30 anos do Plano Real: estabilidade e o mercado na condução da política econômica SVG: calendario Publicada em 07/08/2024 SVG: views 203 Visualizações

No dia 1º de julho, o Plano Real completou 30 anos, marcando a conquista da estabilidade de preços pelo Brasil. Antes disso, o país convivia com o problema da inflação que chegou a marcar 82,39% durante o ano de 1989. Diversos planos econômicos tentaram enfrentar o problema e sucumbiram, trazendo de volta o problema. Apenas em 1994, com o lançamento do Plano Real que atuou no sentido de provocar uma “super inflação” controlada em uma moeda de conta, a URV, e posterior substituição da moeda antiga, o Cruzeiro, pelo Real, é que foi possível vencer a inflação.

Desde então, as ações da política econômica têm sido desenvolvidas, tendo como foco a manutenção da estabilidade. A partir de 1999, o país aderiu ao modelo do tripé macroeconômico, como forma de controle inflacionário. No discurso, a base é o tripé macroeconômico são as políticas monetárias, cambial e fiscal. Contudo, a realidade tem mostrado que, na verdade, a política monetária é quem tem ditado as regras da política macroeconômica, subordinando as demais políticas e, principalmente, impedindo o desenvolvimento da política industrial no Brasil. Em consonância com isso, as políticas de geração de renda e políticas sociais também têm sido relegadas às sobras da política monetária.

A adoção do tripé macroeconômico, sob a justificativa de assegurar a estabilidade de preços, tem como base, o câmbio flutuante, e estabelecimento de metas de inflação e o superávit primário. Estes três elementos básicos têm implicações diretas na economia, mas especialmente nos investimentos das empresas, na geração de emprego e renda, bem como nas decisões de políticas sociais. Na verdade, esta realidade é fruto da proposta do Novo Consenso Macroeconômico, uma leitura neoliberal do funcionamento da economia que tenta inibir a condução da política econômica, retirando o poder do Estado na condução dessa política, deixando-a ao mercado. E como mercado, leia-se mercado financeiro.

Na prática, funciona assim: a política monetária é instrumento de controle da inflação, portanto, caso haja inflação, o Banco Central aumenta a taxa de juros para controle da inflação. Acontece que o aumento da taxa de juros encarece o crédito tanto para as empresas realizarem investimentos produtivos, quanto para os consumidores financiarem parte de seus consumos – especialmente, consumo de itens mais caros, como carros, casas, etc. Tanto os investimentos como o consumo são elementos da demanda agregada. Sendo assim, esta política monetária restritiva impacta negativamente no crescimento econômico do país. Mas, não apenas isso. A redução do crescimento econômico, em especial, sendo fruto da contenção ou redução dos investimentos significa redução de contratações de trabalhadores, podendo culminar, ainda, em desemprego. Em suma, uma decisão de política monetária restritiva pode gerar desemprego, redução da massa de salários e, posteriormente, redução do consumo em virtude da redução da renda.  

A política cambial também é controlada pela taxa de juros. Assim, não é incomum ler nas atas do Comitê de Política Monetária (Copom), que trazem as decisões sobre a taxa Selic, que a elevação ou manutenção dessa taxa se deve à tentativa de barrar a fuga de divisas. E, mais uma vez, a decisão da política monetária sufoca a economia do país.

Mas, o que mais tem acarretado uma discussão acalorada entre governo e Banco Central ultimamente, é a condução da política fiscal. Em primeiro lugar, a estabilidade da moeda possibilitou um ajuste interno que permitiu o pagamento da nossa dívida externa. Contudo, nestes 30 anos do Plano Real, vimos crescer, também, a nossa dívida interna, em um movimento de substituição da dívida externa pela interna. Em caso de aumentos de gastos do governo, o Banco Central tem respondido com aumento da taxa de juros, seja pela necessidade de financiar estes gastos – quando as contas do governo não fecham –, seja para forçar a geração do superávit primário, numa tentativa de barrar o aumento de gastos do governo, quase que como um castigo. Assim, a decisão sinaliza para cortes de gastos, que resultam em redução das políticas sociais, bem como dos investimentos estatais. Ademais, o aumento da taxa de juros leva ao aumento do endividamento público, em um movimento de transferência de renda em favor dos mais ricos – a classe rentista.

 Por fim, vale destacar que, nestes 30 anos do Plano Real, os governos do PT (Lula e Dilma), embora também tenham seguido o receituário neoliberal, foram os únicos que tentaram atuar nas brechas deste sistema, buscando estabelecer, paralelamente um modelo desenvolvimentista (conforme Oureiro e Bresser-Pereira). Medidas como aumento dos investimentos públicos, políticas de valorização do salário mínimo e políticas redistributivas, como o programa Bolsa Família garantiram a retomada do crescimento econômico, geração de emprego, redução da pobreza, melhorias das políticas sociais, nestes governos. Contudo, além de terem que enfrentar uma verdadeira “queda de braços” com o mercado, o que conseguiram foram migalhas nas pequenas brechas que este esquema possibilita, uma vez que o mercado garantiu que os ganhos dos rentistas continuasse acontecendo.

Por outro lado, a adesão ao tripé macroeconômico se deu no governo de Fernando Henrique Cardoso, que estipulou o câmbio flutuante, e os governos Temer e Bolsonaro garantiram a agenda neoliberal, coadunando para a manutenção e aprofundamento das reformas neoliberais – autonomia do Banco Central, reforma trabalhista e previdenciária, teto de gastos, etc. O retorno de Lula à presidência deu esperanças da retomada de uma agenda desenvolvimentista, contudo, as reformas realizadas nos seis anos que intercalam os governos petistas foram suficientes para garantir o engessamento, ainda maior, das decisões à agenda neoliberal.

Em suma, se pensarmos nos efeitos maléficos da inflação que assolou o Brasil entre as décadas de 1980 a 1994, é clara a importância do Plano Real, que permitiu a estabilidade de preços. Contudo, é importante pensarmos a que custo essa estabilidade tem sido mantida, uma vez que, a política industrial e a política social têm sido relegadas às decisões da política monetária. Por sua vez, a política monetária restritiva, por meio do aumento de taxas de juros, garante o ganho dos rentistas, permitindo o aprofundamento da concentração de renda e riquezas.

Vale o questionamento e pensar em formas de enfrentamento a estas amarras que o mercado colocou no processo de desenvolvimento da economia brasileira.

 

 

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Ednalva Felix das Neves
Professora do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM