Descartadas: terceirizadas com quase 20 anos de casa são demitidas na UFSM SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 19/12/24 17h56m
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Para a Sedufsm, demissão expõe a fragilidade da terceirização, o sucateamento e a precarização do trabalho na lógica neoliberal

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“Boa Noite, tudo bem?

Amanhã você se apresenta na Sede da Empresa, no Centro às 08:00h, você cumprirá o resto do aviso lá. Procure o Supervisor (nome ocultado) no Operacional, onde ele irá indicar um local. Não precisa mais vir até a UFSM.

Qualquer dúvida estou à disposição.”

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Foi essa mensagem que Kátia (nome fictício, usado para proteger o anonimato da fonte), trabalhadora da empresa Sulclean, recebeu na noite de 25 de novembro de 2024. Ela, que trabalhava há quase vinte anos na UFSM, não teve tempo de se despedir da comunidade de seu local de trabalho, considerado uma segunda casa.

“Foi bem triste. Trabalhei normal na segunda e à noite só mandaram um WhatsApp dizendo que não era mais para ir na UFSM. Para mim foi muito ruim, me senti muito mal. Não tiveram a mínima consideração com a gente. É triste tanto tempo e do dia pra noite mudar tudo. Poderiam ter conversado com a gente. Primeiro as mais antigas receberam o aviso. Depois as mais novas. Tem umas que choram dia e noite pelo modo como fomos tratadas, descartadas”, disse Kátia à Assessoria de Imprensa da Sedufsm. Ela havia recebido seu aviso prévio há algum tempo, e estava cumprindo-o na UFSM. Após o dia 25, tem trabalhado em outro local e sob outra carga horária. 

A mesma mensagem foi enviada à Simone (nome fictício, usado para proteger o anonimato da fonte), também na noite do 25 de novembro. “Eu trabalhei mais de 20 anos lá, e o meu aviso chegou. Por que foi feito isso conosco? Eu nunca dei motivos pra empresa. Fiquei muito triste. É muito tempo de dedicação, é uma vida da gente ali dentro, e o centro [no qual trabalhava] é maravilhoso. As professoras, funcionários são pessoas muito legais”, contou a funcionária, hoje também realocada para outro local, sob outra carga horária, para terminar de cumprir o aviso prévio. Tamanho carinho a comunidade do centro tinha por Simone que, sabendo do aviso prévio, planejava fazer uma despedida para ela. Não deu tempo. Quando questionou o porquê de sua demissão, ouviu que não haveria mais contrato para a carga horária que ela cumpria na instituição. 

Outra trabalhadora que recebeu a mensagem acima exposta foi Valesca (nome fictício, usado para proteger o anonimato da fonte). Após 18 anos de empresa e 10 anos trabalhando no mesmo local da UFSM, ela recebeu seu aviso prévio. 

“Recebi aviso prévio em outubro, mas com a alegação que seria formalidade, que logo teria negociação e trocaríamos de horário (sairíamos da escala de 8h com intervalo de 4h), que esse horário seria ajustado para melhorias. Mas no dia 25 de novembro à noite recebi a mensagem que não voltaríamos mais para a UFSM. E hoje cumpro o término do aviso em outro local”, contou.

Às histórias de Kátia, Simone e Valesca juntam-se várias outras, que, após anos de dedicação, foram interrompidas, sem maiores explicações, com um aviso prévio. E, enquanto cumpriam o aviso despedindo-se, aos poucos, daqueles rostos que lhe eram tão cotidianos, foram avisadas de que a despedida seria abreviada, pois, em suas últimas semanas de empresa, seriam direcionadas para outros locais de trabalho. 

Após receberem, na noite de 25 de novembro, a mensagem explicitada no início desta reportagem, algumas trabalhadoras entraram em contato com a Sedufsm solicitando auxílio ou orientação pois, sentindo-se lesadas pela empresa, gostariam de reivindicar seus direitos. O sindicato recebeu, ainda, relatos de professores e professoras consternados com a ausência repentina das e dos trabalhadores conhecidos e com as dificuldades que essa troca abrupta, no final do semestre, gerou em suas dinâmicas de trabalho. 

Desde então, nossa Assessoria de Imprensa começou a investigar o porquê das demissões e de as funcionárias terem sido retiradas de seus postos de trabalho na UFSM literalmente do dia para a noite. Após ouvir os depoimentos das trabalhadoras, buscamos a empresa Sulclean, que deu o seguinte retorno: “Esse assunto deve ser tratado com a universidade, eles saberão lhe explicar o motivo do ocorrido, a empresa somente presta o serviço conforme necessidade da contratante”. 

Nova licitação - Em entrevista à nossa Assessoria, o coordenador de Serviços Gerais da UFSM, Gustavo Chiapinotto, explicou que, no dia 26 de novembro, teve início um novo contrato de portaria com a Sulclean, fruto de um novo processo licitatório vencido pela empresa. Algumas adequações foram solicitadas pela universidade, a exemplo da carga horária exercida pelas e pelos trabalhadores. 

“Esse novo contrato buscou atender às demandas da Polícia Federal e Ministério Público em relação aos acessos indevidos e consequentes furtos de bens permanentes nos prédios da UFSM. Foi uniformizada a carga horária de todos os prédios para atender das 7:00 às 23:00, sem intervalos entre turnos e sem deixar as portarias descobertas”, disse Chiapinotto, que garantiu não ter ocorrido cortes de postos de trabalho no setor de portaria da UFSM. E os dados repassados por ele confirmam: enquanto no contrato antigo, que se encerrou em 25 de novembro, existiam 32 postos e 65 funcionários, o novo contrato contempla 57 postos de trabalho e 92 funcionários. Ou seja, a universidade não apenas manteve, mas aumentou os postos. 

Se o problema era a adequação de carga horária exigida pelo novo contrato licitatório, as trabalhadoras demitidas ouvidas pela Sedufsm afirmaram que, se a empresa tivesse proposto, elas teriam aceitado mudar suas jornadas de trabalho. É o caso de Rosana (nome fictício, usado para proteger o anonimato da fonte), que diz ter levado quase um ano para se adaptar ao trabalho de portaria.

“Eu teria continuado. Eu levei quase um ano para conhecer tudo, para saber quem era do laboratório, quem era aluno, quem era federal. Depois desse um ano eu comecei a levar meu trabalho mais de boa, porque eu sofri bastante até aprender. Eu já estava tirando de letra. É muito difícil tu sair depois de aprender. Tem professores que me ligaram e ficaram horrorizados. Eu fui no outro dia me despedir. Sempre me dei bem com todo mundo. Eu tinha muita intenção de ficar, eu gostava do meu trabalho, foi um choque”, partilha Rosana. 

Ela ouvira de um superior que, quando uma licitação chegava ao fim, a empresa dava o aviso prévio, mas quem quisesse poderia permanecer. Quando recebeu o aviso, então, achou que esse era o cenário. “Demos por certo que íamos continuar trabalhando. Mas quando meu aviso terminou, o chefe nos chamou e disse que não iam ficar conosco, que iam pegar três funcionários de seis horas e dispensar nós de oito horas”, relata Rosana. 

No dia 26, ao se apresentarem no escritório da Sulclean, as trabalhadoras que concederam entrevista afirmaram terem sido encaminhadas para assinar um termo de alteração de contrato de trabalho, onde se comprometiam a assumir funções e cargas horárias distintas das exercidas na universidade.

Cabe destacar, ainda, que as demissões ocorreram nos campi da UFSM em Santa Maria, Frederico Westphalen e Palmeira das Missões.

De quem é a responsabilidade pelas demissões? 

Em entrevista à nossa Assessoria, o pró-reitor de Administração da UFSM, José Carlos Segalla, esclareceu que a relação de trabalho é estabelecida entre a Sulclean e seus trabalhadores, não tendo a universidade poder para contratar, demitir ou interferir de qualquer forma nesse vínculo. Assim, segundo o gestor, quem teria de responder sobre as demissões seria a empresa. 

“O contrato de portaria ia terminar no dia 25 de novembro. A UFSM abriu licitação e a Sulclean foi novamente vencedora. Quando terminou o contrato [no dia 25], já tínhamos outro assinado. Fizemos um estudo e mudamos alguns postos de trabalho. A Sulclean sabia disso, pois fizemos a licitação com antecedência. A empresa poderia realinhar esses trabalhadores, colocar no mesmo ou em outro posto, desde que atendessem à especificação do posto. A universidade não cortou postos de trabalho”, explica Segalla. 

Após a entrevista com o pró-reitor, contatamos novamente a empresa Sulclean para questionar quantos trabalhadores foram demitidos nessa mudança de contrato e sobre o porquê das demissões. Até o fechamento desta matéria, não recebemos retorno. 

Também contatamos por diversas vezes o Sindicato dos Trabalhadores em Serviços Terceirizados de Santa Maria (Sinteps), porém não obtivemos retorno.  

Reflexo perverso do neoliberalismo na Educação - Nesse embate e contradições entre empresa e universidade, o elo mais fraco são as e os trabalhadores demitidos e as e os novos contratados, que também ingressam em uma lógica de precarização e sucateamento. Neila Baldi, diretora da Sedufsm, pontua que as demissões na Sulclean e seus consequentes desdobramentos no trabalho docente referendam a defesa que o Sindicato faz da estabilidade no serviço público e do fim da terceirização. 

“A gestão da UFSM sabia que as demissões ocorreriam, pois havia mudança na jornada de trabalho e os/as trabalhadores/as estavam em aviso prévio. Mas em nenhum momento a gestão comunicou os setores. Ora, você contrata um serviço, sabe que vai mudar e não avisa quem é afetado/a pelo serviço? Houve, neste sentido, um descaso da Administração. E, mais que isso, houve um tratamento desumano com os/as trabalhadores/as e com quem convivia conosco. Todos/as nós, que trabalhamos na UFSM ou para a UFSM, somos trabalhadores/as da educação. Cada ponta é importante e há uma rotina neste cotidiano de trabalho”, reflete a docente. 

Salientando as críticas da seção sindical docente à falta de diálogo e de democracia da atual gestão da universidade, Neila diz que as e os trabalhadores são enxergados apenas como números. “Fomos alijados/as de nos despedir daqueles/as que conviveram conosco anos e estas pessoas foram descartadas como mercadoria. Fomos comunicados/as que nossos colegas saíram depois que os/as novos/as entraram. Em Administração isso se chama Gestão de Pessoas.  E isso se reflete no trabalho. Na avaliação do sindicato, trata-se de um reflexo perverso do pensamento neoliberal sobre a educação”, atesta a dirigente. 

A demissão tem gênero - Por falta de retorno da empresa, nossa reportagem não conseguiu apurar quantos trabalhadores e trabalhadoras foram demitidas, mas, por relatos das fontes, sabemos que, no dia 26 de novembro, o escritório da Sulclean, localizado na Rua Visconde de Pelotas, estava repleto de mulheres, que para lá se dirigiram orientadas pela mensagem recebida na noite anterior. Em sua maioria mulheres já próximas à aposentadoria e com muitos anos de casa. 

E, neste dia, estudantes, técnico-administrativos em educação e professores/as que chegavam aos prédios da UFSM foram recepcionados por novos rostos. Muitos/as docentes enviaram mensagens de WhatsApp às trabalhadoras dispensadas questionando o que havia acontecido. Ninguém estava compreendendo nada. 

Em contato com a Sedufsm, a professora Andrea Cezne, do departamento de Direito, disse ter se sentido chocada com a situação. 

“Estamos tendo de lidar com toda a função de um semestre conturbado, que exigiu muito mais trabalho online. E ainda por cima no final do semestre temos uma mudança dessas, que sim, prejudica o andamento do trabalho. São pessoas que não estão tendo treinamento. Tínhamos pessoas que trabalhavam ali há anos e faziam um ótimo trabalho. Fora a questão trabalhista e humanitária. Eu estou chocada”, relata a docente. 

Ela, que muitas vezes tem de dar aula à noite, conta que as e os trabalhadores da portaria são o único apoio após as secretarias fecharem. 

“E aí só conseguimos contar com os funcionários terceirizados que estão na portaria. E agora esses funcionários foram todos trocados. Isso afeta a nossa atividade. Independente disso, temos de prestar solidariedade a esses trabalhadores que foram mandados embora no final do ano, sem explicação nenhuma”, critica Andrea.  

Ela chegou a escrever um email à Proinfra questionando a troca de trabalhadores das portarias, mas não obteve retorno. Embora a universidade não possa de fato interferir na relação trabalhista entre a empresa e seus funcionários, a professora defende que a instituição tenha parâmetros mínimos na própria licitação, a fim de coibir práticas desrespeitosas como a observada neste final de semana. 

“Não adianta falar somente em menor preço. Mas aparentemente o que mais importa é custo na licitação. Uma vergonha para a universidade colaborar com esse tipo de prática de precarização”, contesta a docente.

O que restará quando tudo for terceirizado? 

A forma como as demissões de trabalhadores e trabalhadoras terceirizadas da UFSM foram conduzidas e os atrapalhos que isso gerou no cotidiano dos centros de ensino jogam luz sobre um debate que há muito o movimento sindical docente já traz: as ameaças do avanço da terceirização na universidade. Embora as e os docentes e servidores técnico-administrativos em educação tenham estabilidade no trabalho, esse direito está sempre na berlinda, pois, volta e meia, surgem projetos que o flexibilizam ou suprimem por completo. Exemplo é a própria Reforma Administrativa. 

“A terceirização significa a precarização do trabalho e, mais que isso, a instabilidade, o que gera insegurança para quem trabalha e, mais que isso, pode provocar subserviência para não se perder o cargo. Na Administração Pública isso é grave e configura-se um retrocesso ao ponto do que tínhamos antes da Constituição de 1988”, pondera Neila, diretora da Sedufsm. 

Na avaliação da dirigente, está em curso um projeto de enxugamento do Estado e, em consequência, do quadro de servidores/as das universidades. Na UFSM, destaca, a implantação do PGD (Programa de Gestão e Desempenho) foi uma porta aberta para a terceirização das e dos técnico-administrativos em educação. A unificação das secretarias também foi outro exemplo trazido por Neila para ilustrar o avanço da precarização. 

“A depender do andamento do nosso Congresso Nacional, caminha-se para só ter servidor/a público da área fim. Neste pensamento, errôneo, a área fim seria a docência. Como classe trabalhadora que somos, precisamos estar juntos/as lutando contra a terceirização, contra a precarização do trabalho. Por isso, desde que a Sedufsm soube das demissões, se colocou ao lado dos/as trabalhadores/as da Sulclean. Precisamos estar atentos/as à reforma administrativa, no Congresso Nacional, e às propostas de reformas administrativas internas da UFSM que caminham nesta direção de pensamento neoliberal na educação, pois direcionam para a extinção de cargos e o aumento da terceirização”, conclui a dirigente. 

Finalizamos esta reportagem com a mensagem enviada por uma trabalhadora demitida da Sulclean para divulgação na Sedufsm:

“A Voz das Mulheres: Um Apelo por Dignidade e Respeito

Nos últimos dias, diversas mulheres, com décadas de dedicação a órgãos federais, foram abruptamente desmobilizadas de seus postos de trabalho. Essas funcionárias, que dedicaram entre 15 a 20 anos de suas vidas ao serviço público, foram surpreendidas por demissões.

Essas mulheres, muitas delas com quase 60 anos, foram tratadas como números em um processo administrativo que desconsiderou suas trajetórias e contribuições. A forma como foram removidas e levadas para outros locais de trabalho, sob pressão para assinar novos contratos, é uma clara demonstração de desrespeito e desumanização.

É inaceitável que profissionais que se dedicaram por tanto tempo a um serviço sejam desmoralizadas e coagidas em um momento tão delicado. O impacto emocional e psicológico dessa situação é profundo, não apenas para as afetadas diretamente, mas também para suas famílias e comunidades.

Fica aqui o nosso apelo por justiça e dignidade. É fundamental que as vozes dessas mulheres sejam ouvidas e que medidas sejam tomadas para garantir que situações como essa não se repitam. O respeito ao ser humano deve prevalecer em qualquer administração”.

 

Texto: Bruna Ottobeli, com colaboração de Fritz Nunes

Arte: Italo de Paula 

Assessoria de Imprensa da Sedufsm 



 

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