Democracia e Saberes Publicada em 28/06/2023 3936 Visualizações
"Aqueles que tem a chance de dedicar suas vidas ao estudo do mundo social não podem recolher-se, neutros e indiferentes, diante de luta da qual a aposta é o futuro do mundo”.
Pierre Bourdieu
À medida em que se avança em inovações tecnológicas e científicas, reflete-se na vida acadêmica e na vida social os resultados desses saberes, que podem produzir um certo bem-estar para a população. Tais resultados de estudos e pesquisas nem sempre são colhidos por quem plantou as primeiras sementes. O importante, no entanto, é que semeadura e colheita não se processam em polos opostos, antes se integram numa confluência necessária, produtiva, respeitosa e sobretudo ética. Vale destacar, inclusive, que essas compreensões visam partilhar os saberes de forma democrática.
Por que esse destaque? Porque reiteramos como imprescindível na vida de todo intelectual a dimensão das origens de seus saberes. Se hoje temos uma Universidade pública, competente, democrática é porque houve dedicação e seriedade, tanto nos projetos de pesquisa científica, como nos projetos políticos em defesa da democracia, em todas as instâncias da vida civil. Não há necessidade de detalhar, aqui, os tempos de chumbo vividos na sociedade e universidade brasileiras, pois muitos de nós são testemunhas da história vivida.
Não podemos esquecer o que vivemos, como começamos nossas lutas docentes, os caminhos que percorremos, as etapas necessárias para a efetivação de conquistas políticas, de estudos e pesquisas estratégicas até a consolidação de uma organização sindical no interior das universidades públicas, como resultado do marco constitucional de outubro de 1988. Tudo isso se situa no quadro lógico de saberes comprometidos com a democracia.
A ênfase nesta relação memória e história se faz necessária pelo significado ético e político que se apresenta no horizonte de reflexão, ao relacionarmos passado e presente, na afirmação de saberes, que fortalecem a vida democrática na universidade. Isto faz parte do conhecimento, além da tecnologia, além das últimas descobertas da ciência, além das aulas magistrais, além das publicações de pesquisas e além das subjetividades. A universidade enfrenta seus próprios desafios. Um deles é entregar à sociedade o conhecimento produzido. Numa sociedade de mercado, como é a nossa, a resistência é não tornar o saber uma simples mercadoria a ser negociada, mas criar condições para que todos tenham acesso aos saberes produzidos, como o reconhecimento de direitos sociais e culturais.
O foco é a dimensão do humano, naquilo que a condição humana tem de mais peculiar, a capacidade de partilhar experiências, analisar fatos, reconhecer avanços e recuos e de registrar a importância da dedicação dos que vieram antes de nós e semearam a universidade que hoje temos, colhendo seus frutos.
Universidade, conhecimento, saberes, democracia são resultados que exigem mais do que a materialidade de ações programadas. A exigência é de saber e querer compartilhar. Tudo isso requer transformação no universo pessoal, social e profissional, para que possamos assumir uma vida ética harmonizada com a razão e a sensibilidade. Esta seria a aposta no futuro do mundo, como nos indica Pierre Bourdieu.
Sobre o(a) autor(a)
Por Cecilia PiresProfessora aposentada do curso de Filosofia da UFSM