Reforma administrativa quer “passar a boiada” no serviço público SVG: calendario Publicada em 01/02/21 18h40m
SVG: atualizacao Atualizada em 01/02/21 19h01m
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Veja alguns dos efeitos prejudiciais da PEC 32 para todos os níveis do funcionalismo público

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A reforma administrativa (PEC 32/20), encaminhada por Bolsonaro em setembro de 2020 ao Congresso Nacional, tende a ser, segundo registrado pelo próprio site da Câmara dos Deputados, um dos temas mais polêmicos na pauta de discussões do Congresso este ano. Capitaneada por princípios muito semelhantes aos de estado “moderno” e gerencial que guiou a reforma privatista de Bresser-Pereira, ainda nos anos 90, a reforma de Paulo Guedes e Bolsonaro, não obstante seja propagandeada como um meio de combater privilégios, necessariamente os reforça.

Uma das vias para isso é a criação de uma casta de servidores públicos, cerca de 10% do funcionalismo, que teria direito à estabilidade. Tal casta seria formada por carreiras consideradas típicas de estado, e que ainda não foram especificadas. Os 90% restantes seriam servidores sem direito à estabilidade e ao Regime Jurídico Único. Enquanto isso, os cerca de 150 milhões de brasileiros que necessitam do Sistema Único de Saúde (SUS) conheceriam, se aprovada a reforma, um serviço público cada vez mais sucateado, corrompido e privatizado. Isso é o que o movimento sindical brasileiro vem apontando há meses.

Nesta segunda, 1º de fevereiro, está ocorrendo a eleição da mesa diretora das duas casas que compõem o Congresso Nacional (Câmara e Senado), sendo que há um candidato mais alinhado ao governo Bolsonaro (Artur Lira, do PP-BA) e um menos alinhado ao governo, mas bastante próximo a Rodrigo Maria (atual presidente da Câmara), que é o deputado Baleia Rossi (MDB-SP). Independente de quem ganhar, na Câmara, ambos tratam a PEC 32 como prioridade de aprovação, pois é o tipo de medida que é bem recebida e incentivada pelo “mercado”.

Ainda no segundo semestre do ano passado, a Sedufsm colocou na rua a campanha em defesa do serviço público e contra a reforma administrativa. Agora, em virtude de que essa ofensiva será retomada pelo parlamento brasileiro, a entidade se mobiliza para voltar ao tema, procurando mostrar o quanto o embasamento dos argumentos do governo é falacioso. Não há Estado brasileiro inchado, não existem privilégios para a grande maioria do funcionalismo público. A proposta do governo não é “reforma”, mas sim, um “desmonte”.

O Estado entrega pouco?

Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, o estado brasileiro “custa muito, mas entrega pouco”. Mesma linha argumentativa vem sendo usada, já há algum tempo, em editoriais de grandes empresas jornalísticas, a exemplo do artigo “A batalha contra os privilégios”, assinado por José Fucs, na edição de 8 de outubro de 2016 do jornal O Estado de S. Paulo. No texto, o estado brasileiro é comparado a um mamute - “gigante, pesado e lerdo”. Algo como uma força descomunal que joga seu peso nas costas da população brasileira, onerada em pagamento de impostos e sustentação de supostas regalias aos servidores públicos.

O que nem Guedes nem alguns articulistas e empresários dos grandes jornais dizem é que a reforma administrativa atacará servidores públicos das três esferas – municipal, estadual e federal -, afetando desde professores universitários até assistentes sociais e agentes de saúde locais, ao passo que excetuará da reforma magistrados, parlamentares, militares e membros do Ministério Público, justamente as categorias conhecidas por receberem os salários mais altos do funcionalismo. Falta ao atual ministro da Economia, ainda, ser mais preciso quando diz que o estado entrega pouco.

Segundo pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), por exemplo, 69,7% da população brasileira não possui plano particular e depende exclusivamente do sistema público de saúde. Entre as classes C, D e E, esse percentual é de 77%. Dados do Mapa Assistencial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (AND) ainda apontam que, somente em 2018, foram realizados 1,57 bilhão de procedimentos pelo SUS. 

Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 80% dos estudantes de ensino fundamental e médio, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estão na escola pública. Dessa porcentagem, 74,7% das crianças em creches e pré-escola; 82% dos estudantes de ensino fundamental regular e 87,4% dos estudantes do ensino médio regular estão na rede pública. Em números reais, isso significa 38,7 milhões de crianças e adolescentes matriculados na educação pública.

Se olharmos para o ensino superior, a situação não muda muito. Levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais (Andifes) mostra que as universidades públicas brasileiras comportam mais de dois milhões de estudantes, sendo que 70,2% destes são de baixa renda. Cabe ainda ressaltar que mais de 95% da produção científica do Brasil em bases internacionais é fruto da pesquisa das universidades públicas.

Mudanças de impacto previstas pela reforma

Caso aprovada, a PEC 32 instituirá três novos cargos e dois novos vínculos. O advogado Heverton Padilha, da assessoria jurídica da Sedufsm, explica que muitas dessas novas modalidades “modificam severamente a natureza e a forma dos cargos públicos”:

- Cargo típico de Estado, vinculado a funções consideradas estratégicas pelo governo. Ainda não se sabe quais serão essas funções, uma vez que isso será esclarecido por lei complementar na segunda fase da reforma administrativa. Contudo, o próprio Ministério da Economia, ao apresentar o projeto, disse que será possível, dentro de uma mesma carreira, existirem servidores considerados de cargo típico de estado – que possuirão  direitos similares aos que os servidores já concursados possuem hoje - e servidores que não sejam considerados típicos de estado – e que, dessa forma, não possuam os mesmos direitos, a exemplo do direito à estabilidade. O ingresso para o cargo típico de estado será via concurso público. A posse, porém, só se dará ao final do vínculo de experiência de dois anos. Os servidores pertencentes a esse cargo serão os únicos a recolher contribuição para o Regime Próprio de Previdência e a terem estabilidade no emprego;

- Cargo por prazo indeterminado, considerado por Padilha como uma “aberração jurídica”. Não há nenhuma previsão ou ordenamento jurídico brasileiro prévio ou semelhante ao que será instituído. Aqui, o ingresso será mediante concurso público, mas o servidor público não terá estabilidade, podendo ser demitido em decorrência de processos administrativos, judiciais, insuficiência de desempenho ou em eventual obsolescência da atividade em face de um processo de privatização, por exemplo. Aqui, se o servidor for demitido sem justa causa, não terá acesso a nenhum dos direitos indenizatórios previstos para os trabalhadores da iniciativa privada, como FGTS ou seguro desemprego;

- Cargos de liderança e assessoramento, que devem substituir os atuais cargos de chefia e funções gratificadas. Essa nova modalidade abre, segundo Padilha, um leque para qualquer nomeação que o administrador, gestor ou poder Executivo entendam necessária. Hoje os cargos de chefia ou as funções gratificadas podem ser ocupadas apenas por servidores de carreira. Com a PEC, não existe essa obrigatoriedade, de forma que qualquer pessoa pode ser nomeada para exercer cargo de chefia. “Não há impedimento, inclusive, a que seja nomeado um militar de carreira para exercer função de chefia numa universidade”, alerta Padilha. Os servidores pertencentes a tais cargos também não possuiriam estabilidade;

- Vínculo de experiência, que substituiria o estágio probatório. É o período em que o servidor concursado exercerá seu trabalho, porém sem ser efetivado. É como se fosse mais uma etapa da seleção. Padilha explica que, devido ao vínculo de experiência, um concurso poderá nomear um número maior de candidatos do que aquele previsto nas vagas. Contudo, muitos desses candidatos podem nem chegar a ser efetivados pois, durante o vínculo, podem ser demitidos, por exemplo, por insuficiência de desempenho;

- Vínculo por prazo determinado, proposição semelhante ao que consta na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a respeito dos trabalhos temporários, de até dois anos. A PEC não traz limitação temporal, mas, uma vez que se inspira na CLT, deve adotar os mesmos critérios. Aqui, a seleção é feita de maneira simplificada e os servidores serão basicamente trabalhadores terceirizados no âmbito do serviço público.

Facilidade para demitir

Embora propagandeie que a reforma administrativa, se aprovada, passará a valer apenas para os novos servidores, as novas regras previstas para avaliação de desempenho podem afetar, sim, os atuais servidores, fragilizando, inclusive, o direito à estabilidade. Segundo o assessor jurídico da Sedufsm, Heverton Padilha, a reforma traz a possibilidade de demissão do servidor já a partir da primeira decisão colegiada na esfera judicial - não mais necessitando do trânsito em julgado.

Hoje o servidor público pode ser demitido. Porém, antes disso, tem direito a um processo administrativo com ampla e contraditória defesa, e sua exoneração só pode se dar após o trânsito em julgado do processo judicial. Se aprovada, a PEC facilitará em muito as demissões no serviço público.

Dentre os motivos que poderão levar à demissão está o resultado insatisfatório ou insuficiente na avaliação de desempenho. Essa avaliação como um critério para a demissão é algo novo instituído pela PEC, que não esclarece como se dará o processo avaliativo, nem quem o aplicará.

“A avaliação de desempenho não é só para o período de estágio probatório. Ela acompanhará o servidor por toda sua carreira e a insuficiência de desempenho será uma das motivações para que ocorra a perda de cargo público. Os critérios de avaliação serão definidos em fase regulatória posterior”, preocupa-se Padilha, frisando que a avaliação será válida também para os atuais servidores, e não apenas para os novos.

Texto: Bruna Homrich e Fritz Nunes

Imagem: Sindiserv e Condsef

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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