Novas diretrizes curriculares trazem previsões para combater a evasão nas licenciaturas? SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 02/09/24 15h40m
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Docentes da Ufsm levantam causas para um possível ‘apagão’ das licenciaturas e analisam, também, necessidade de adequar oferta de cursos EaD

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Ao menos metade da carga horária dos cursos de licenciatura brasileiros deve, agora, ser presencial. Isso é o que está determinado na Resolução nº 02, que institui as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica. Publicado em 23 de junho de 2024 no Diário Oficial da União, o documento foi formulado pelo Conselho Nacional de Educação e aprovado pelo Ministério da Educação. Na semana passada, abordamos aqui outras questões desta resolução.

Ainda que para os cursos presenciais as alterações possam não demandar grandes mudanças, para os cursos oferecidos na modalidade Educação a Distância (EaD) a situação é outra. A obrigatoriedade de uma carga horária mínima a ser desenvolvida de maneira corporificada vem sendo encarada de duas maneiras dentro da comunidade universitária: por um lado, há quem diga que a determinação é positiva por ‘moralizar’ a Educação a Distância, que conheceu período de larga expansão nos últimos anos, sem, necessariamente, preocupação com a qualidade da formação; por outro, tem quem problematize a viabilidade de se efetivar uma carga tão alta de presencialidade em um momento no qual a educação superior goza de orçamento insuficiente para dar conta de suas necessidades.

Há, ainda, outra questão relacionada às licenciaturas de uma forma geral, e às licenciaturas na EaD de forma específica: as altas taxas de evasão.

Apagão das licenciaturas?

Não há dúvidas de que existem gargalos no percurso entre a matrícula do e da estudante no curso de licenciatura e o momento em que deveria receber seu diploma de conclusão.

Alguns estudos apontam para um possível “apagão” de professores e professoras da Educação Básica no Brasil. E isso parece ser confirmado por dados do Censo da Educação Superior de 2022, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep. Segundo o documento, ao menos 58% dos alunos e alunas de cursos de licenciaturas abandonam a universidade antes de receber o canudo.

Dentre os cursos avaliados no estudo, a licenciatura em Física apresentou a maior taxa de desistência acumulada (72%), seguida de Matemática (67%) e Filosofia (65%). Mesmo o curso com menor índice de desistência, Pedagogia, apresentou quase 50% de abandono.

Ricardo Mayer, docente e coordenador do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Ufsm, diz que, nos cursos em que leciona, a tendência nacional de desistência se confirma. “Mas quais são as perspectivas concretas de inserção laboral considerando a baixa remuneração dos professores e sua desvalorização profissional? De modo geral, muito provavelmente essa percepção tem um forte impacto na atratividade de todas as licenciaturas”, sugere o docente.

Na avaliação de Mayer, há uma equação desigual entre o tempo que os professores e professoras investem em sua formação e a remuneração efetiva que recebem ao exercer a profissão. O resultado é um baixo capital simbólico associado ao ser ‘docente’.

“Somam-se à baixa remuneração dos professores, não raras vezes, precárias condições de trabalho com excesso de carga horária em sala de aula e perda da autonomia decorrente do incremento de controles gerenciais sobre o trabalho docente. Em resumo, a profissão docente não possui prestígio social tornando-se pouco atrativa relativamente a outras profissões no mercado de trabalho”, comenta o professor da Ufsm.

“A causa da evasão é multifatorial  e, por isso, a Sedufsm foi contra, por exemplo, a volta do vestibular, cuja ‘motivação’ era a evasão. Entendíamos, ali, que a mudança na entrada não era a solução e que era preciso repensar a Universidade como um todo, discutindo todos os fatores que levam à evasão”, diz a diretora da Sedfusm, Neila Baldi. Ela explica que na Dança-Licenciatura, curso na qual leciona, os horários inviabilizavam que o e a estudante trabalhassem, pois havia disciplinas que parte ocorria de manhã e parte à tarde. “Se cada vez mais a Universidade pública recebe trabalhadoras e trabalhadores, os turnos de ensino precisam ser revistos: não é possível mais um curso integral e é necessária a ampliação dos cursos noturnos. Além disso, apesar da nossa política de gênero, a Universidade não acolhe as mães, muitas abandonam porque não têm rede de apoio e os turnos de aula se tornam inviáveis”.

Para ela, os currículos também precisam ser repensados e, neste sentido, a resolução de 2015 trazia temas atuais e pertinentes para a formação de qualquer profissional, não apenas docente. “Não podemos ignorar questões de gênero, de diversidade em geral, étnico-raciais, estes temas têm de estar no currículo e precisamos propor visões de currículo decoloniais e não eurocentradas.  Ou seja, o currículo tem de estar de acordo com o mundo em que vivemos hoje”.

Pedagogia do susto

Maria Eliza Rosa Gama, docente do departamento de Administração Escolar da Ufsm, também confirma, localmente, a tendência de desistência observada em âmbito nacional. No Centro de Educação (CE), por exemplo, a professora destaca que o volume de vagas ociosas é tão grande que vem levando o corpo docente a pensar formas de inovar em relação à oferta de novos cursos. E os índices de desistência são altos seja nos cursos presenciais, seja nos cursos oferecidos no formato EaD (educação a distância).

Para a docente, a evasão pode ser explicada tanto por motivos internos à organização dos cursos, quanto externos (sociais). Como gargalo interno ela cita a ‘pedagogia do susto’, termo cunhado pela professora Maria Inês Laranjeiras para expressar a espécie de susto que os e as estudantes levavam ao ser apresentados, apenas ao final do curso, a uma sala de aula de escola básica.

“[..] a dissociação da formação inicial com o campo da prática promovia um susto muito grande nos alunos quando eles iam se inserir nos estágios que eram sempre no final dos cursos. Então, eles iam tomar ciência do que era a profissão, do que era ser professor, da realidade das escolas, só ao final. Isso era considerado como um fator muito forte de abandono”, comenta Maria Eliza.

É por se ter mapeado essa dissociação como possível causa de evasão que foi proposta, em 2002, a Prática como Componente Curricular (PCC), em cuja essência estava a defesa de que a relação simbiótica entre teoria e prática fosse o princípio dos cursos de formação de professores. Então nós precisávamos resolver isso, que isso era da ordem pedagógica, vamos dizer assim, da ordem formativa. Eram coisas que as instituições e os currículos dos cursos poderiam resolver, independentemente dos outros fatores”, explicou a docente.

Ocorre que as PCCs não deram conta de resolver o fenômeno da evasão nas licenciaturas, pois há elementos externos à universidade que interferem na decisão de o aluno e a aluna seguirem ou não cursando a graduação que escolheu. E tais elementos, citados por Maria Eliza, conversam bastante com aqueles elencados por Mayer: más condições de trabalho, desprofissionalização e fragilização do fazer docente na educação básica.

Com as novas diretrizes, as PCCs foram substituídas pelo estágio supervisionado obrigatório desde o início dos cursos, somando 400 horas. O tema apareceu na nossa matéria da semana passada.

Contraponto

Ainda que os salários pagos aos professores sejam baixos, essa não deve ser a explicação principal para o fenômeno da evasão nos cursos de licenciatura. Para Cristiano Giacomelli, coordenador do curso de licenciatura em Química da Ufsm, um professor da educação básica de um estado ou de um município recebe, junto com o salário, benefícios, a exemplo da contribuição para o INSS ou o plano de saúde, que oferecem um conforto a mais que o encontrado na remuneração de outras profissões.

Um advogado ou engenheiro recém graduado, por sua vez, necessitam de ter uma educação financeira para contribuírem, todo mês, para a previdência social, sob pena de atrasar sua aposentadoria.

“Então quando você pensa na forma como a profissão do professor está constituída, eu digo que os salários são baixos, mas considerando todo o entorno que envolve os salários e esses outros benefícios, acredito que as licenciaturas são muito mais interessantes do que diversas outras profissões que têm um certo prestígio social, mas que, ao fim e ao cabo, não têm o mesmo retorno que as licenciaturas”, argumenta Giacomelli.

Outro fator que poderia explicar a evasão são as dificuldades de permanência dos estudantes. O professor de Química ressalta que a maioria das pessoas que acessa as licenciaturas apresenta mais dificuldades financeiras e, por isso, ele defende o fortalecimento de programas de bolsas como o PIBID. Contudo, mais uma vez, ele não acredita ser esse o motivo principal das altas taxas de desistência.

Para a diretora da Sedufsm, a permanência tem que ser garantida e, neste sentido, o PIBID nas licenciaturas pode contribuir. “Quanto ao mercado de trabalho, não apenas a remuneração como também as condições de trabalho precisam ser revistas para que a educação seja, de fato, priorizada e, com isso, torne-se atrativa”. Ela traz à tona também um problema que é a concorrência das licenciaturas EAD, cujas matrículas crescem exponencialmente, diferente das presenciais, fenômeno agravado depois da pandemia. “Muitas pessoas fazem a seguinte conta: se eu gasto 99 reais de mensalidade EAD e no presencial gasto mais que isso com o deslocamento, por que vou fazer presencial? E aí voltamos à necessidade de políticas fortes de estímulo à permanência”.

Sociedade do imediatismo

Chegamos, por fim, à tese de Giacomelli: nossa sociedade atual opera nas lógicas da intensidade e do imediatismo, preferindo se agarrar ao que gera resultado e prazer imediato – tudo que não é observado na docência.

“[...] quando pensamos na profissão de professor, as coisas não são intensas e imediatas. A profissão tem uma formação gradativa, depois o profissional trabalha na sala de aula e vai fazer a diferença para cada uma daquelas crianças ou adolescentes. O retorno não é com o mesmo nível de dopamina do que se vê em alguns outros casos ou, me refiro, um retorno ilusório mesmo, em algumas profissões, com alguns casos, que se pesca das redes sociais. Então as redes sociais estão causando um efeito bastante deletério nesse aspecto relacionado às profissões de um modo geral. Tanto que a gente vê que o nosso país é um país que se desenvolve muito na área de serviços e pouco na área de produtos, porque na área de produtos a retribuição, os frutos não se colhem da mesma forma ou de maneira tão rápida, além de exigir um investimento muito maior”, explica o docente.

No curso de licenciatura em Química, acrescenta, são ofertadas 37 vagas, das quais, geralmente, 30 são ocupadas. Desses ingressantes, as turmas formam entre 10 e 20 alunos, sendo, hoje, a licenciatura que mais forma estudantes no Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE). Ao longo dos últimos dez anos na coordenação do curso, Giacomelli tomou algumas providências para tentar diminuir a desistência estudantil, a exemplo de realocar a aprendizagem de conteúdos mais complexos de física e cálculo para semestres posteriores. Ainda assim, a tendência de evasão segue sendo observada.

Na avaliação do docente, é preciso que o Estado tenha uma política específica para a formação das licenciaturas. Junto a isso, em âmbito local, sugere, a gestão da Ufsm poderia lançar um olhar mais atento a essa questão, congregando, por exemplo, os cursos que guardam características em comum para tratar dessas dificuldades.

“Um trabalho mais dialogado, com contribuições de profissionais de diversas áreas, traria resultados melhores, acredito. Temos 13 licenciaturas no CCNE. Me parece que, do ponto de vista das licenciaturas, o mais importante é a formação do futuro educador. Por isso que eu acredito que licenciaturas deveriam estar no centro de educação e não no CCNE”, opina Giacomelli.

Oferta da EaD tem de ser recalculada

Andrea Reginatto, coordenadora do Curso de Letras Português EaD/UAB/UFSM, e Vanessa Ribas Fialho, ex coordenadora do Curso de Letras Espanhol EaD/UAB/UFSM, avaliam a EaD como fundamental para a interiorização do ensino superior, contudo, defendem a elaboração de critérios mais elaborados de oferta dos cursos, a fim de que esses atendam às necessidades formativas de cada região e, com isso, apresentem também menos taxas de evasão.

“Acreditamos que desde o início o propósito dos Cursos da Modalidade EaD está atrelado ao incremento da oferta de cursos de graduação e de pós-graduação, em nível de especialização, a fim de atender regiões do Brasil nas quais a oferta é precária. Se observarmos as ofertas dos anos entre 2008 a 2015, muitas regiões não tinham instituições públicas para formação de professores. De lá para cá, o cenário foi alterado e o que vemos é uma oferta baseada  em uma demanda que nem sempre reflete a realidade local [...] Apesar dos desafios, a expansão da EaD tem sido significativa no aumento do acesso ao ensino superior, especialmente em áreas anteriormente desatendidas, como mostram os dados de matrículas e formandos nos últimos anos”, escrevem, em resposta à Sedufsm, as professoras.

Quando questionadas sobre evasão nos cursos superiores, elas reconhecem que esse é um assunto a assombrar as instituições públicas e privadas, remotas ou presenciais, país afora. “Desde a pandemia temos observado um crescimento de fragilidades em nossos alunos, sejam elas fruto de questões emocionais, econômicas ou de outra esfera”, acrescentam.

Embora a solução para o fenômeno da evasão não seja simples, as docentes destacam projetos e ações da Ufsm que já estão em andamento e objetivam dar mais apoio aos estudantes para que se fortaleçam em sua trajetória acadêmica.

“A CAED é um setor que auxilia também os cursos EaD, mediante oferta de oficinas e apoio psicopedagógico, o que pode minimizar o fluxo de evasão, que é uma realidade decorrente de diferentes fatores. Nós pensamos que a modalidade não é a responsável pela evasão. Há alunos que embora busquem uma vaga não têm perfil para formação de professores e tampouco para EaD. Talvez a oferta deva ser recalculada, buscando locais onde a demanda é significativa, onde há falta ou previsão de déficit de educadores em diferentes componentes curriculares. Há um apagão previsto no mercado para um prazo de 10 anos. É preciso incentivar e valorizar as licenciaturas para que elas ocupem o lugar que merecem”, concluem.

Mas, mesmo frente à desvalorização e a um mundo que privilegia o resultado fácil e passível de validação nas redes sociais, há pessoas que escolhem, de forma consciente, o rumo da sala de aula.

“A maior parte dos nossos alunos já estão no mercado, muitos já atuam em escolas e visualizam na profissão professor uma alternativa de alavancar a carreira, embora todos nós saibamos que a remuneração não é atrativa, ainda há muitos que escolhem a licenciatura por acreditarem no potencial da educação. Na turma que ingressou neste ano, um aluno comentou em uma aula presencial que ele estava realizando um sonho”, escrevem Andrea e Vanessa.

Entenda melhor as novas diretrizes curriculares

Na semana passada, lançamos, aqui em nosso site, matéria com depoimentos avaliativos de docentes da Ufsm a respeito das novas previsões de carga horárias presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica. Leia aqui.

Segundo as novas normas, as licenciaturas devem ter um mínimo de 3.200 horas de atividade acadêmica e uma duração mínima de quatro anos, sendo que, ao longo deste período, devem ser reservadas 880 horas à formação geral básica, 1.600 horas ao aprofundamento dos conhecimentos específicos de cada curso, 320 horas de atividades de extensão e 400 horas de estágio curricular supervisionado. A totalidade das horas de extensão e de estágio, bem como 880 horas das 1.600 destacadas para o conhecimento específico, devem ser presenciais.

 

Texto: Bruna Homrich

Imagem1: Lucio Jr./Agência Brasil

Imagem 2: Banco de Imagens

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

 

 

 

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