Sindicato, ontem e hoje Publicada em 09/11/2020 3766 Visualizações
Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência”.
(Bertold Brecht)
A forma como os sujeitos políticos decidem se organizar na vida civil atesta suas compreensões acerca dos valores da democracia e da liberdade pública. Experiências associativas ocorreram ao longo do tempo, motivadas por interesses de participação e maneiras de representar reivindicações comuns, próprias de determinadas categorias profissionais, em suas especificidades.
A história do movimento sindical, no Brasil, expressou a importância do laço social, que significou a defesa de valores democráticos, com todas as suas consequências, como a garantia das liberdades políticas e civis. Agrega-se a essa história o crescimento do sindicalismo em termos de avanços e conquistas de seus associados, configurando o espaço de luta das diversas categorias, referente às condições dignas de trabalho e salários, no enfrentamento dos gestores do Capital.
A singularidade e a importância dos professores e o papel social que desempenham trouxeram à cena pública a necessidade de encaminharem suas reivindicações via organização sindical, nas instituições em que trabalham, públicas ou privadas. O desejo associativo potencializou o reconhecimento público da força política dos professores, como categoria trabalhadora. Seus pleitos profissionais, suas reivindicações salariais, seu desejo de participar efetivamente da condução do processo educativo e científico, na sua integralidade, fortaleceu nos anos 80 a ideia da sindicalização.
A experiência sindical, na Universidade Brasileira, evidenciou além do que já foi referido, uma aproximação dos professores com as demais categorias de trabalhadores, com experiências sindicais vividas há mais tempo. Os professores, nesse processo, conseguiram compreender que eram trabalhadores do ensino e da educação e construíram seu lugar de fala, o que os capacitou a serem reconhecidos, em suas reivindicações, não apenas, pelos patrões privados, mas pelos gerentes públicos.
A Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior (ANDES) fundada em Campinas-SP, em fevereiro de 1981, representou um primeiro passo para a sindicalização dos professores universitários. Essa era uma luta já construída no Movimento Docente (MD) que reunia, na época, (metade dos anos 70) professores de universidades públicas e privadas para debaterem a possibilidade de uma organização de professores, em âmbito nacional. Estive em Campinas nesse congresso de fundação. Lembro que além da emoção que nos tomou pela efetividade da associação que nascia, enquanto professores, vivendo num regime autoritário, tínhamos presente a intensidade da luta que nos desafiava, ao mesmo tempo que sabíamos de nossos limites ao organizar uma entidade, cuja amplitude territorial abarcava esse país gigantesco, com toda precariedade de subsídios financeiros e tecnológicos.
A luta fundamental da Andes era a defesa da Universidade pública, gratuita e democrática. Enfrentava-se, desse modo, as políticas privatistas do MEC, que seguia os ditames do governo dos generais. Um dos aspectos fortes dessa plataforma era a democratização interna da Universidade e o fortalecimento da ideia de isonomia, sem diferença de tratamento entre autarquias e fundações.
A vida seguiu seu ritmo e as Associações Docentes, que patrocinaram a criação da Andes, evoluíram em suas compreensões e demandas políticas, realizando trocas e aproximações com organizações sindicais, chegando ao entendimento de que a Andes deveria se filiar a Central Única dos Trabalhadores (CUT), tornando-se um sindicato com base nacional. A ANDES se torna Sindicato Nacional, em 1988. As divergências surgiram entre os professores, que recusaram a proposta da filiação da Andes a CUT, exigindo de suas diretorias o não acatamento a tal proposta. A Associação de Professores da UFSM foi uma das entidades que não aceitou a filiação, apoiada por parte de seus associados.
Cria-se na UFSM, a Seção Sindical, filiada a ANDES-Sindicato Nacional, SEDUFSM, em novembro de 1989. Novo tempo, nova organização, novos filiados e passaram-se 31 anos de um trabalho contínuo em defesa da Universidade pública, gratuita, democrática e de qualidade.
Sabemos que a luta por uma cidadania consequente, responsável e agregadora não encontra facilidades. O sindicalismo de ontem e de hoje viveu e vive suas contingências em plenitude. Tem em sua história as mesmas características de avanços e recuos, de acertos e de erros, próprias de qualquer atividade humana. É uma história marcada pelo espírito democrático e independente, que buscou a efetividade da justiça, nos procedimentos reivindicatórios e nas relações de trabalho, como expressão dos direitos da cidadania.
Neste momento brasileiro, de enfrentamento estratégico, acentua-se uma exigência, a de que se libertem as subjetividades de visões imediatistas, para que se fortaleça a maximização da liberdade pública. Com essas medidas, podem ser restaurados vínculos culturais e políticos, na perspectiva de um procedimento ético emancipatório.
Há, nesse limite, a necessidade da criação de condições mínimas que interrompam o círculo opressor do Estado sobre o cidadão. Que se produzam interrupções sequenciais das instâncias de dominação de parte das instituições e que se intensifique a resiliência política, de forma a possibilitar as diferentes falas, viabilizando a ousadia da inteligência.
Sobre o(a) autor(a)
Por Cecilia PiresProfessora aposentada do curso de Filosofia da UFSM