Pronatec e a propaganda de números duvidosos
Publicada em
02/09/14
Atualizada em
02/09/14 17h41m
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Programa federal também é criticado por destinar recurso público a setor privado

O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) tem sido alardeado pelo governo federal como um grande sucesso. A presidente Dilma Rousseff usa dados na propaganda eleitoral e nos debates para sustentar a defesa do programa. Entretanto, duas reportagens, uma publicada pelo Portal Uol (extraída da BBC Brasil) e outra publicada no jornal Folha de São Paulo, levantam dúvidas sobre esse alegado êxito do programa. Conforme a notícia do Uol, faculdades privadas provedoras de cursos do Pronatec estão tendo de lidar com taxas de evasão que podem chegar a 60%.
Dilma Rousseff costuma ressaltar em seus discursos que o Pronatec já teria atingido 8 milhões de matrículas - mas não contabiliza as desistências. O Pronatec existe desde 2011, mas as faculdades privadas só passaram a ser habilitadas para oferecer seus cursos no final do ano passado. E é justamente essa abertura para que o setor privado acesse recursos públicos que gera uma crítica forte do movimento docente à política governamental, como veremos mais adiante.
No que se refere à evasão, Paulo de Tarso, diretor de pós-graduação e cursos técnicos da Kroton Educacional - maior companhia de ensino de capital aberto do país, que chegou a inscrever 58 mil alunos Pronatec em faculdades como a Anhanguera, a Pitágoras, a Universidade de Cuiabá e a Uniban - diz que seu grupo tem lidado com índices de evasão que variam de 45% a 60% nos cursos do programa. E na Faculdade dos Guararapes, em Pernambuco, de cada 100 inscritos, 27 não terminam o curso segundo Fernando Tranquilino, diretor para o Pronatec.
O governo paga para as faculdades particulares (além de outras instituições públicas e privadas) oferecerem cursos do Pronatec valores que costumam variar de R$ 5 a R$ 8 a hora/aula por estudante. Em um curso de 1.000 horas, isso significa um custo total por aluno que pode chegar a R$ 8 mil. Como os repasses são condicionados a frequência dos estudantes, no caso de uma desistência, também são suspensos. Mas o governo não tem como recuperar o dinheiro já investido.
Números oficiais
Oficialmente, o índice de abandono dos cursos Pronatec é de 12,8% segundo o Ministério da Educação (MEC). A taxa é muito mais baixa que a reportada pelas faculdades, mas já indica que, do total de 8 milhões inscritos oficialmente, número exaltado por Dilma - quase 1 milhão não devem concluir o curso. Além disso, cerca de 25% das inscrições do Pronatec foram feitas nos últimos seis meses. Esses são alunos que de imediato podem ser contabilizados como "matriculados", embora também não se saiba quantos chegarão a concluir seus cursos.
O secretário de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do MEC, Aléssio Trindade, alega que índices de evasão muito acima do oficial poderiam ser casos "isolados" compensados por taxas menores em cursos ministrados por outros provedores entre eles, escolas técnicas, instituições federais e entidades do sistema S, que de fato são responsáveis pela maior parte das vagas do Pronatec.
Trindade diz nunca ter sido procurado pelas faculdades privadas para tratar de qualquer problema ligado à questão da evasão e explica que, pelo menos no caso de alunos que não aparecem na primeira semana de curso, elas têm a opção de desligá-los do programa e oferecer as vagas para outros estudantes.
As faculdades particulares começaram a oferecer cursos Pronatec no final do ano de 2013, após uma mudança na regulamentação do programa. Para serem habilitadas, precisam alcançar um mínimo de nota 3 no chamado Índice Geral de Cursos em cursos de graduação de áreas correlatos aos cursos técnicos que pretendem oferecer. Para o governo, a vantagem do esquema é poder usar toda a infraestrutura das faculdades para os alunos dos cursos técnicos.
Para as instituições privadas, entrar no Pronatec é uma oportunidade de ampliar o uso de suas salas e laboratórios no período matutino e vespertino em que elas costumam ter capacidade ociosa. "Outra vantagem é que, como é o governo que paga pelos cursos, a inadimplência não é um problema, diferentemente do que ocorre com os alunos da graduação", ressalta Júlio Araújo, da Faculdade Sumaré (SP).
Qualificação e cursos rápidos
A ênfase do discurso governamental é de que o objetivo do Pronatec é formar técnicos e melhorar a qualificação do trabalhador. No entanto, conforme um levantamento feito pelo Ministério da Educação (MEC) a pedido do jornal Folha de São Paulo, o programa tem atraído menos interessados em cursos verdadeiramente técnicos, como de enfermagem, eletrotécnica e mecânica.
Segundo a reportagem publicada na edição do último domingo (31), os cursos mais céleres, de formação inicial e continuada, é que poderão garantir ao governo o alardeado e decantado número de 8 milhões de matrículas no Pronatec. No que se refere à formação técnica, centro do programa, representou cerca de 28% das matrículas até o final do mês de julho.
Os cursos técnicos têm duração mínima de um ano e há casos em que chegam a três anos. São cursos práticos voltados para o mercado de trabalho e dão direito a um diploma em sua conclusão. Já os de formação inicial e continuada, com duração média de três meses, têm exigência de escolaridade mais baixa e servem para dar noções básicas sobre uma função ou aperfeiçoar conhecimento do aluno que deseja reingressar no mercado de trabalho. Não há diploma, apenas um certificado de participação.
No total, os dez cursos de Formação Inicial e Continuada mais procurados receberam 890 mil matrículas, enquanto os dez cursos técnicos mais populares tiveram 390 mil. Mas, se os números, bastante inflados na propaganda política do governo não chegam a empolgar quando o olhar é minucioso, isso pode significar, na visão do governo, que é preciso aumentar a publicidade. Em 2013, conforme a matéria do jornal paulistano, o Pronatec foi o programa que mais gastou em propaganda: R$ 15,7 milhões, mais da metade de todo o recurso aplicado pela pasta em publicidade.
Público e privado
O movimento docente, em especial o ANDES-SN, faz críticas ao Pronatec há bastante tempo, e não centra a análise na questão da eficiência ou não do programa. A crítica trata da concepção do programa e se relaciona ao fato de recursos públicos na área de educação, que já são parcos, alimentarem o setor privado. Em entrevista ao Jornal da Sedufsm, edição de maio de 2014, Roberto Leher, professor da Faculdade de Educação da UFRJ, ex-presidente do Sindicato Nacional, pontua claramente os problemas do Pronatec.
Segundo Leher, “o Pronatec é a expressão da indiferenciação entre público e privado. Eles (governo) atribuem ao sistema patronal a organização da educação tecnológica. Isso, obviamente, é um retrocesso enorme porque parte do pressuposto que os patrões podem formar melhor a cabeça dos trabalhadores. Quer dizer que a educação profissional dos trabalhadores deve ser confiada aos seus patrões, o que é uma situação antirrepublicana e que colide com toda perspectiva de educação pública.”
Acrescenta ainda o professor da UFRJ que “o Pronatec é uma espécie de Prouni da educação tecnológica, ou seja, é um programa que aloca recursos, concede isenções tributárias às instituições de educação tecnológica que hoje já são majoritariamente privadas”.
Texto: Fritz R. Nunes com informações do UOL e Folha de São Paulo
Imagem: Divulgação
Assessoria de imprensa da Sedufsm
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