Esperando o quê para consumir menos plásticos? SVG: calendario Publicada em 31/08/2023 SVG: views 4065 Visualizações


"O consumo, a geraçãoO consumo, a geração de resíduos plásticos e o acúmulo no meio ambiente só crescem enquanto a reciclagem aumenta a passos."

O Brasil, além de ser um grande fabricante de plásticos – quarto lugar no mundo, é também um grande gerador desses resíduos. Foram produzidas quase 14 milhões de toneladas em 2022. A divulgação desses dados assustadores é da ABELPRE (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais). Não menos estarrecedora foi a geração per capita no mesmo período, 64 kg. O caos não para por aí. Apenas uma parte muito pequena é reciclada, 1,28 %. O restante se acumula pelo meio ambiente. Vai parar nos aterros e nos lixões que ainda subsistem ao fechamento, constantemente empurrados com a barriga. Nem os rios, nem os oceanos estão livres – 3 milhões de toneladas poluem águas doces e salgadas!

Essa quantidade é suficiente para cobrir 7 mil campos de futebol. Não surpreende que verdadeiras ilhas plásticas flutuem pelas águas do Planeta. Pasmem, esses números retratam o cenário de apenas 1 ano.
Muitos plásticos levam 400 anos para se decompor. O tempo de vida desses materiais supera a existência humana e de muitos outros seres. A geração e a acumulação crescem a passos largos, enquanto a redução e a reciclagem avançam lentamente. O cenário é caótico! Esperamos o quê para mudar de atitude? Trocar os plásticos convencionais pelos biodegradáveis ou bioplásticos não é suficiente. Os plásticos produzidos a partir de cana-de-açúcar, milho, mandioca, cascas de maracujá ou de outras matérias primas renováveis, não são inócuos. Se o descarte não for correto causam poluição, apesar do tempo de degradação ser muito menor que o dos derivados de petróleo. Resíduos biodegradáveis, nos quais se enquadram os bioplásticos, devem ser encaminhados à compostagem ou à biodigestão. Práticas ainda pouco adotadas nos sistemas de gerenciamento de resíduos urbanos nos municípios brasileiros.  

Resíduo orgânico não é rejeito, tampouco lixo. O equívoco é consolidado na orientação de separação em apenas duas frações principais: secos (recicláveis) e úmidos (restante). Desfazer conceitos errados é mais difícil do que ensinar o certo desde o início. A separação necessita ser realizada, no mínimo, em três frações: rejeitos, aqueles que não tem potencial de retorno, cujo destino são os aterros. Recicláveis são os não biodegradáveis que podem voltar ao ciclo produtivo, por meio das cooperativas de catadores. Orgânicos são os biodegradáveis que podem ser transformados por processos biológicos em compostos fertilizantes. A compostagem e a biodigestão completam o ciclo quando integradas às hortas comunitárias e domésticas para produção de alimentos mais saudáveis. Devolver à terra aquilo que ela generosamente nos dá é uma forma de agradecimento e de demonstrar nossa conexão com a natureza. A biodigestão ainda possibilita o aproveitamento do gás metano em substituição ao gás de cozinha. Esse aspecto tem impacto bastante positivo, pois contribui para a redução dos gases de efeito estufa, responsáveis pelo agravamento dos fenômenos climáticos, principal problema ambiental da atualidade. 

A reciclagem é importante no gerenciamento dos resíduos urbanos, pois representa uma nova chance aos materiais para voltarem ao ciclo produtivo, ou seja, serem novamente transformados em objetos de uso e de consumo. Por outro lado, a reciclabilidade é determinante para viabilizar essa volta – representa o potencial de reciclagem do material ou de integrar a cadeia da reciclagem. No caso dos plásticos, nem todos ditos recicláveis o são de fato. A ausência de mercado, o custo da transformação, a inexistência de tecnologias, a sobretaxação nos impostos e a deficitária estrutura da logística reversa são fatores que dificultam a expansão do setor. Maior eficiência na fiscalização para o cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos e mais cobrança da responsabilidade pós-consumo, certamente, também contribuiriam para a alavancar a reciclagem no Brasil abrindo espaço para novos materiais serem transformados. 

Há países, como os Estados Unidos, proibindo o uso do símbolo de reciclável para os materiais com baixa reciclabilidade, ou seja, aqueles em que a reciclagem não acontece de fato. Certamente, você já observou a sinalização e a inscrição “embalagem reciclável” ou “descarte seletivo”, além da identificação do número da resina componente dentro de um triângulo, no caso dos plásticos. Essas informações servem para orientar para a separação e para a destinação corretas. Inscrições que não correspondem à verdade conduzem à falsa sensação de gerenciamento correto, além de gerar despreocupação com o consumo. As embalagens de pipoca para micro-ondas são um exemplo perfeito. No verso, há a identificação de que a embalagem é composta por PP (5) – polipropileno, além do símbolo e da inscrição, reciclável. 

O invólucro ainda possui uma película para facilitar a impressão das cores e das informações do produto (marca, tipo, composição etc.). Por outro lado, apesar da afirmação do fabricante, não há mercado comprador que possibilite o encaminhamento da embalagem à reciclagem. A situação não é exceção. Outras embalagens compostas, formadas por múltiplas camadas, apresentam as mesmas dificuldades ao chegarem às cooperativas por meio da coleta seletiva. Acabam tendo o pior dos destinos considerando a eficiência ambiental – disposição como rejeito em aterro. O mesmo ocorre com os plásticos de embalagens metalizadas (salgadinhos, bolachas recheadas); com muitas garrafas de água mineral e potes de suplementos alimentares coloridos (azuis, vermelho, preto, por exemplo), bem como com bandejas e caixas de isopor. São mais exemplos em que o consumidor é induzido a acreditar em uma informação não verdadeira de que o destino será a reciclagem, porém, o fim é ser enterrada em um aterro ou mesmo em um lixão. 

Os plásticos mais reciclados no Brasil são: PEAD (polietileno de alta densidade) usado em embalagens de produtos de higiene e limpeza; PP usado na fabricação de potes para manteiga e margarina, ainda o PET (polietileno tereftalato) matéria prima principal das embalagens de bebidas e refrigerantes. Ampliar o mercado de recicláveis é importante para o avanço da reciclagem no país, bem como para repensar políticas e legislações que restrinjam materiais e práticas incompatíveis com uma destinação sustentável, assim como para incentivar a produção e o consumo daquelas que vão ao encontro do desenvolvimento socioambiental.

O contexto mostra que aos 3 Rs (reduzir, reusar e reciclar) é necessário incluir, pelo menos, refletir e recusar. Refletir sobre as reais necessidades de consumo. Dizer não, soma-se à urgência de mudança. Recusar, especialmente os plásticos de uso único, como sacolas plásticas, canudos, copos, pratos e outros. Os Jogos Olímpicos de Paris, em 2024, serão a primeira edição de um evento mundial sem o uso de descartáveis. O público será admitido nos estádios e arenas esportivas apenas portando garrafas retornáveis. A Coca Cola, patrocinadora oficial, distribuirá seus produtos em garrafas de vidro reutilizáveis. Em competições como a maratona, os atletas receberão água em copos recambiáveis. A Prefeitura de Paris demonstrou a importância da medida divulgando que, a cada ano, 14 mil mamíferos e 1,4 milhão de aves morrem devido à ingestão de resíduos plásticos. 

Mudanças em uma grande festividade com disputas de repercussão mundial, certamente, poderão contribuir para a reflexão sobre a importância de um novo padrão de consumo em relação aos plásticos, bem como para comunicar ao mundo, os graves problemas ambientais que decorrem como consequência da falsa facilidade e do frágil conforto que eles proporcionam. Os microplásticos provenientes do processo de degradação agravam ainda mais os riscos ambientais. Poluem águas, solo, ar e ameaçam a biodiversidade do planeta. Nem o leite materno escapa deles. Cientistas identificaram a presença dessas partículas no alimento mais precioso para o desenvolvimento saudável dos recém-nascidos. Os efeitos negativos para o desenvolvimento infantil não são totalmente conhecidos. O preço que a humanidade está pagando, sobretudo quando avaliamos as mudanças climáticas e os perigos à biodiversidade e à vida, nosso bem maior, é alto demais. 

O atraso na adoção de medidas não é de hoje, vem de muito tempo. Em 2011, surgiu na Austrália o movimento – Julho sem plástico – com o objetivo de dedicar o mês para reflexões sobre os prejuízos globais decorrentes da crescente geração desses resíduos e dos padrões insustentáveis de consumo. O evento completou 12 anos e, ainda, estamos falando em urgência. Não é mais possível esperar que o setor produtivo se transforme. É claro que precisamos pressionar por mudanças, novos materiais e produtos que possibilitem maior facilidade de encaminhamento à reciclagem. 

As pessoas deixam de exercer a sua força e o seu direito à mudança quando, passivamente, compram e aceitam produtos em embalagens não recicláveis ou mesmo quando, a coleta seletiva na sua cidade não existe ou é precariamente gerenciada. Dizer não é responsabilidade e cidadania. Uma economia circular é essencial para substituir o modelo linear – extração, processamento, distribuição, uso e descarte. O atual modelo desconsidera a esgotabilidade dos bens naturais e a necessidade de equilíbrio, tampouco respeita a capacidade de recuperação e de regeneração ambiental. A humanidade extrai e consome muito mais do que o planeta suporta. 

Pequenas ações também operam mudanças. Leve sacolas e embalagens retornáveis para as compras, em especial para o acondicionamento de frutas e verduras. Não é lógico colocar esses produtos em sacos plásticos para facilitar a pesagem e depois em novas sacolas descartáveis (acondicionamento duplo ou até triplo!). O tempo de vida de muitas destas embalagens é o percurso do mercado à casa do comprador. Em contrapartida, se não forem recicladas permanecerão quase eternamente no meio ambiente. Não podemos compactuar com o falso conforto dos descartáveis – carregue seu copo, sua caneca e seu canudo. Pesquise. Existem muitas alternativas no mercado para substituir os materiais plásticos.

Não dá mais culpar ou justificar nossa falta de ação com o velho discurso: – o processo é lento! Ele é tão lento quanto forem lentas nossa vontade e nossa disposição de mudança. Assumir a responsabilidade, sem jogar para o futuro e para as crianças o destino de um mundo melhor é mais do que urgente. É imperioso! A redução de impacto no meio ambiente repercute na nossa qualidade de vida. Não há vida saudável sem ambiente, igualmente, saudável. Não existe planeta B! Esperando o quê para iniciar a mudança? Eduardo Galeano nos conduz a uma importante e motivadora reflexão: “Nós somos o que fazemos para mudar, mas, principalmente, somos o que fazemos para mudar o que somos”. 

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Marta Tocchetto
Doutora em Engenharia. Professora aposentada do departamento de Química da UFSM

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