Políticas Afirmativas da UFSM: Acesso, Reparação e Transformação Institucional SVG: calendario Publicada em 19/11/2025 SVG: views 52 Visualizações

Neste dia de reflexão e ação das relações afro-brasileiras, esse texto traz uma escrita de reparação e compreensão das políticas afirmativas para pessoas negras nos espaços educacionais de ensino superior no âmbito federal, como foco na UFSM e sua resolução de Nº 228/2025.

As Políticas Afirmativas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), estabelecidas pela Resolução N° 228/2025, representam um esforço institucional complexo que visa à correção de injustiças históricas e desigualdades estruturais que permeiam o acesso ao ensino superior. Tais ações buscam promover a equidade, garantindo que os corpos discentes, docentes e técnicos, reflitam a diversidade étnico-racial e socioeconômica da população brasileira e regional, enriquecendo o ambiente acadêmico com múltiplas perspectivas.

Elas atuam como um fundamental mecanismo de reparação, fornecendo rotas alternativas para grupos historicamente sub-representados, como estudantes de baixa renda egressos de escolas públicas, pretos, pardos e indígenas que, devido à desigualdade na educação básica e ao racismo estrutural instaurado pela lógica colonial, enfrentam barreiras no acesso ao ensino superior.

O sucesso desta iniciativa não se limita ao acesso, mas se estende à comprovação de que, com o apoio adequado, estudantes que adentrem via política afirmativa alcançam um desempenho acadêmico de excelência, reforçando a necessidade de investimento contínuo em programas de assistência estudantil.

A implementação destas políticas, contudo, gera tensões e exige vigilância constante. O ponto de maior controvérsia reside na autodeclaração no quesito raça/cor. A Resolução N° 228/2025, para garantir sua eficácia e legitimidade, exige ser complementada por rigorosos mecanismos de heteroidentificação para coibir fraudes, conforme podemos verificar em diversas instituições e denúncias nas fraudes em todos os âmbitos de ingresso das federais.

O foco da avaliação das Comissões de Heteroidentificação deve recair sobre o fenótipo – a aparência que submete o indivíduo ao racismo social – e não apenas a ascendência. A composição dessas comissões, com membros diversos e submetidos a treinamento contínuo, é vital para assegurar a uniformidade, a sensibilidade e a justiça nas decisões, impedindo que oportunistas desviem vagas destinadas à reparação.

Todo o processo deve ser transparente, com registro e garantia de direito ao contraditório por meio de instâncias de recurso, pois qualquer falha na fiscalização compromete a credibilidade da ação e mina o princípio de reparação histórica.

A política enfrenta também a crítica, oriunda de setores conservadores, sobre a suposta violação da meritocracia e o risco de "queda da qualidade" do ensino, conforme denúncias apresentadas por discentes na ouvidoria da própria UFSM. Essa crítica, porém, desconsidera que a meritocracia é falha em um contexto de oportunidades fundamentalmente desiguais.

O foco institucional deve ser, portanto, na manutenção da excelência acadêmica ao mesmo tempo em que se oferece o apoio pedagógico necessário aos alunos que chegam com deficiências de base. Além disso, a adequação dos critérios é vital: o foco no egresso de escola pública é acertado, mas o corte de renda e a abrangência para PcD (pessoas com deficiência) e comunidades específicas (como quilombolas da região) devem ser criteriosamente revisados e explícitos.

O segundo pilar essencial é o da permanência e do sucesso acadêmico. Garantir o acesso sem sustentar o estudante na jornada é apenas transferir a desigualdade para dentro da universidade, o que resulta em evasão. O apoio socioeconômico, traduzido em auxílios (moradia, alimentação, transporte) e bolsas, é um insumo fundamental para que a vulnerabilidade social não force à evasão. A UFSM deve gerir sua assistência estudantil de forma eficiente, reconhecendo-a como diretamente proporcional ao sucesso da política de cotas.

Paralelamente, é indispensável o suporte pedagógico e psicológico. Muitos ingressantes, devido à precarização da educação básica, chegam com deficiências de conteúdo que exigem a provisão de uma equidade de ensino através de monitorias e grupos de acolhimento. O suporte psicológico é igualmente vital, pois o estigma e a síndrome do impostor são realidades enfrentadas pelos estudantes, que lidam com a pressão de "provar que merecem" a vaga. A universidade tem o dever de criar um ambiente de acolhimento institucional que legitime suas trajetórias e proteja-os das microagressões.

Finalmente, a Resolução N° 228/2025 deve ser concebida como uma política de tempo determinado e sujeita a avaliação contínua. As métricas de sucesso precisam ir além do mero número de ingressantes, monitorando indicadores como a Taxa de Graduação e seu desempenho em avaliações externas e ingresso na Pós-Graduação, atestando a qualidade da formação.

O horizonte temporal da política, idealmente revisto periodicamente, exige que a instituição se questione: a política só deve ser descontinuada quando os indicadores de desigualdade no acesso, motivados por fatores raciais e sociais, se alinharem com a distribuição populacional.

A manutenção da política deve ser justificada pela necessidade de superação das desigualdades estruturais, e não se tornar um fim em si mesma.

A execução responsável da Resolução exige, em última instância, um compromisso financeiro e político contínuo da gestão universitária, transformando a UFSM em um verdadeiro motor de ascensão social e excelência acadêmica.

 

(* Jesse da Cruz é docente ingressante pela política de cotas da UFSM)

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Jesse da Cruz
Professor do curso de Dança-Licenciatura do Centro de Artes e Letras da UFSM