PNE: em 20 anos, poucos avanços no aumento do investimento em educação SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 19/07/24 18h48m
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Plano Nacional de Educação enviado ao Legislativo propõe metas não cumpridas em versões anteriores

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O governo federal enviou ao Congresso Nacional no último dia 27 de junho, o Projeto de Lei (PL) 2614/2024 que trata do Plano Nacional de Educação (PNE) para os próximos 10 anos (2024-2034). As diretrizes para a educação brasileira contêm 18 objetivos e 58 metas com as principais políticas, programas e ações envolvendo a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios.

O novo PNE vai substituir o plano estabelecido para o período atual (2014-2024), que deve ser prorrogado até o próximo ano, conforme prevê o PL 5665/23, aprovado pelo Senado e ainda em análise na Câmara das e dos Deputados. Entretanto, conforme avaliação do Grupo de Trabalho de Políticas Educacionais (GTPE) do ANDES-SN e de um pesquisador do tema do financiamento da educação, a proposta praticamente não avança em relação aos planos anteriores no que se refere a investimento.

Raquel Dias, da coordenação do GTPE, analisa que a meta ‘18.a’ (item do objetivo 18) prevê a ampliação do investimento público em educação para 7% do PIB até o sexto ano e 10% do PIB até o final da vigência do PNE. Entretanto, o PNE atual já prevê que até o quinto ano de vigência - que seria 2019 - essa meta deveria ter sido ampliada para 7% do PIB, o que não aconteceu.

Na avaliação da sindicalista, “chegamos ao final do PNE e temos uma aplicação de apenas 5% do PIB em educação pública e de 5,5% em educação como um todo. Portanto, colocar como meta ‘alcançar 7% do PIB até o sexto ano de vigência do PNE proposto’ é um retrocesso com relação ao PNE atual, que já prevê esse percentual até o quinto ano", apontou Raquel.

Raquel lembra que o projeto do governo também não atende o documento referência aprovado pela Conferência Nacional de Educação (Conae) para a elaboração do novo PNE. Ela cita que no relatório há uma previsão de ampliação de 7% do PIB até o quarto ano; de 9% do PIB até o oitavo ano e de 10% do PIB, no mínimo, até o final de vigência do plano. "Portanto, é um recuo em relação ao documento aprovado na Conae. Mais importante do que isso, é lembrar que o PNE de 2001 já previa os 7% e isso foi vetado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Então há muito tempo estamos perseguindo esses 7%”, ressalta.

Um histórico sobre os PNEs

Diego da Silva Tormes, que defendeu dissertação de mestrado na UFSM (2016) e uma tese de doutorado na UFRGS (2022) nas quais tratou do tema do financiamento da educação básica, explica que a história sobre a elaboração de planos nacionais de educação no Brasil, com a participação da sociedade, é recente.

A primeira dessas experiências, destaca ele, foi no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Em 2001, FHC aprovou o PNE com metas de financiamento, com duração de 10 anos, após um período em que também foram promovidos eventos para ouvir a população, mas em um contexto diferente, com uma comunicação tecnológica ainda capenga.

Na época, conforme Diego, o Plano previa metas de financiamento que, no entanto, em sua maioria, foram vetadas, com a justificativa de que não estavam previstas no Plano Plurianual da época. Já naquele PNE se mencionava um gasto de 7% do PIB em educação, frisa ele.

Antes da finalização da vigência desse Plano, já durante o governo Lula, começou-se o debate sobre um novo PNE, mas que acabou sendo encaminhado somente no governo Dilma, que conseguiu aprová-lo no Congresso somente em 2014, havendo, portanto, um hiato entre o final da vigência do anterior (2011) e a aprovação do novo, que está vigente até 2024.

O PNE aprovado no governo Dilma, enfatiza Diego, previa 10% do PIB de investimento em educação no final do período e no mínimo 7% do PIB no meio do período em que estivesse sendo executado. Hoje, o que o Brasil investe é aproximadamente 5% do PIB em educação. O próximo Plano, complementa ele, prevê a mesma coisa que o anterior, com a mesma lógica de financiamento. “Ou seja, nós estamos com as mesmas metas de 2001. Nós nunca atingimos a meta, nem no plano do FHC, nem no Plano da Dilma.”

Diego acha importante fazer uma relação entre o Brasil e outros países. “Se olharmos a relação investimento em educação com o PIB, a média dos países que compõem a OCDE (*) é mais ou menos na casa de 4,5% a 5% do PIB. Uns investem mais, outros menos. O Brasil, hoje, dependendo do modo que se analise, investe entre 5% e 6% do PIB em educação. E esse percentual está um tanto estável ao longo dos últimos 25 anos. Aumenta ou diminui dependendo da situação econômica que o país atravessa. E o percentual investido leva em conta todas as redes de ensino- federal, estadual e municipal”, assinala o pesquisador.

A dificuldade nas fontes de financiamento

Diego Tormes lembra que em todas as versões dos PNEs, sempre se discutiu meta de gastos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e que o Plano do governo Dilma tinha 20 metas, sendo que a meta 20 tratava de estratégias para ampliar as fontes de financiamento permanentes da educação. Isso em função de que se pretendia sair de 5% de investimento em relação ao PIB para 7% na metade da vigência do plano, chegando a 10% ao final de uma década.

Sendo assim, a estratégia era aumentar as fontes de financiamento, o que não foi possível, destaca o pesquisador, dado ao contexto político: o impeachment de Dilma (Rousseff), o governo de transição de Michel Temer e o governo de restrições orçamentárias de Jair Bolsonaro, agravado pelo impacto da pandemia e do pós-pandemia nas finanças públicas do país.

Ao terceiro governo Lula cumpriu o papel de enviar ao Congresso Nacional o novo projeto do PNE, com vigência de 10 anos. Para Diego, é importante que o Legislativo aprove o mais breve possível o projeto, o que permitiria a que estados, municípios e distrito federal aprovassem seus próprios planos, possibilitando assim que a sociedade possa começar a cobrar a implementação dessas propostas.

Todavia, na visão do pesquisador, há dois pontos específicos que dificultam a implementação do PNE, que são: as fontes de financiamento e as metas baseadas na relação com o PIB. Ele explica que o Brasil é um país que tem o financiamento da Educação protegido no texto constitucional, que diz que estados, municípios e distrito federal precisam gastar 25% do seu orçamento com educação e o governo federal 18%. Além disso, acrescenta ele, a legislação diz que existe uma alíquota, ou seja, um tributo adicional, chamado de salário educação, que funciona como fonte adicional.

Portanto, argumenta ele, as fontes de financiamento estão previstas e seguradas em lei, mas são poucas. O texto diz, em relação a estados e municípios, que são 25% da receita de impostos, mas, destaca ele, os estados arrecadam também taxas, impostos, e tem outros tributos que municípios arrecadam, e que poderiam ser acrescidos como fontes de financiamento, mas não o são. Diego avalia que é preciso considerar que a educação, como direito fundamental, passa a existir somente a partir da Constituição de 1988, o que significa que há, ainda, uma defasagem de investimentos de mais de um século.

Na avaliação do pesquisador, basear as metas de investimento tomando como base o PIB não seria o mais inadequado. Por qual motivo? Segundo ele, porque o PIB é um elemento ‘ex post facto’ (‘depois do fato posto’, ou seja, após apurado o crescimento econômico). Dessa forma, argumenta Diego, em períodos de grande bonança econômica, 10% do PIB parece alto, mas em períodos de crise, o gasto acaba sendo reduzido.

Diego sublinha que o PNE que está tramitando traz como novidade o foco em outras coisas que antes não estavam, como a educação indígena e a questão da infraestrutura das escolas. Todavia, ele ressalta que alguns pontos levantados pela Conferência Nacional de Educação (Conae) referente a financiamento, não foram incluídos na versão final do governo. E, em uma avaliação global, considera não haver avanços, pois “estamos repetindo, mais de 20 anos depois, as mesmas metas, que até hoje não foram alcançadas”.

Ensino superior

O GTPE do ANDE-SN assinala também no PL 2614/2024 o conteúdo específico relacionado à educação superior, que está contido nos objetivos de 13 a 15, relacionados com as metas 12 a 14 do PNE vigente. Conforme avaliação do GT, o primeiro ponto, contido no objetivo 13, trata, entre outras coisas, da ampliação da taxa líquida de acesso ao ensino superior, ou seja, das matrículas de estudantes com idade entre 18 a 24 anos, comparados com a população desta faixa etária, para 40%.

O PNE atualmente em vigor demarcou que elevaria para 33% essa taxa líquida. Contudo, de 2014 a 2022, a taxa líquida avançou de 18% para 20%, muito aquém do que a sinalização apontada no PNE vigente e no PL encaminhado ao Congresso Nacional, que precisaria dobrar o percentual atual para alcançar 40%.

Avaliação da Sedufsm

Para Marcia Morschbacher (foto abaixo), professora do departamento de Metodologia do Ensino da UFSM, também vice-presidenta da Sedufsm, o novo PNE certamente gera expectativas para a educação brasileira. No entanto, ressalta ela, a experiência com o PNE anterior “nos indica que entre a construção e aprovação do PNE e o alcance das metas, há uma série de desafios”. Na avaliação da dirigente da Sedufsm, o Congresso Nacional precisa ser pressionado para que o plano não seja modificado pelos setores conservadores, rebaixando, ainda mais, o que foi projetado, e evitando que pautas conservadoras sejam incluídas, à revelia da discussão realizada no âmbito da CONAE.

Em relação às metas de investimento na educação, que não foram cumpridas tanto no primeiro PNE (governo FHC) como no governo Dilma, Marcia faz algumas ponderações a serem levadas em conta. A primeira, que considera ter ocorrido um verdadeiro “apagão” na educação a partir do golpe de 2016 (impeachment de Dilma Rousseff) até o fim do governo Bolsonaro. Ela lembra que os cortes no orçamento da educação iniciaram ainda no governo Dilma, com a política de ajuste fiscal orquestrada pelo Joaquim Levy, mas argumenta que foi a partir do golpe, nos governos (Michel) Temer e (Jair) Bolsonaro, que o orçamento despencou.

A vice-presidenta da Sedufsm enfatiza que, sem financiamento, é impossível atingir as metas do PNE, pois a famosa fórmula neoliberal de “fazer mais com menos” não funciona na realidade concreta. Nesse sentido, defende ela, é fundamental que o governo Lula recomponha e amplie o orçamento da educação e que o Novo Arcabouço Fiscal seja revogado. “A luta do setor da educação por essas duas pautas deve prosseguir e se fortalecer”, enfatiza.

Em relação ao cumprimento da meta de ampliação no acesso ao ensino superior, Marcia Morschbacher afirma que só será factível com investimento público na educação pública. “Penso que essa meta precisa ser analisada do ponto de vista do compromisso do Estado brasileiro com a educação superior pública e não com a injeção de recursos públicos para a iniciativa privada, em que somente uma minoria de instituições tem compromisso com o ensino, a pesquisa e a extensão”.

Esses aspectos, articulados, diz a docente, asseguram uma formação consistente e à altura das necessidades do povo trabalhador brasileiro. Marcia lembra também que a meta do PNE, de ampliar a taxa líquida acesso para 40% da população de estudantes com idade de 18 a 24 anos, diz respeito somente ao “acesso “ao ensino superior. “A questão da permanência é outra questão fundamental que também precisa ser levada em conta”, ressalta.

Confira os 18 objetivos que contemplam a proposta do novo PNE:

1 - Ampliar a oferta de matrículas em creche e universalizar a pré-escola;

2 - Garantir a qualidade da oferta de educação infantil;

3 - Assegurar a alfabetização ao final do 2º segundo ano do ensino fundamental para todas as crianças, com inclusão e redução de desigualdades;

4 - Assegurar que crianças, adolescentes e jovens em idade escolar obrigatória concluam o ensino fundamental e o ensino médio na idade regular, em todas as modalidades educacionais, com inclusão e redução de desigualdades;

5 - Garantir a aprendizagem dos estudantes no ensino fundamental e no ensino médio, em todas as modalidades educacionais, com inclusão e redução de desigualdades;

6 - Ampliar a oferta de educação integral em tempo integral para a rede pública;

7 - Promover a educação digital para o uso crítico, reflexivo e ético das tecnologias da informação e da comunicação, para o exercício da cidadania;

8 - Garantir o acesso, a qualidade da oferta e a permanência em todos os níveis, etapas e modalidades na educação escolar indígena, na educação do campo e na educação escolar quilombola;

9 - Garantir o acesso, a oferta de atendimento educacional especializado e a aprendizagem dos estudantes público-alvo da educação especial e dos estudantes público-alvo da educação bilíngue de surdos, em todos os níveis, etapas e modalidades;

10 - Assegurar a alfabetização e ampliar a conclusão da educação básica para todos os jovens, adultos e idosos;

11 - Ampliar o acesso e a permanência na educação profissional e tecnológica, com inclusão e redução de desigualdades;

12 - Garantir a qualidade e a adequação da formação às demandas da sociedade, do mundo do trabalho e das diversidades de populações e seus territórios na educação profissional e tecnológica;

13 - Ampliar o acesso, a permanência e a conclusão na graduação, com inclusão e redução de desigualdades;

14 - Garantir a qualidade de cursos de graduação e instituições de ensino superior;

15 - Ampliar a formação de mestres e doutores, de forma equitativa e inclusiva, com foco na prospecção e solução dos problemas da sociedade;

16 - Garantir formação e condições de trabalho adequadas aos profissionais da educação básica;

17 - Assegurar a participação social no planejamento e gestão educacional;

18 - Assegurar a qualidade e equidade nas condições de oferta da educação básica.

Confira o PL 2614/2024.

(*) OCDE- Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, integrada por 38 países membros. O Brasil não é membro, mas é considerado um país chave na relação com o grupo.


Texto: Fritz R. Nunes com informações do ANDES-SN

Créditos: Foto principal com edição de Italo de Paula
Assessoria de imprensa da Sedufsm

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