Emendas Pix e a disputa entre Poderes Publicada em 23/10/2024 163 Visualizações
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, na sessão do último dia 9 de outubro, dois projetos de lei e duas PECs (Propostas de Emenda à Constituição) que limitam poderes dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). As propostas haviam sido enviadas pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), à Comissão numa represália à decisão unânime do Supremo de suspender a execução das emendas parlamentares até a adoção de medidas mais transparentes.
As emendas parlamentares somam R$ 49,2 bilhões no Orçamento de 2024, o que corresponde a quase um quarto das despesas não obrigatórias, sendo que, do total, R$ 25 bilhões são emendas individuais, as chamadas "emendas Pix". Esses recursos são calculados como um percentual da receita corrente líquida da União e a obrigatoriedade de liberação do recurso à frente das demais despesas, como exigia a proposta inicial, usurparia uma atribuição do Executivo e, por isso, foi vetada pelo ministro Flávio Dino, no STF.
Na prática, o governo fica refém da fisiologia do Congresso, chamada impropriamente de “Centrão”, embora sejam, na sua maioria, parlamentares de extrema direita. As emendas são usadas como moeda de troca pelos parlamentares da oposição para manter o governo de “rédea curta” e garantir a reeleição. Isso explica, inclusive, a falta de renovação dos membros do Congresso Nacional. Tudo isso com absoluta falta de transparência, pois não é identificado o nome do parlamentar, nem para onde vai o dinheiro. Naturalmente, do outro lado da praça dos Três Poderes, a decisão monocrática do ministro de STF não ficaria sem resposta. E a resposta veio com dois projetos de lei e duas PECs.
O caminho de tramitação das PECs no Congresso, começa pela instalação de comissões especiais para discussão do tema - último passo antes da votação em plenário. É preciso dois terços dos votos para aprovar uma PEC, já que implica em alteração da Constituição. As duas PECs foram aprovadas nas suas Comissões. A PEC 8/2021 foi aprovada por 39 votos a 18. Ela restringe o poder de os magistrados da corte derrubarem por decisão monocrática (individual) leis aprovadas pelo Congresso. Já a PEC 28/2024, aprovada com 38 a 8, permite que as decisões do STF possam ser derrubadas pelo Congresso.
Um dos projetos de lei do pacote classifica como crime de responsabilidade a usurpação de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo por parte dos ministros do STF. Foi aprovado por 36 a 12. O outro projeto aprovado estabelece novas condutas passíveis de impeachment para ministros do Supremo.
Embora, já há algum tempo, o poder de um único magistrado, por decisão monocrática, de derrubar leis aprovadas pelo Congresso venha contribuindo para o desgaste do próprio Supremo, a proposta de emenda constitucional (PEC) que permite ao Legislativo derrubar determinações do Judiciário, não pode ser levada a sério. Segundo opinião de juristas e do próprio presidente do STF (Luís Roberto Barroso), a introdução de um mecanismo com esse teor no arcabouço institucional brasileiro minaria o princípio da separação dos Poderes, uma cláusula pétrea da Constituição.
Segundo dois professores de Ciência Política, da Universidade de Harvard, Levitsky e Ziblatt (2018), no livro “Como as democracias morrem”, o único exemplo de impeachment na Suprema Corte nos Estados Unidos ocorreu em 1804, porém, o Senado absolveu o Juiz, estabelecendo um precedente de peso contra o impeachment. No Brasil, virou moda da extrema direita pedir o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Em 1937, o presidente Roosevelt, que era extremamente popular e acabara de ser reeleito por ampla maioria, na pressa para aprovar o “New Deal”, foi derrotado quando tentou usar o artifício de aumentar o número de membros da Suprema Corte para acelerar a aprovação das medidas de política econômica propostas pelo Plano.
Outra prerrogativa essencial para a funcionamento do sistema de “freios e contrapesos” da democracia é a que cabe ao Senado aprovar as indicações presidenciais para a Suprema Corte. Em tese, o Senado poderia impedir que o presidente nomeasse um dos seus ministros, deixando o presidente de “mãos amarradas”. Isso não acontece porque existe uma regra não escrita do Senado em consentir que o Presidente componha seus ministérios e indique juízes para as vagas abertas na Suprema Corte. Como exceção à regra, houve o caso de boicote do Partido Republicano à indicação do presidente Barack Obama de um nome para substituir um juiz que se aposentou. Porém, em um século, mais de 90% dos indicados tiveram seus nomes aprovados pelo Senado norte-americano.
Comparando Brasil e Estados Unidos, pode-se afirmar que a solidez da democracia neste último reside numa “reserva institucional”, ou seja, os políticos de lá não usam o seu poder discricionário até o limite, mesmo que tenham o direito legal de fazê-lo, para preservar o sistema existente. Já no Brasil, até por motivo de vingança como no caso em análise, os políticos aprovam Propostas de Emenda Constitucional (PEC) irrelevantes e dificultam até mesmo saber qual era o texto original da nossa Constituição, quando foi aprovada nos idos de 1988.
Sobre o(a) autor(a)
Por José Maria PereiraDoutor em Economia, professor aposentado do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM e também da UFN