Política em toda parte e abstenção eleitoral: considerações sobre politização e desinteresse Publicada em 04/12/2024 152 Visualizações
O envolvimento dos indivíduos e grupos sociais com a política pode, ao longo do tempo, ser observado a partir de duas concepções diferentes. Ambas são abordadas no livro A Política, de Giovanni Sartori. De forma sintética, na primeira, vinculada ao modo de vida de Atenas, no período, entre os séculos VI e IV a.C, da democracia direta, sem distinção entre social e político, o zoon politikón de Aristóteles (no livro Política), ou o animal político, vivia, como aborda Sartori, na pólis e a pólis vivia nele. Ou seja, a política era a vida, configurada como público. E o não político era definido como ídion, cujo significado atual é de ‘idiota’. Portanto, a rigor, tudo era política e o envolvimento era uma espécie de valor social, cuja recusa era um fator de depreciação perante a pólis.
A segunda concepção vai se formatando a partir do século XVI d.C, com alguns antecedentes ainda na Idade Média, se consolida a partir do século XIX e chega até os dias atuais. A separação entre público e privado e entre o Estado e a sociedade, de base liberal e, posteriormente, capitalista, junto com o entendimento de Nicolau Maquiavel acerca da autonomia da política, nas primeiras décadas do século XVI, no livro O Príncipe, estabeleceram uma distinção entre o social (no sentido de sociedade) e a política. Passa a haver a predominância, em termos valorativos, do privado sobre o público, restringindo a política à institucionalidade (poder legislativo, poder executivo, partidos e eleições, principalmente).
É apenas no contexto dessa segunda concepção que faz sentido, de forma mais específica, a discussão sobre o envolvimento com a política. Uma discussão que, considerando as duas ideias sobre a política, ao menos no caso do Brasil das últimas duas décadas, é permeada por algum grau de contradição. De um lado, a cada eleição, tem se tornado recorrente o debate a respeito dos índices de abstenção eleitoral, não sem manifestações alarmantes sobre o não-comparecimento. Ao mesmo tempo, questões políticas, acirramento e radicalização de posições e entendimentos, ocupam um vasto espaço no dia a dia de muita gente, via redes sociais, conversas informais, engajamento, ativismo e afins. Em parte, o tema ‘política’ parece estar presente em vários outros espaços além das instituições políticas, caso, entre outros, das igrejas, religiões, movimentos sociais, encontros de amigos e da família.
Ou seja, não necessariamente os índices de abstenção eleitoral significam uma redução no interesse pela política. Não que o não-comparecimento não envolva algum eventual desinteresse e que os motivos não devam ser investigados. A princípio, é possível considerar três fatores explicativos para o aumento da abstenção. Um deles está levando em conta a obrigatoriedade do voto, nas sanções leves para quem não vota, junto com a facilidade de justificar pelo aplicativo e-Título. Outra causa pode ser encontrada na desatualização do cadastro eleitoral, sobretudo, nos municípios que ainda não completaram o cadastramento biométrico, caso de Santa Maria, onde apenas 71,9% do eleitorado têm biometria e, no Brasil, 82,7% (dados da Justiça Eleitoral para novembro de 2024). O terceiro fator está no entendimento de que eleições são irrelevantes, junto com um descontentamento com o processo político em si.
É importante considerar que, levando em conta esses possíveis fatores, os índices têm, em geral, aumentado (todos os dados estão disponíveis no Portal do Tribunal Superior Eleitoral). Nas eleições municipais de 2012 a 2024, nos primeiros turnos, variaram de 16,4%, em 2012, a 21,6%, em 2024, com 23,1%, o mais elevado, em 2020, período do isolamento social decorrente da pandemia de Covid-19; havendo um crescimento maior ainda nos segundos turnos, de 19,1%, em 2012, a 29,6%, em 2024. Os números de não-comparecimento às eleições nacionais e estaduais, de 2010 a 2022 são, em grande parte, menores, variando, taxa mais baixa, de 18,1% no primeiro turno de 2010 a 20,9%, a mais alta, em 2022. Nos segundos turnos, houve uma redução, de 21,5% em 2010, percentual mais elevado da série, a 20,5%, o mais baixo, em 2022.
Ainda que demande uma investigação mais aprofundada, é possível considerar que a abstenção eleitoral é um elemento importante para medir o interesse e o envolvimento com a política. Entretanto, nesta equação, é necessário incluir também uma série de outras possibilidades de interação e ação política, com a politização abrangendo espaços variados da vida social e não apenas as instituições políticas propriamente ditas. E, no fim, pode ser que a política esteja em toda parte mesmo.
(* O professor também integra o Núcleo de Pesquisa e Estudos em Ciência Política-NPCP/UFSM)
Sobre o(a) autor(a)
Por Cleber Ori Cuti MartinsProfessor de Ciência Política - Departamento de Ciências Sociais da UFSM