A corrupção e o processo político SVG: calendario Publicada em 01/06/2020 SVG: views 2389 Visualizações

Os vínculos entre Democracia Representativa e financiamento eleitoral estão no cerne da discussão acerca da relação entre o Poder Público e os interesses privados. Por isso, o tema possui correspondência direta com as eleições, que são a principal forma de participação política da grande maioria do eleitorado, cujas escolhas também estão, em grande parte, condicionadas pelo volume do investimento em determinado candidato. A competição eleitoral tem centralidade no processo democrático, situação que coloca como relevante a necessidade de recursos financeiros para o desenvolvimento da própria campanha visando conquistar votos suficientes para a vitória nas eleições. O êxito no processo eleitoral possibilita acesso a cargos decisivos na definição de ações de governo e na execução de políticas públicas com o objetivo de atender demandas da sociedade ou de grupos sociais específicos. Por decorrência, ganha relevância a discussão acerca das condições nas quais se dá a disputa eleitoral, levando em conta se a competição ocorre de forma equânime entre os candidatos ou não e, por consequência, se as correntes políticas em disputa possuem possibilidades similares para conquistar votos.

Além do problema do desequilíbrio na competição eleitoral, afetado de maneira incisiva pela disparidade de recursos financeiros nas campanhas, se estabelece a discussão sobre os interesses de quem financia partidos e candidatos e a sua eventual correspondência posterior. Há evidências de que o financiamento eleitoral tem proximidade com benefícios, lícitos e ilícitos, éticos ou não, concedidos pelos representantes eleitos como contrapartida. Contexto que coloca o tema da corrupção e uso indevido dos recursos públicos como central, estabelecendo, em geral, vínculos com as campanhas eleitorais e relações pouco republicanas entre candidatos e financiadores.

Ao mesmo tempo, diante da complexidade do problema, a simplificação, é claro, nem sempre contribui para o aprofundamento do assunto. Por exemplo, o financiamento público das campanhas eleitorais conseguirá produzir efeitos na redução da corrupção nas eleições, evitando a formação do chamado ‘caixa 2'? A proibição de coligações partidárias nas eleições proporcionais e a implementação do sistema de lista fechada conseguirá fortalecer os partidos em detrimento da personalização da política?

Tendo como pressuposto que a corrupção e sua relação com o processo político merecem atenção e ações no sentido combater, julgar e punir quem age fora da lei, é importante considerar que, quando o tema se transforma em bandeira política de alguns segmentos, algo do tipo ‘corruptos são os outros’, o caminho para o estabelecimento de uma estrutura eficaz de fiscalização e prestação de contas fica mais complicado. Ou seja, é relevante entender a corrupção e sua relação com o processo político a partir de uma perspectiva separada, se é que isso é possível, das disputas políticas corriqueiras. Em outras palavras, o problema em si não está na existência da corrupção, desde que seja possível descobrir e responsabilizar seus autores (e, por decorrência, criar dificuldades para quem tiver a intenção de cometer atos de corrupção). O problema principal está em diagnosticar quais características do funcionamento do Poder Público, suas relações com os grupos sociais e seus interesses particularistas, oportunizam e possibilitam a ação de corruptos e corruptores.

A partir daí se estabelece a necessidade de ações e de estruturas institucionais independentes voltadas para o acompanhamento, fiscalização e prestação de contas acerca do uso dos recursos públicos, sobre as ações dos representantes eleitos e funcionários públicos e sobre os grupos privados na sua relação com o Estado. Portanto, mais importante que uma discussão moralista sobre o assunto, é necessária a constituição de órgãos de Estado voltados para detectar e combater o uso para fins privados e ilegais dos recursos públicos, com transparência e controle público.

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Cleber Ori Cuti Martins
Professor de Ciência Política - Departamento de Ciências Sociais da UFSM

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