Duzentos Anos de uma (In)dependência (In)conclusa do Brasil SVG: calendario Publicada em 06/09/2022 SVG: views 1821 Visualizações

Efemérides, para além de comemoração de datas importantes do passado, servem para reflexão do presente. Nesse sentido, para falar do bicentenário da Independência do Brasil e o 7 de setembro de 1822, é necessário entendermos como se deu o nosso processo de (In)Dependência.

Muito se apregoa sobre o “caráter pacífico” do povo brasileiro. Mas o objetivo deste discurso é retirar o protagonismo dos sujeitos históricos, bem como de suas lutas travadas na defesa do território e da terra, custando o massacre dos povos originários, a escravização de africanos, situação ainda não resolvida com a (in)dependência inconclusa do nosso país.

Por isso, os muitos gritos de independência ou morte ecoaram na Formação Histórica do Brasil, seja contra os impostos abusivos cobrados pela Coroa Portuguesa e em defesa da libertação, seja pelas vozes dos inconfidentes mineiros (1789), pelos conjurados alfaiates maranhenses (1798) e pelos revolucionários pernambucanos (1817).

Outros gritos, de além-mar, vindos da Europa, foram ouvidos e trouxeram consigo os ideais liberais da Revolução Francesa, alimentando a luta da própria aristocracia escravista contra a Metrópole.

Interessante é que para cada classe social, esses ideais liberais foram divergentes. Para os escravizados representava a liberdade. Para os setores urbanos, significava a classe dominada poder participar do poder público. Para os senhores escravistas, significava liberdade de comércio direto com a Inglaterra e, claro, manter o direito à propriedade individual, do latifúndio e dos escravizados.

Este foi o liberalismo que uniu diversos setores para a luta contra a Metrópole e que desembocou no processo de Independência jurídica do Brasil, em 1822.

Uma (in)dependência reconhecida três anos depois, em 1825, pelo Tratado de Paz e Aliança, que firmou a indenização que o Brasil deveria pagar para Portugal, no montante de 2 milhões de libras esterlinas, valor levantado por empréstimo, vejam só, junto aos bancos da Inglaterra, dando início ao nosso endividamento externo. Ou seja, a Nação nascia com dependência econômica.

Os antecedentes deste processo não são do pós-1822. De certa forma vinha de séculos anteriores, desde o fim da União Ibérica (1580-1640), quando Portugal começa a se submeter à Grã-Bretanha (hoje sabemos muito mais para onde ia parar boa parte do ouro extraído de sua principal Colônia), aprofundando-se com o desfavorável Tratado de Methuen (que vigorou de 1703 a 1836), no qual a “nossa” Metrópole recebia tecidos em troca de vinho, desdobrando-se no Alvará de Proibição de Fábricas e Manufaturas no Brasil (1785), por Maria I.

Este processo de dependência inglesa foi complementado com o auxílio britânico para a Fuga da Família Real para o Brasil (1808), compromisso que ficou evidenciado na Abertura dos Portos às Nações Amigas (imaginemos quais eram?!) e nos Tratados de 1810 (ou Treaty of Cooperation and Friendship - Tratado de Cooperação e Amizade), quando o já Reino Unido de Portugal e Algarves concedeu benefícios generosos para a Inglaterra, entre os quais a de que os ingleses pagariam 15% de imposto sobre suas mercadorias atracadas em nossos portos (para os portugueses a taxa seria maior, de 16%, enquanto outros países ficariam arcariam com 24%).

Como disse Leôncio Basbaum, em História sincera da República – Das origens a 1889, “foi um golpe de misericórdia na agonizante indústria portuguesa”. Além disso, foi garantido um porto para livre comércio (foi escolhido Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis) e o privilégio de cidadãos ingleses que cometerem crimes serem julgados no Brasil com um representante britânico (o contrário não iria acontecer no interior da Grã-Bretanha).

Foi esta submissão de Portugal e, em desdobramento do Brasil pós-Independência, que sempre levava o grande sociólogo Octávio Ianni a defender a nossa incompletude de Nação, defendendo, há trinta anos atrás, a ideia de Nação em processo (ver A ideia de Brasil moderno). Ou seja: que independência política tem um país que nasce sob a dependência econômica.

Nossa dívida externa aumentaria com a Guerra da Cisplatina, se ampliaria com a Guerra do Paraguai, ficaria insustentável com governos de pouca saudade, como o da Ditadura (1964-1985), quando passamos de 4 para 100 bilhões de dólares em apenas 21 anos.

Esta foi a parte mais visível da questão econômica de 1822, complementada por uma opção monárquica e latifundiária, de extrato escravista e neocolonial, exatamente na linha dada pelo historiador Caio Prado Júnior, em Formação do Brasil Contemporâneo, logo no primeiro capítulo, explicando o Brasil atual.

Isto quer dizer que nossa Independência não teve luta populares? Longe disso, pois uma independência republicana e antiescravista, de cidadania e direitos políticos, sociais e individuais ampliados e de igualdade social já estava presente nas lutas do século XVII e início do século XIX, se fizeram presentes em 1822, continuaram durante o Império e estão presentes atualmente.

Passados 200 anos, outros gritos, como o dos Excluídos, ecoam em nosso 7 de setembro, na contramão das classes dominantes brasileiras e seus subservientes que carregam o gene do colonialismo, contumazes “patriotas” de ocasião, mas historicamente de costas para o Brasil profundo, com os olhos voltados apenas para as Cortes de Lisboa, para a London Stock Exchange, para Wall Street ou até Miami, herdeiros da ideologia da escravidão e os seus derivados racistas e machistas.

Assim, o processo de luta por nossa Independência continua e é cotidiana e diuturna!

 

(* Doutora em História Social do Trabalho pela Unicamp)

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Glaucia Vieira Ramos Konrad
Professora Associada do Departamento de Arquivologia e dos PPGs em História e Patrimônio Cultural da UFSM

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