Aspectos econômicos da Independência SVG: calendario Publicada em 14/09/2022 SVG: views 2801 Visualizações

A ideia de contar a história do Brasil de uma forma leve e recheada de curiosidades rendeu ao jornalista paranaense Laurentino Gomes vários sucessos editoriais, como “1808”, “1822”, “1889” e o mais recente “Escravidão”, primeiro de uma nova trilogia. Por exemplo, o quadro o “Grito do Ipiranga”, de Pedro Américo, que mostra D. Pedro I, em traje de gala e montado em um belo cavalo alazão, é uma cena que nunca existiu. Na verdade, a montaria do Príncipe era uma mula e não um cavalo. O quadro – um dos mais visitados na reinauguração do Museu do Ipiranga, na capital paulista – nem mesmo é original, sendo uma cópia quase idêntica de uma obra de um pintor francês, feita 13 anos antes, para comemorar uma famosa vitória de Napoleão Bonaparte

Em 1822, o Brasil possuía 4,5 milhões de habitantes, sendo 90% da população analfabeta. De cada três brasileiros, dois eram escravos. O país era uma economia agrária atrasada, dominada pelo latifúndio, pelo tráfico de escravos e dependente de quase tudo do estrangeiro.  Embora, a maioria dos autores reconheça que, nos 13 anos que a família real permaneceu no Brasil, tenha havido vários melhoramentos – como a abertura dos portos (que beneficiava sobretudo a Inglaterra), a fundação do Banco do Brasil, da primeira faculdade de medicina (em Salvador), e o próprio surgimento da imprensa (proibida até 1808), sem contar que o Rio de Janeiro passou a ser a capital do Reino.

 Ao retornar a Lisboa, em 1821, o rei D. João VI tomou uma última providência: “limpar” os cofres do Banco do Brasil e encaixotar o ouro, diamantes e outras pedras preciosas estocadas no Tesouro. Ou seja, ao assumir o trono brasileiro, D. Pedro I encontrou os cofres vazios. Para piorar as coisas, as despesas representavam o dobro da arrecadação de impostos e, para fechar as contas, o país contraía dívidas. No final de 1821, o Brasil tinha uma dívida com a Inglaterra ao redor de 2 milhões de libras. Após o grito do Ipiranga de 1822, sucederam-se longas disputas com a metrópole portuguesa, que somente reconheceu a independência do Brasil em 1825.

Além das finanças, o Império nascia em meio a importantes mudanças no campo econômico. O ciclo do açúcar havia chegado ao fim e a mineração de ouro e diamantes, nas Minas Gerais, estava em decadência. O Brasil era uma economia primário-exportadora que não estava inserida no desenvolvimento da economia europeia, como a colônia inglesa da América do Norte, que se beneficiou desde os primórdios da Revolução Industrial, por exemplo, como fornecedora da matéria-prima algodão para a indústria têxtil. Os preços dos produtos exportados pelo Brasil, como o açúcar, entraram em queda desde que outras regiões começaram a participar da oferta mundial. Vale lembrar que o café, na época da independência, era cultivado em pequena escala e não tinha a importância na pauta de exportações, que viria a ter no final do século XIX.

O que mudou no Brasil, naquela época, com a decretação da independência de Portugal? Do ponto de vista econômico, muito pouca coisa. No meu livro Manual de Economia Brasileira – da formação econômica à economia contemporânea (editora UFSM), abordo vários enfoques sobre o tema. Há quem diga que, a partir dessa data, oficialmente, o Brasil deixou de ser colônia de Portugal para ser colônia da Inglaterra. É bem provável, porque os produtos ingleses tinham tarifas mais baixas do que os oriundos de Portugal, nos portos brasileiros. Embora, antes da Independência, Lisboa fosse apenas uma espécie de entreposto comercial, por onde passavam os produtos brasileiros antes de chegar à Inglaterra (inclusive o ouro).

Outra controvérsia é por que as ideias liberais não tiveram penetração no Brasil como nos Estados Unidos? A tese predominante, de Celso Furtado, é que, à exceção do Visconde de Cairu, não havia sequer uma classe de comerciantes de importância que pudesse se interessar pela indústria. Uma outra versão (do historiador João Fragoso, no livro Homens de grossa aventura) acredita já existir uma classe de comerciantes que controlava o crédito e o abastecimento e tráfico de escravos e foram esses homens – e não os grandes proprietários de terras – que financiaram a Independência. Por quê esses comerciantes com recursos não investiram na indústria? Simplesmente, porque o uso do trabalho escravo tornava mais lucrativo o investimento na agricultura.

Dois séculos nos separam do famoso grito “independência ou morte”, de 7/9/1822. O gesto foi mais simbólico, já que, na prática, o modelo econômico escravocrata resistiria por várias décadas. Pedro I governaria o Brasil até 1831, ano que abdicou e foi para Portugal impedir que o irmão ocupasse o trono, após a morte do pai D. João VI, que desejava para sua filha, a princesa Isabel. Com a mesma pressa que saíram de Lisboa, fugindo de Napoleão Bonaparte, os membros da corte portuguesa deixaram o Brasil para trás. Há registro de que a rainha Carlota Joaquina odiava ter que viver nos trópicos. Esqueceram de reconhecer que, não fosse a riqueza da ex-colônia, Portugal não teria sobrevivido em meio às potencias europeias da época.

Após o término do primeiro reinado de D. Pedro I e do período regencial, o problema da dívida voltaria a se agravar com a Guerra do Paraguai, que forçou o Império do Brasil a contrair novas dívidas para financiar os esforços de guerra. Pedro I, assumiu o trono português com o nome de Pedro IV e faleceu em 1834. Seu corpo foi transladado para o Brasil em 1972, porém seu coração permanece trancafiado numa igreja da cidade do Porto. Está de passagem no Brasil para as comemorações dos 200 anos da Independência – simplesmente ignoradas pelo atual governo, que transformou o dia cívico do 7 de setembro em campanha eleitoral.