Paulo Freire e o esperançar de novas relações humanas SVG: calendario Publicada em 17/09/21 17h04m
SVG: atualizacao Atualizada em 17/09/21 17h38m
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No centenário do educador, Sedufsm ouve professores e professoras a respeito do legado de Freire

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O centenário de Paulo Freire é comemorado neste domingo, 19 de setembro

“Sua principal herança é esse confiar nas pessoas, nas suas capacidades. Ainda que condicionadas, elas não estão determinadas. Elas podem, conscientizando-se dialógica e reflexivamente, construir a sua própria libertação” – Celso Henz, docente do departamento de Administração Escolar da UFSM.

“‘Quem me leu e me entendeu, não me copie, me reinvente’. Esse era o grande convite dele” – Nara Ramos, docente do departamento de Fundamentos da Educação da UFSM.

Freire era um esperançoso. Esperança do verbo esperançar. Freire acreditava na transformação do mundo pela ação humana generosa e amorosa” – Valdo Barcelos, docente do departamento de Administração Escolar da UFSM.

“Freire sempre foi um defensor das luzes. Pelo conhecimento, pela sensibilidade, pelo saber político, pela manifestação de opiniões e até certezas” – Cristina Rosa, docente da Faculdade de Educação da UFPel.

“O esperançar freireano baseado em sua biografia e nos seus escritos, neste ano do seu Centenário, é o que indica a possibilidade de reaprender e reconstruir o Brasil” – Aline Cunha, docente do Departamento de Estudos Especializados e vice-diretora da Faculdade de Educação da UFRGS.

Em 2012, a lei nº 12.612 o declarava patrono da Educação Brasileira. Em 1986, a UNESCO o condecorava com o prêmio Educação para a Paz. Ao longo dos anos, 28 universidades brasileiras e internacionais o nomearam doutor Honoris Causa. O pernambucano Paulo Freire, que, conforme lembrado pelo professor Henz, mudou-se de Recife para Jaboatão ainda muito cedo, em decorrência da fome que penalizava sua família, disse ter vivido três exílios: o primeiro, ao sair do ventre de sua mãe, em 19 de setembro de 1921; o segundo, quando se viu obrigado, pelas condições materiais da vida, a mudar de cidade e a abandonar a sombra de sua adorada mangueira; e o terceiro, quando, após 70 dias preso nos quartéis do Exército, teve de se exilar no Chile.

Das nossas memórias e homenagens, contudo, Freire não se exila. E, em decorrência de seu seminário, a ser registrado neste próximo domingo, 19 de setembro, a Sedufsm vem produzindo uma série de materiais que têm por objetivo resgatar a importância do legado de Freire para nossos dias. Nesta reportagem especial, ouvimos cinco docentes, tanto da UFSM como de outras instituições, que comentam sobre a atualidade do pensamento freiriano. 

Charge do professor Máucio Rodrigues em homenagem ao educador

Medo e ousadia

Embora seja um exercício difícil o de citar alguns elementos que mais sintetizam a contribuição de Paulo Freire, Nara Ramos, docente do departamento de Fundamentos da Educação da UFSM, acredita que o medo e a ousadia são duas marcas do educador. Não um medo que paralisa, mas um medo próprio de quem tem sonhos. “Ele disse que somente tem medo quem tem sonho".

Quanto à ousadia, é traço fundamental em toda sua obra, mas ainda mais visível quando “ele aceita a tarefa de trabalhar para a transformação social”, complementa.

E tal transformação, salienta Nara, não viria somente pela educação – embora a educação fosse dela parte central. “Ele fez um trabalho de formiguinha para construir a conscientização. Ele dizia que uma das qualidades do professor progressista era a humildade, a tolerância e a esperança. Nenhum projeto poderia ser pensado sem esperança. Mas não é a esperança que espera, é a esperança como verbo e ação”, destaca a docente.

Em tempos nos quais o obscurantismo se desavergonha e tenta disputar os rumos do futuro, Nara acredita que resgatar Freire é de suma importância. “Ele dizia que não podemos desistir e precisamos nos fortalecer para juntos, construirmos a utopia e corrermos atrás dos sonhos”.

Ele incomodava os poderosos

Freire, perseguido pelos militares no passado, volta a ser deslegitimado por setores ultraconservadores e fundamentalistas nos dias atuais. Toda essa ojeriza fomentada pelas ideias e pela figura do educador pernambucano frente aos poderosos não é de graça, afinal, as proposições de Freire desnaturalizavam a ordem das coisas, tornando possível e concreta a construção de um mundo alicerçado em outros princípios – que não os princípios capitalistas da opressão, da financeirização das relações e da desesperança absoluta.

Para o professor Celso Henz, do departamento de Administração Escolar da UFSM, a práxis político-pedagógica de Freire ensinava criticidade e confiança em si mesmo, incomodando, por isso, os poderosos de sua época.

“Freire nunca disse que não devemos trabalhar com conhecimento científico e conteúdos em nossas escolas, mas sempre recomendou e nos desafiou a trabalharmos os conteúdos não como meras repetições, e sim retomá-los, ressignificá-los na sua relação dialética com nosso tempo e nosso lugar. E nessa dialógica, dialetizando leitura da palavra e leitura do mundo, Freire foi construindo processos de conscientização. Nesse acolhimento fraterno ele conseguiu fazer com que as pessoas se sentissem novamente humanas”, comenta o docente, que recentemente concedeu entrevista sobre o centenário de Freire ao Ponto de Pauta, programa da Sedufsm. Assista aqui.

Diante de uma sociedade brutal e capitalista, Freire não se curvou, frisa Celso Henz. Pelo contrário, ele aceitou o desafio e a tarefa de ajudar a construir relações mais justas, assumindo uma práxis dialética e dialógica no contato com as pessoas. Assim, Freire era, ao mesmo tempo, educador e educando. Ensinava e aprendia no ato de ensinar, reconhecendo os saberes da experiência trazidos por aquelas pessoas e, a partir deles, apresentando problematizações que as levassem a se entenderem como sujeitos dominados, manipulados e silenciados. Sujeitos que deveriam romper as amarras de sua própria opressão.

“Freire, pela educação libertadora, dialógica e reflexiva, ajudou a emancipar e empoderar muitas gentes e muitos povos não só no Brasil, mas no mundo. Não é em vão que Freire talvez seja mais lido e reconhecido fora do Brasil do que dentro”, conclui.  

“A realidade não é assim, está assim”

Os sonhos de que Nara fala dizem respeito ao fato de que, para Freire, a realidade não deve ser entendida como algo irretocável, inalterável, absolutamente natural. Se as estruturas e as relações que cultivamos hoje não são as únicas possíveis, então é necessário somar forças para lutar por novas estruturas e relações, que, ao invés de adoecerem, potencializem as pessoas.

É o que retoma o professor Valdo Barcelos, do departamento de Administração Escolar da UFSM, quando lembra que, para o centenário educador, a transformação da realidade era não só possível, como um imperativo. “A realidade não é assim, está assim” expressa sinteticamente a esperança ativa sempre presente na práxis freiriana.

Outro aspecto fundamental de Freire destacado por Barcelos é a “corporeificação das palavras pelo exemplo”, ou seja, a coerência entre aquilo que se diz e aquilo que efetivamente se faz. Em outras palavras: é buscar, cada vez mais, o encurtamento da distância entre discurso e ação. Contra a demagogia, tal lição é certeira.

“Essa busca Freire fez durante toda sua vida como cidadão brasileiro, cidadão do mundo e como educador. Freire era uma pessoa simples em seu modo de viver, humilde nas suas          proposições filosóficas e sinceramente preocupado com as gentes do Brasil. Outra característica de Freire era sua generosidade com os seus semelhantes. Atributos cada vez mais escassos nas prateleiras dos supermercados dos tempos sombrios em que estamos vivendo hoje, inclusive dos círculos freireanos, particularmente, os acadêmicos”, problematiza o docente. Barcelos publicou recentemente, em sua coluna no jornal Diário de Santa Maria, o texto “Mais Freire... nunca menos”.

Reconhecimento externo

Cristina Rosa, docente da Faculdade de Educação da UFPel, ressalta a contribuição de Paulo Freire para filósofos, pedagogos, sociólogos e historiadores mundo afora. Não raramente, o educador era (e ainda é) mais estudado e referenciado fora das fronteiras nacionais.

A primeira contribuição é termos um brasileiro inserido no rol de pensadores das questões que envolvem o humano em sociedade. [...] Para o mundo? No exterior, Freire recebeu, inicialmente, mais credibilidade, fundamentalmente por suas ideias acerca da produção do analfabeto como um mal a ser erradicado. Ao conceituar o sujeito que vivia à margem e propor um  modo de torná-lo um cidadão de direitos, Paulo Freire apensou às formulações que circulavam a necessidade de nos insurgirmos e tornarmos nossas escolas lugares de saberes para todos, especialmente os desvalidos”, argumenta a docente da UFPel.

A importância de Freire para a luta contra o analfabetismo também é destacada por Cristina, para quem o educador ajudou a desnudar as relações existentes entre o analfabetismo e o projeto de país em curso. A partir do corpo conceitual freiriano, ressalva, uma série de práticas, métodos e experimentos na área da alfabetização foram sendo construídos, além de uma forte rede de pesquisa na pós-graduação. “Foi pensando e agindo diante do analfabetismo que Freire se tornou um referencial e termos um brasileiro nessa condição, sempre é inspirador”, conclui.

Falsa neutralidade

Freire vem sendo duramente combatido pela extrema direita brasileira. Setores esses responsáveis pela proposição da ‘Escola sem Partido’, projeto que, na prática, visava criminalizar e perseguir professores dentro das escolas. Sob o pretexto de coibir manifestações partidárias, os defensores da ‘lei da mordaça’ (como os educadores e o movimento sindical apelidaram o projeto) intencionavam, na verdade, dirimir a potencialidade crítica do chão da escola. Exatamente a criticidade que Freire buscava construir junto aos seus.

Para Aline Cunha, docente do Departamento de Estudos Especializados, vice-diretora da Faculdade de Educação da UFRGS e membro suplente da Coordenação do Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos, o pernambucano apresentou conceitos fundamentais para o cotidiano dos processos educativos – escolares ou não, sendo o conceito de não-neutralidade um desses.

Entender que a prática educativa, o cotidiano da relação das pessoas com o aprender e o ensinar, se faz dentro de um projeto de vida e de nação, é fundamental para superar a ideia de que só o conteúdo escolar basta para a formação do sujeito e que ele está isento e isolado da vivência das pessoas no mundo. Daí decorrem concepções mais amplas sobre a educação integral, a educação ao longo da vida, a formação humana em sentido ampliado e não restrita ao que se pode aprender durante a abordagem de componentes curriculares na sala de aula ou mesmo, no que se refere às aprendizagens da luta nos movimentos sociais”, explica a docente da FACED/UFRGS.

O convite de Freire, acrescenta Aline, é para que sejamos críticos, reflexivos, responsáveis, rigorosos e curiosos.

Ele nos anima a resistir

O centenário de Freire, registrado em meio a uma pandemia e a um governo de ultradireita no Brasil, torna-se ainda mais simbólico. Para Aline, resgatar Paulo Freire é, também, repudiar o negacionismo que levou à morte mais de 600 mil pessoas; denunciar as defesas feitas pelo atual Ministério da Educação de que o acesso ao ensino superior deve ser restrito a poucas pessoas ou de que as universidades brasileiras devem ser desvalorizadas e difamadas; contrapor-se à “educação bancária”, cerceadora do direito de pensar; combater o revisionismo e o racismo estrutural.

Diz Aline que: “Paulo Freire nos "anima" a resistir. Amorosidade e querer bem, citando reflexões expostas na Pedagogia da Autonomia, se fazem fundamentais nesse momento histórico em que precisamos lutar contra o obscurantismo e a morte. Em sua obra, Paulo Freire nos apresenta o inacabamento como possibilidade humana de aprender sempre, ao longo da vida e, por isso, sua valorização da existência humana, em sentido filosófico, mas também no sentido biológico. Por fim, mas como se diz "não menos importante", Paulo Freire como intelectual e patrono da educação brasileira, contribuiu fortemente para que compreendamos que o mundo não é, ele está sendo e que, por isso, vale a luta e as conquistas, mesmo que as consideremos pequenas ou parciais”.  

Celso lembra que, quem quer que referencie e reinvente Paulo Freire hoje, está necessariamente comprometido com a luta por uma sociedade democrática e livre de desigualdade.

“Freire não é só referência, é inspiração, desafio, companhia permanente para quem luta, se compromete, sonha, para quem tem uma utopia e um esperançar que faz colocar-se em marcha com outras pessoas para construir uma história um pouco mais bonita e um mundo em que as pessoa aprendam a confiar mais umas nas outras. Um mundo onde não seja tão difícil  amar.  Coragem, é o que Dom Helder Câmara sempre terminava dizendo. Creio que é o que Freire nós diria hoje: Coragem, uma outra educação e uma outra sociedade são possíveis. Prossigamos marchando e convivendo com essa Utopia, num esperançar reflexivo-proativo, confiando em cada mulher e em cada homem para Ser Mais”, perspectiva Henz.

Homenagens da Sedufsm

Para marcar o centenário de Paulo Freire, a Sedufsm promoveu uma live no dia 31 de agosto, com a presença do professor Luiz Gilberto Kronbauer, docente do Centro de Educação da UFSM; e de Juliana Goelzer, docente da Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo.

Também serão produzidas na rua quatro edições do Ponto de Pauta em referência ao educador. Duas delas já estão no ar. A primeira, que aborda “O pensamento freiriano e as opressões”, traz como convidada a professora do departamento de Fundamentos da Educação, Márcia Paixão. Já a segunda aborda “Os fundamentos básicos do pensamento freiriano”, e traz o professor Celso Henz, do Departamento De administração escolar, como entrevistado.

 

Texto: Bruna Homrich, com a colaboração de Fritz R. Nunes

Imagens: Senado

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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