público também observa redução dos custos na gestão ambiental com a adoção da medida, pois a responsabilidade se dilui por toda a cadeia. O encadeamento de todos os atores requer planejamento e organização, caso contrário a ferramenta perde a eficiência prática tornando-se, meramente, um instrumento teórico.
Escolher os produtos a consumir, levando em conta a questão das embalagens, por exemplo, seja eliminando os descartáveis seja escolhendo aqueles cuja logística está mais consolidada, faz parte da nossa responsabilidade coletiva (social) e com o planeta (ambiental). A escolha no ato da compra é uma forma de influenciar o sistema de produção e de distribuição a mudar seu olhar considerando a circularidade do processo, ou seja, a volta ao ciclo.
Em Santa Maria (RS), o uso de embalagens de isopor, por exemplo, é um grave problema ambiental, pois este material tem como destino o aterro, apesar de ser reciclável. O principal fator é a inviabilidade econômica, ou seja, não há quem compre das associações, na região, esse material. Além desse fator, muitas vezes, as embalagens de isopor são descartadas sujas e com restos alimentares, impedindo o encaminhamento à reciclagem. A economia tradicional fecha os olhos para os custos ambientais causados pela ausência de destinação ou pela destinação inadequada dos resíduos. Todos pagamos o alto preço da destruição ambiental inclusive, as gerações futuras punidas antecipadamente. O isopor enterrado permanece extensos anos até se decompor.
Os custos ambientais precisam ser levados em conta, na maioria das vezes, são maiores que os econômicos, porém, nosso olhar economicista é cego para dimensionar o valor da verdadeira qualidade de vida. Políticas públicas podem, e devem, incentivar a substituição de materiais de embalagens visando o abandono de alternativas que não dialogam com a sustentabilidade e com a qualidade ambiental. A falta de cobrança de um plano de gerenciamento de resíduos dos empreendimentos comerciais em nossa cidade contribui para a falta de responsabilidade com a destinação correta e adequada. Não é difícil observarmos estabelecimentos como, restaurantes, lanchonetes, postos de gasolina e lojas descarregando seus coletores nos contêineres dispostos em via pública. São restos de comida, resíduos de varrição, estopas, embalagens, muitas vezes, contaminadas. A fiscalização nos espaços dos contêineres é bastante difícil. É praticamente impossível, eu diria, considerando a atual distribuição e a ausência de monitoramento, para que seja executada a responsabilização de condutas que afrontam a saúde ambiental e da sociedade. A não separação de resíduos ocorre em todas as esferas da sociedade. É uma realidade facilmente identificável.
Os contêineres laranja instalados para o recebimento, exclusivamente, de recicláveis demonstram, de forma inequívoca, o problema. O plano previa que o material recolhido seria levado à ASMAR para que esta executasse a seleção e a comercialização para posterior, encaminhamento à reciclagem, porém a mistura com resíduos orgânicos e outros contaminantes impediu a realização dessa triagem. Resultando o envio total do material ao aterro. Mais uma tentativa frustrada de implantação da coleta seletiva na cidade. Especialmente, no mês de maio falar deste tema tem um sentido maior, pois dia 17 é comemorado o aniversário do município, no qual a cidade se mostra por meio de diversas programações.
Somam-se ao grave problema dos resíduos, os espaços públicos malcuidados. Não se vê flores em Santa Maria. Praças, rótulas, parques infantis, passeios mostram terra batida, inço e capim. Quando a roçadeira passa, o lixo escondido pela vegetação é descoberto. Copos, sacolas, garrafas, pratos, plásticos, papéis, bitucas, canudos acumulam-se nos meios-fios e nos bueiros. A cidade está feia e malcuidada. A ausência de coleta seletiva agrava ainda mais o cenário.
Recentemente, a imprensa divulgou mais uma iniciativa para implantação da coleta seletiva em Santa Maria. A proposta apresentada, considera o modelo porta a porta e, também, a instalação de ecopontos – contêineres com múltiplos compartimentos considerando os diferentes tipos de resíduos recicláveis a separar. Os ecopontos não ficarão em via pública, além disso serão lacrados, de tal forma a impedir o acesso dos catadores autônomos, ou seja, os que não estão vinculados a alguma associação ou cooperativa licenciada. Se, por um lado, a proposta divulgada tem a intenção de aumentar o controle e incentivar a associação, por outro, há inúmeras dificuldades para estes trabalhadores se vincularem às estruturas formais. Há também que considerar o grave problema social com aumento do desemprego e da fome não apenas nas ruas de Santa Maria, mas do país todo, testando a catação urbana como uma e, muitas vezes, única forma de sobrevivência. A proposta, ao meu olhar, minimiza e simplifica a complexidade do problema.
Não basta a retirada e o impedimento de acesso aos ecopontos. É necessário que, conjuntamente, sejam apresentadas alternativas de inserção dessa população, mais uma vez invisibilizada para a administração pública. É necessário um plano municipal de incentivo, qualificação e valorização das associações e das cooperativas de materiais recicláveis, de forma a estimular um maior ingresso de associados. Um plano que dignifique a atividade e que remunere de forma justa os trabalhadores, bem como os qualifique para valorização do trabalho executado e do material selecionado. Um plano que não se limite, essencialmente, ao gerenciamento dos resíduos.
Gerenciamento consiste em um conjunto de técnicas que visam controlar um problema e/ou uma situação. Por outro lado, a gestão envolve, além de técnicas, diversas outras ações que consideram aspectos culturais, históricos, geográficos, humanos, econômicos, ambientais, sociais, dentre outros. A coleta seletiva deve estar inserida no processo de gestão socioambiental do município, de tal forma que ela se conecte com outros aspectos da vida da cidade. Não basta estruturar um sistema de separação, de coleta e de encaminhamento à reciclagem. Por melhor que ele seja, se não estiver em sintonia com as demais áreas com as quais interage, sobretudo com as pessoas que o executam, os riscos de insucesso e de fracasso são potencializados na proporção da desconexão. Outro aspecto também importante para a consolidação da coleta seletiva é o processo de educação ambiental e a política de comunicação. Não basta categorizar os resíduos, estabelecer cores, definir o modelo e o cronograma de recolhimento.
Os cidadãos e as empresas precisam ser parceiros das associações e do poder público na execução da coleta seletiva. Este é mais um aspecto para o insucesso das propostas anteriormente implantadas. Se não houver ações permanentes e contínuas para sensibilizar as pessoas, em pouco tempo, há o risco de retorno ao estágio inicial. É preciso considerar que mudanças, em geral, trazem resistência, pois desacomodam situações e comportamentos consolidados. Estabelecer políticas de incentivo às condutas ambientais proativas é tão relevante quanto a fiscalização e a punição dos infratores. Não há como pensar em desenvolvimento de Santa Maria sem as questões ambientais, sobretudo, sem o equacionamento da questão dos resíduos na cidade.