Trabalho remoto na UFSM e o REDE: desafios e problemas frente à pandemia da Covid-19 Publicada em 05/01/2022 1607 Visualizações
Ao iniciarmos o ano de 2020, não tínhamos a menor ideia daquilo que nos esperava. Começamos como todos os outros anos letivos dentro da Universidade, retorno das férias e recessos de final do ano de 2019, início das aulas de forma presencial, tal e qual sempre fizemos. Todavia, uma novidade estava acontecendo no planeta e aqui nós ainda tínhamos poucas informações, muitas dúvidas, e o que surgia como realidade era um vírus chamado SARSCOV2, CORONAVÍRUS, nomeado então de COVID-19, por ter se manifestado pela primeira vez, no ano de 2019, mais especificamente na cidade de Wuhan, na província central da China.
Nosso início de ano letivo habitual durou apenas uma semana (o ano letivo de 2020 começou em 9 de março), pois já na segunda semana letiva, em 16 de março de 2020, tivemos o fechamento das atividades presenciais, quase que em sua totalidade. Quase, porque o serviço de saúde, localizado no hospital universitário (HUSM), permaneceu funcionando, assim como também os serviços terceirizados. Em relação aos servidores técnicos e docentes, as dúvidas foram muito grandes e os trabalhos ficaram paralisados em sua grande parte, no que se refere às atividades presenciais. No entanto, de forma não presencial, as atividades continuaram, sem ninguém saber muito o como fazer. É verdade também, que muitos trabalhos em laboratórios seguiram de forma presencial envolvendo docentes, técnicos e discentes. Trabalhos que não puderam ser interrompidos, experimentos em andamentos não poderiam ser perdidos. A grande questão foram as nossas aulas, o que fazer? Como seguir nosso trabalho e não prejudicar nossos alunos e alunas?
Utilizando-se da plataforma moodle/UFSM, atividades começaram a ser enviadas aos estudantes. Orientações seguiram na pós-graduação, cada um a seu modo, como também nos projetos de extensão. Mas e as nossas aulas? Como iríamos fazer? Então, instruções normativas começaram a ser feitas e enviadas às coordenações de cursos, direções de unidades e departamentos. No entanto, nenhum debate ou discussão com os professores e professoras foi realizado. As tentativas feitas por parte das entidades representativas, DCE, APG, ASSUFSM, ATENS e SEDUFSM, foram ignoradas por parte dos responsáveis pela coordenação do processo de gestão da nova situação de trabalho na instituição. Ficamos assim, sem diálogo institucional, éramos informados por normativas, mas sem debates e construções conjuntas.
Nossa primeira normativa foi a “A Portaria N. 97.935, de 16 de março de 2020, do Gabinete do Reitor da UFSM, que regula a Suspensão das Atividades Acadêmicas e Administrativas Presenciais da UFSM, bem como suas apostilas;”. A seguir vieram outras regulamentações. “A Instrução Normativa N. 001, de 17 de março de 2020, da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEP) da UFSM, que orienta a suspensão das atividades presenciais no âmbito da Universidade Federal de Santa Maria e sua retificação;” normativas continuaram a chegar, “ À Instrução Normativa N. 002, de 17 de março de 2020, da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), que regula o Regime de Exercícios Domiciliares Especiais (REDE) e o funcionamento da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) e do Departamento de Registro e Controle Acadêmico (DERCA), durante a Suspensão das Atividades Acadêmicas e Administrativas em face da Pandemia da COVID-19;”. Com essa normativa da Prograd, criou-se o REDE, nome que passou a virar corriqueiro em nossas falas e reuniões. Então iríamos trabalhar com o ensino a distância? Sim, mas o REDE não é EAD, pois esse tem as suas próprias normativas e características. A Prograd fez as normativas 002, 003, 004 e 005, tudo isso para instruir o modo de ensino chamado REDE!
Deste modo a gestão da Universidade começou a dizer o que é o REDE. “Art. 1º Durante o período de suspensão das atividades presenciais, devido à Pandemia da COVID-19, em regra, no que diz respeito às atividades acadêmicas como: aulas; práticas; eventos; encontros; bancas; entre outros, a presencialidade física nessas atividades está suspensa, ressalvados os casos permitidos por esta resolução.”
Assim faríamos um ensino não presencial que, segundo a Prograd, não era EAD. “A metodologia da modalidade presencial é adaptada, emergencialmente, para o REDE, onde se aplicam estruturas que envolvem recursos diferenciados, atividades continuadas e formativas, possibilidade de sincronicidade (na aula remota com presencialidade do virtual), bem como planejamento e avaliações adaptados às Tecnologias Educacionais em Rede; e,” na EaD: “Difere-se, substancialmente, da modalidade de Educação a Distância (EaD), tanto pelo caráter transitório-emergencial, quanto pelo formato, que na EaD possui peculiaridades bem definidas e é regulado por legislação própria.”
Desta forma, recebíamos as informações, o que deveríamos fazer nos era informado e absolutamente nada era por nós discutido. A impressão que ficava era a de que, burocratas solipsistas, determinavam um destino que eles próprios desconheciam sua finalidade, a não ser é claro, aquela de dar a impressão que as suas existências faziam sentido frente ao mundo burocrático.
No mundo real, com a prática da sala de aula, a vida seguia. Não sabíamos muito o que e como fazer, porém, decidimos fazer, pois tínhamos uma certeza: teríamos que dar as nossas aulas, afinal de contas, normativas não resolvem o problema da realidade da sala de aula. Muito trabalho já estava acontecendo e a ajuda de outros colegas com a partilha de suas experiências foram fundamentais. Não houve, no início, a obrigatoriedade das aulas para os docentes e as docentes. Ficamos assim com a responsabilidade de ter as aulas não ministradas, pois estas deveriam ser refeitas quando houvesse o retorno ao presencial. No entanto, o que se viu foi a maioria ou quase que a totalidade do corpo docente, ministrando aulas pelo REDE, cada um buscando a sua própria solução e elas foram muitas e variadas.
Os estudantes não conseguiram acompanhar plenamente e também não foram obrigados pela legislação a fazerem as disciplinas no início do primeiro semestre REDE, estas poderiam ser feitas de forma suplementar, posteriormente, o que ainda não foi possível de ser realizado. Novas práticas foram construídas e muito trabalho foi adicionado à realidade docente. Seguimos fazendo e honrando o trabalho de uma grande universidade, apesar de estarmos sem os debates, discussões e reflexões que gostaríamos de ter tido.
Sobre a infraestrutura, mobiliários adequados, energia elétrica e internet, para os servidores e servidoras, técnicos e docentes, não houve nenhum tipo de apoio, todas as necessidades e instrumentos tiveram que ser sustentadas pelos trabalhadores e trabalhadoras. Há de se considerar ainda, as doenças de origem ocupacionais, físicas e mentais, adquiridas pela nova forma de trabalho em um estranho mundo que passamos a viver, o desgaste emocional pela tripla jornada onde no mesmo espaço, passaram a conviver a realidade do mundo do trabalho com os cuidados necessários da família, anteriormente separados das rotinas diárias.
O REDE não é EAD, é verdade, mas então o que é? Ao olharmos a legislação para o trabalho remoto, encontramos muito apoio e justificativas, todavia, as questões pedagógicas foram praticamente ignoradas e, como sempre, essa questão ficou para a solidão dos docentes e das docentes. Afinal, que aprendizado estamos desenvolvendo? Como o processo didático pedagógico está acontecendo? Talvez tenhamos tantas respostas para estas questões, ou talvez nenhuma, visto a ausência de reflexões sobre o tema na UFSM. Essa tristeza e essa dúvida vamos carregar, pois terminaremos o REDE sem uma pedagogia do REDE. Porém, fizemos o REDE e o terminaremos com algumas certezas, a saber, que do esforço e labor das docentes e dos docentes, mantivemos em pé as esperanças e resistências em um mundo tão sombrio!
REFERÊNCIAS: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA, RESOLUÇÃO N. 024, DE 11 DE AGOSTO DE 2020. Regula o Regime de Exercícios Domiciliares Especiais (REDE) e outras disposições afins, durante a Suspensão das Atividades Acadêmicas Presenciais em face da Pandemia da COVID-19.
(*) Professor do departamento de Fundamentos da Educação da UFSM, atual vice-presidente da Sedufsm.
Sobre o(a) autor(a)
Por Ascísio dos Reis PereiraProfessor do departamento de Fundamentos da Educação, atual presidente da Sedufsm