“O Ministério da Saúde escolheu não ter informações confiáveis sobre o Coronavírus” SVG: calendario Publicada em 08/02/21 10h47m
SVG: atualizacao Atualizada em 08/02/21 10h52m
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Pedro Hallal, coordenador do Epicovid19, é o entrevistado da nova edição do Ponto de Pauta

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Ironicamente, é justamente durante uma pandemia que boa parte do país está acompanhando, de maneira mais explícita, o quão difícil é fazer ciência no Brasil. E se antes a ciência contava com dificuldades orçamentárias, pouca infraestrutura, lógicas produtivistas e afins, se agrega agora um novo desafio: ser cientista é ser, quase que ao natural, um inimigo do governo federal (e, por óbvio, ser tratado como tal). O estudo de Evolução da Prevalência de Infecção por Covid-19, o Epicovid19, é um bom exemplo disso. Criado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) o Epicovid19 tem como objetivo mapear o avanço da contaminação pelo novo Coronavírus tanto em solo gaúcho quanto nacional. Nesses termos, a atuação do estudo parece pacífica, mas nada é pacífico quando o próprio presidente é um militante anticiência. Assim, não tardou para o Epicovid19 deixar de ser apenas um serviço oferecido para a sociedade por uma instituição pública, com fins de auxiliar no controle da pandemia, e passar a ser um objeto da disputa política.

O epidemiologista, professor e ex-reitor da UFPel, e coordenador do Epicovid19, Pedro Hallal, é o entrevistado da nova edição do Ponto de Pauta. Na entrevista, Hallal falou um pouco sobre o funcionamento do Epicovid19, a relação com o Governo Federal e o porque de a ciência ter se tornado o inimigo público número 1. Confira abaixo alguns trechos da entrevista e, ao final do texto, assista a entrevista completa.

Novas fases

Como já dito, o Epicovid19 atua em duas instâncias: a estadual, no Rio Grande do Sul, e a nacional. Em ambas a proposta do estudo é de investigar o avanço da contaminação pelo novo Coronavírus. E por que fazer isso? Segundo Hallal, o Epicovid19 não se ampara nas estatísticas oficiais porque as estatísticas oficiais estão erradas, seja por subnotificações, pouca testagem, casos assintomáticos, etc.

Sendo assim, pesquisadores e pesquisadoras vão até a casa das pessoas e aplicam testes. No caso do estudo gaúcho são testadas, por fase, 4500 pessoas em 9 cidades que contemplam todas as regiões do estado. E a 9ª etapa do estudo, iniciada em 5 de fevereiro, trouxe novidades, já que será a primeira vez que a pesquisa irá a campo após a pandemia ter atingido seus mais altos números no estado. Além disso, na nova etapa será usado um teste com sensibilidade mais alta. Já a 10ª etapa, prevista para abril, também terá uma importante novidade, já que o estudo será aplicado após a vacinação de uma parcela da população.

Já o Epicovid19 BR está em sua 5ª fase e com previsão para uma 6ª. Em cada fase são testatadas 33 mil pessoas espalhadas por 133 cidades de todos os estados e do Distrito Federal. E em nível nacional o estudo também trouxe uma novidade: na atual fase o Epicovid19 BR testará todas as pessoas que residem nas casas sorteadas. Com isso será possível refletir, por exemplo, sobre a transmissão intradomiciliar.

Relação com o governo federal

Ainda nos primeiros meses da pandemia, o Epicovid19 surge como um estudo financiado pelo governo federal, situação que mudou em julho de 2020, quando o Ministério da Saúde decide encerrar a parceria. Segundo Hallal, o rompimento foi uma decisão unilateral do governo. Além disso, o ex-reitor da UFPEL destaca que a promessa de novos estudos não foi cumprida. “O ministro da Saúde, quando anunciou que iria descontinuar o financiamento do Epicovid, disse que o governo iria fazer outros estudos epidemiológicos similares e esses estudos nunca apareceram. E a verdade é que a população brasileira foi privada de, com financiamento público, seguir conhecendo a evolução do vírus no país”, avalia. Com o encerramento do financiamento, o Epicovid19 buscou outras fontes de fomento e conseguiu prosseguir com o estudo. Contudo, para Hallal, a decisão do governo é lamentável pela postura em si. “O Ministério da Saúde escolheu não ter informações epidemiológicas confiáveis sobre o Coronavírus no Brasil”, declara.

O impacto nas decisões

Para além de produzir literatura científica sobre o funcionamento da pandemia no Brasil, o Epicovid19 também busca auxiliar na tomada de decisões e no controle da pandemia, algo que, segundo Hallal, aconteceu. Como exemplo o professor cita o plano de distanciamento controlado do governo do RS, que usava os indicadores do Epicovid19. Além disso, Hallal conta que muitos foram os prefeitos que o procuraram para saber como proceder em suas cidades. Essa postura, contudo, não é mais a tônica. “Eu tenho que admitir que essa sensibilidade em ouvir a ciência diminuiu a partir de setembro em todas as esferas, porque começou a se aproximar das eleições municipais e houve uma tendência de que os candidatos que acabaram eleitos defendiam a reabertura. Então acabou sendo impopular seguir as recomendações científicas no Brasil”.

Figura pública da oposição

A relação de Pedro Hallal com o governo federal e inclusive com o próprio presidente da República, é um bom exemplo do que a ciência – e a universidade pública – representam para Jair Bolsonaro. Afinal, ser cientista e coordenar uma pesquisa foram os elementos primordiais para caracterizar Hallal como uma figura de oposição ao presidente. “Em primeiro lugar eu gostaria de dizer que eu tenho muito orgulho de ser conhecido como uma figura de oposição do governo federal. Acho que se envergonharão aqueles que não fizeram oposição a esse governo nesse momento da história brasileira”, analisa o professor que relata já ter recebido ameaças, todas devidamente encaminhadas para a Polícia Federal. “A minha função é seguir defendendo a ciência, seguir defendendo as universidades, seguir defendendo o SUS e os serviços públicos brasileiros e podem ter certeza que eu não vou em momento algum diminuir a intensidade das críticas em função dos ataques pessoais que tenho recebido”, conclui. Recentemente Hallal testou positivo para Covid-19, o que promoveu uma onda de ataques de figuras identificadas com Jair Bolsonaro, desde eleitores comuns até políticos. Aliás, o próprio presidente da República se manifestou sobre a contaminação do ex-reitor. “O presidente da República tuitou sobre a minha Covid. Parece mentira. Estava faltando oxigênio em Manaus e o presidente estava tuitando sobre a minha Covid”.

Essa onda de ataques foi um dos catalisadores de um artigo publicado por Pedro Hallal na revista “The Lancet”, uma das mais antigas, conhecidas e prestigiadas revistas médicas do mundo. O título do artigo é “SOS Brasil: ciência sob ataque”. Segundo Hallal, com a carta ele está “pedindo socorro para a comunidade internacional, porque a situação no Brasil passou dos limites da razoabilidade”.

Vacinação

Para Hallal, apesar dos pesares a ciência está vencendo a anticiência do governo federal na queda de braços sobre a vacina. E nisso, o epidemiologista vê motivos para otimismo. “Se tiver doses suficientes, entrega para os estados e os municípios, manda o Ministério da Saúde ficar quieto para não atrapalhar, e o Brasil vai conseguir distribuir vacinas para a população, porque o Brasil é bom nisso, as equipes técnicas são muito boas. Quem atrapalha hoje é o alto escalão. A parte otimista é a capacidade brasileira de vacinar e a parte pessimista é a falta de uma liderança institucional que saiba conduzir o processo ”, conclui.

Confira aqui a íntegra da entrevista.

Texto: Rafael Balbueno
Imagem: Divulgação
Assessoria de imprensa da Sedufsm

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