Lições de uma tragédia SVG: calendario Publicada em 03/08/2020 SVG: views 2612 Visualizações

“Em consonância com os ditames do Tempo e do Destino, suportaremos o insuportável e toleramos o intolerável para abrir caminho rumo à paz para as próximas gerações” (Imperador Hirohito).

Clio, a musa da História

Tragédias políticas não acontecem simplesmente. Elas desencadeiam uma corrente de eventos e decisões importantes. Envolvem grandes e pequenos personagens. Envolvem situações de tomada de decisão com riscos, sacrifícios e ameaças. Nós, homo sapiens sapiens demens, estamos diante desses dilemas desde o surgimento da nossa espécie no planeta Terra.

A nossa evolução é cercada de avanços e retrocessos, ganâncias, vaidades, incertezas e arrogâncias.  

Os seres humanos sucedem-se uns aos outros, como as folhas nas árvores, disse Homero. Somos como folhas ao vento não apenas em nossa mortalidade, mas em nossa semelhança. A cada estação passamos por transformação, e ousamos dizer, em certos aspectos, a caminho da involução.

Dizem que Clio, a musa da História, não deve ter gosto por demais delicado. Deve ver tudo, tocar tudo e, se possível, cheirar tudo. Ela não nos priva dos detalhes mínimos. Em relação aos grandes personagens históricos, Clio sabe que a vida política deles é trágica. Lutas constantes, vitórias, derrotas e como diz o professor Thiago Rodrigues: “o inevitável pelejar constante da existência”.

Como conhecer a trajetória e a grandeza de homens públicos em situações de anormalidade?

De acordo com Salatiel Soares Correia, “a maneira mais adequada de se conhecer a estatura de homens públicos é uma só: reconstituindo as partes que constituem a vida deles. Nesse sentido, as biografias resultantes de minuciosas pesquisas e da sempre necessária isenção do autor cumprem bem esse papel. Para se conhecer a real estatura de políticos se faz necessário entender a maneira como eles agem nos momentos de dificuldades e porque optaram por este e não por aquele caminho. Aliado a isso, torna-se indispensável saber se quem comanda tem um ingrediente indispensável que leva um homem público ao patamar da grandeza: coragem. Nesse sentido, vale lembrar o conselho que nos dava um grande brasileiro, o ex-ministro Celso Furtado, a respeito dos políticos sem coragem: “Fujam deles”. 

Imperador Hiroito

Se levarmos a sério a assertiva de Celso Furtado sobre políticos sem coragem, o Imperador Heroico seria ignorado até agosto de 1945.

Tímido, hesitante e assessorado por radicais, o Imperador Hiroito, relutantemente, apoiou a guerra contra a China, a invasão da Manchúria, em 1937 e o ataque a Pearl Harbor, em 1941.

Indeciso? Fraco? Covarde? Ignorado?

Inúmeros massacres foram cometidos pelo exército japonês na II Guerra Mundial. Vale ressaltar que muitos quiseram que o Imperador fosse processado por crimes de guerra, mas o chefe de ocupação, General MacArthur não aceitou. O general MacArthur, herói de guerra, acreditava que seria mais fácil lidar com o Japão se Hirohito permanecesse lá. 

A reviravolta de Hirohito

No dia 6 de agosto de 1945, às 8h15 da manhã, pelo horário local, o avião "Enola Gay", o B-29 do coronel Paul Tibbetts, lança a "Little Boy", o artefato atômico (uma bomba de urânio) de 4 t. sobre Hiroshima. Dentro dos primeiros meses após o ataque atômico, os efeitos agudos das explosões mataram entre 90 mil e 166 mil pessoas em Hiroshima.

A mesma operação foi repetida três dias depois, em 9 de agosto de 1945, sobre a cidade de Nagasaki. O B-29 “Bock´s Car” lança a Fat Man, uma bomba de plutônio, matando entre 60 mil e 80 mil seres humanos após os primeiros meses.

Cerca de metade das mortes em cada cidade ocorre no primeiro dia.

Depois da destruição de Hiroshima e Nagazaki, no dia 10 de agosto de 1945, o Imperador Hirohito informa a seu governo que os termos de rendição imposto pelos Aliados em Potsdam devem ser aceitos.

No dia 14 de agosto, o Imperador ordena a rendição de acordo com os termos dos Aliados enquanto um golpe de Estado está sendo tramado pelos oficiais linha dura. O Imperador Hirohito convoca uma reunião com o conselho supremo de seu país, que queria continuar lutando, mas Hirohito interveio. A aceitação formal dos termos dos Aliados é enviada.

No dia 15 de agosto, o povo japonês ouve a voz do Imperador pela primeira vez, quando ele anuncia a rendição incondicional e o fim da guerra.

Ciente da tragédia política e corajoso, ele assume um papel diferente na cena política. Ele assume a figura de estadista diante das perdas humanas e materiais.

Destaco o estadismo do trecho do discurso: “Sendo assim, eu não poderia proteger meus súditos e ainda obter o perdão de meus antepassados. Esta é a razão pela qual ordenei que o governo imperial aceitasse os termos da Declaração conjunta. Sinto-me obrigado a expressar os meus mais profundos sentimentos de pesar para com as nações aliadas que colaboraram com a emancipação do Leste Asiático. Pensar nos súditos que morreram em batalha, naqueles que perderam suas vidas em suas funções, naqueles que morreram desafortunadamente, e em todas as famílias desoladas, me faz sentir uma dor imensa. Além disso, o bem estar dos feridos e das vítimas de guerra, daqueles que perderam suas casas e ocupações, são objeto de meu mais profundo pesar. Estou ciente dos grandes sacrifícios e sofrimentos que o Império deverá suportar a partir de agora”.

Atualmente, o Japão é uma grande potência econômica, possui a terceira maior economia do mundo em PIB nominal e a quarta maior em poder de compra. Possui um padrão de vida muito alto, com a maior expectativa de vida do mundo (de acordo com estimativas da ONU e da OMS) e a terceira menor taxa de mortalidade infantil.

Sem sombra de dúvida, podemos afirmar que, após 75 anos, as cerejeiras florescem gloriosas em honra ao sacrifício japonês.

Temo dizer, espero em Deus estar errado, muito errado, mas no Brasil, quando estamos a caminho de 100 mil mortos pela covid 19,  que a geração de meus pais, a minha geração e a próxima, se não mudar os rumos dessa nação, não presenciaremos os ipês, os paus-brasil (paus-brasis) florescendo.

 

 

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por José Renato Ferraz da Silveira
Professor do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM

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