Independência: o que 1822 ainda nos diz hoje SVG: calendario Publicada em 03/09/2025 SVG: views 312 Visualizações

Um dos temas mais discutidos na pesquisa histórica relacionados à independência do Brasil é a questão das rupturas e das continuidades. Ou seja, a independência do Brasil foi um processo que rompeu as estruturas vigentes do período (ruptura) ou que manteve essas estruturas (continuidade)? O que em um primeiro momento pode parecer ser uma questão dada (o Brasil se tornou independente, portanto, rompeu com Portugal sua situação de colônia e assim sendo só pode ser um processo de ruptura), não é tão simples assim.

Convido vocês a pensar comigo nesta questão neste tempo em um feriado que comemora justamente a independência do Brasil. Este debate é muito intenso entre quem pesquisa o período, mas se pensarmos bem, também pode ser importante a todos aqueles que se interessam pela política do país, principalmente no momento político atual que vivemos.

Nos estudos mais tradicionais do século XIX, a independência do Brasil é tratada como uma verdadeira epopeia nacional, mas que no limite, teria sido uma continuação da política da Casa de Bragança. Para Francisco Adolfo de Varnhagen, que escrevia dentro do projeto de construção da memória oficial do Império e é considerado um dos grandes autores de história do Brasil do século XIX, a independência foi continuidade (e não ruptura).

O prisma da continuidade trazido por Varnhagen é de ordem positiva: houve continuidade de uma tradição monárquica que teria vindo para o Brasil para civilizar este pedaço do mundo. A independência era o coroamento da civilização europeia por estas terras. Foi um processo de emancipação natural e pacífico, conduzido pelas elites, preservando a ordem e a unidade do Império.

Nas primeiras décadas do século XX, esta concepção foi se modificando. Caio Prado Júnior, um dos maiores pensadores da realidade e do passado brasileiros que o país já teve, analisou (principalmente em Evolução política do Brasil, de 1933) o processo de independência. De tradição marxista, a ideia de Caio Prado era também da tese da continuidade, mas sob uma ótica profundamente negativa.

A manutenção da estrutura fundiária, da mão de obra escravizada trouxe danos estruturantes à economia do país e que precisava ser superada. Mesmo na esfera política, a independência foi “revolução conservadora”, opondo brasileiros e portugueses, mas os brasileiros só consolidaram seu poder quando as classes dominantes rejeitaram a participação das classes populares que ameaçaram a ordem interna durante o período regencial.

Esta visão de Caio Prado influenciou profundamente outros clássicos da historiografia brasileira. Décadas mais tarde, Emília Viotti da Costa, em Da Monarquia à República (1968), apontou transformações políticas e institucionais profundas no sistema de governo (o fim do pacto colonial e a abertura do comércio, a criação de um Estado centralizado no Rio de Janeiro), mas a manutenção de estruturas coloniais que prejudicaram o desenvolvimento do país.

Para esta autora, houve uma “ruptura limitada”, ou seja, houve uma mudança formal na soberania política e a transferência do poder da metrópole para a elite local. Mas não houve democratização social, com manutenção da escravidão e da grande propriedade.

O debate seguiu (e segue) atraindo um sem número de pessoas que procuram se dedicar a entender esse processo. O propósito deste pequeno texto não é apresentar aqui um levantamento exaustivo da historiografia brasileira, mas, como afirmei anteriormente, convidá-los a pensar.

Somos verdadeiramente independentes? Conseguimos romper a situação de colônia com Portugal, mas conseguimos romper com a situação de dependência econômica de grandes potencias do capitalismo? Foram criadas estruturas para que o país fosse realmente livre e se desenvolvesse economicamente? O quanto uma potência econômica estrangeira, sob o comando de um desvairado, pode impactar nossas vidas? Caberia ainda pensarmos que, talvez, sob determinados aspectos, ainda não completamos nossa independência de forma total?

Paul Baran, um economista que nasceu em 1909, no então Império Russo, publicou uma obra clássica em 1957, “A Economia Política do Desenvolvimento”. Ao abordar o imperialismo das grandes potências no mundo, ele aponta aquele que seria “o objetivo fundamental do imperialismo em nossa época: impedir ou, se isso for possível, retardar e controlar o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos”.

O debate sobre a independência do Brasil, se foi uma ruptura, uma continuidade, uma revolução conservadora ou uma ruptura limitada, nos ajuda a pensar em temas estruturantes da nossa história. E a pensar em quais são as formas de superação, quais são as formas que efetivamente nos podem fazer independentes em todos os aspectos.

 

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por João Malaia
Professor do departamento de História da UFSM

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