STF suspende votação do Marco Temporal, mas tema preocupa indígenas
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Atualizada em
26/10/20 18h41m
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Se aprovado, Marco só demarcará terras que já eram ocupadas no dia da promulgação da Constituição
A discussão sobre o Marco Temporal das terras indígenas, prevista para ocorrer nesta quarta-feira, 28 de outubro, no Supremo Tribunal Federal (STF), foi adiada e ainda não tem nova data marcada. Longe de ser motivo de alívio, contudo, o tema preocupa ainda mais lideranças e entidades indígenas porque, agora, um dos ministros votantes será Kassio Marques, indicado por Bolsonaro para substituir Celso de Mello, que se aposentou. Marques já deu declarações afirmando ser de seu interesse limitar as demarcações de terras indígenas no país.
O julgamento que ocorreria nesta quarta – e que demanda vigilância pois pode voltar à pauta de votação a qualquer momento – vinha sendo considerado central para a questão das terras indígenas no Brasil, visto que, na ocasião, os ministros julgariam a demarcação das terras do povo Xokleng, em Santa Catarina. Mas, como o julgamento abriria jurisprudência, o que fosse sobre ele decidido passaria a valer para todos os casos que envolvessem demarcação de terras indígenas no Brasil.
Junto a essa questão, o STF ainda debateria o Marco Temporal para a demarcação das terras indígenas. Defendida por Bolsonaro e seus aliados, a tese do Marco diz, essencialmente, que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de seus territórios nos casos em que já tivessem posse comprovada da área reivindicada no dia da promulgação da Constituição Federal – 5 de outubro de 1988.
Para o docente do departamento de Direito da UFSM e responsável institucional pelo grupo indígena na Incubadora Social da Pró-Reitoria de Extensão, José Luiz de Moura Filho (Zeca), o Marco é preocupante porque desconsidera o fato de que muitos indígenas foram sendo expulsos de suas áreas pelo próprio governo ou por proprietários privados ligados ao agronegócio, de forma que a extensão de terras por eles ocupada era muito maior do que aquela efetivamente ocupada em 88.
“O que preocupa as lideranças é que, se essa tese passar, somente aqueles que conseguiram bravamente resistir, a custo de vidas, de sangue, de miséria e de violências de toda a ordem, teriam direito a continuar ocupando essas áreas”, explica Zeca, acrescentando que a discussão sobre o Marco Temporal foi levantada oficialmente, pela primeira vez, no julgamento da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Cabe frisar que a Constituição prevê, em seu artigo 231, a garantia de direitos aos povos indígenas, a exemplo da demarcação de terras como originárias, tradicionais e imprescindíveis.
O que diz o Cimi
Em seu site, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) convida a população a se mobilizar contra o Marco Temporal. Se, por um lado, o STF rechaçar a tese do Marco Temporal, diversos conflitos hoje em andamento poderão ser resolvidos.
“Por outro lado, caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará por legalizar o esbulho e as violações ocorridas no passado contra os povos originários. Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas. Esta decisão poderia incentivar, ainda, um novo processo de invasão e esbulho possessório a terras demarcadas – situação que já está em curso em várias regiões do país, especialmente na Amazônia”, destaca a entidade em seu site.
Raquel Aguiar, do povo Tremembé do Engenho (Maranhão) e da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, alertou em sua rede social: “Vale ressaltar que se a tese do Marco Temporal for julgada favorável vai aniquilar com qualquer possibilidade de demarcação de terra indígena no Brasil, desqualificando e desconstruindo todo o direito contido na Constituição. O assunto é tão grave que se aceita essa tese, afetará até mesmo aqueles povos que estão com os processos de demarcação em curso e inclusive e demarcações que já foram realizadas e que não levaram em conta a referida tese”.
Ocupações diferenciadas
Zeca lembrou ainda que, em um país de dimensões continentais como o Brasil, há situações bastante distintas entre si. Na porção sul do país, por exemplo, o docente explica que a ocupação dos territórios deu-se, em muito, por indução do próprio poder público – na época, o Império.
“O Estado doava terras a militares ou à própria aristocracia para segurar a fronteira com a Espanha. Então nessa fronteira meridional, aqui ao sul, os proprietários em parte prestaram um serviço ao Estado e portanto foram recompensados com essas áreas, a custo, é óbvio, da expulsão dos indígenas”, comenta Zeca, que, em Santa Maria, auxiliou o ingresso dos indígenas no Conselho Municipal de Políticas Culturais e no Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial.
Já ao norte do país a situação foi diferente. Especialmente na fronteira amazônica, a ocupação pelo elemento branco é mais recente, remetendo à década de 1970, em que se viu a expansão da fronteira agrícola – fenômeno que levou muitos gaúchos a se mudarem para o Paraná, Mato Grosso, Amazônia. “Quem contestou a demarcação da Raposa Serra do Sol foram grandes proprietários de terra que chegaram nessa região na década de 70”, conta.
Quando questionado sobre se a decisão acerca do Marco poderia afetar aldeias indígenas de Santa Maria, Zeca respondeu que não há, atualmente, nenhum grupo de estudo formado para a regularização de terras das três aldeias aqui existentes – das origens kaingang e guarani.
Interesses
A aprovação do Marco Temporal é um interesse da Frente Parlamentar da Agricultura, que organiza a Bancada Ruralista no Congresso Nacional, uma das bases de apoio a Bolsonaro.
Vale lembrar que, em agosto do ano passado, o presidente disse que, se fosse por ele, não haveria mais nenhuma demarcação de terra indígena no país.
Texto: Bruna Homrich, com informações de CSP-Conlutas e Cimi
Imagem: Tiago Miotto/Cimi
Assessoria de Imprensa da Sedufsm