John Lennon, 40 anos depois. O sonho acabou? SVG: calendario Publicada em 07/12/20
SVG: atualizacao Atualizada em 08/12/20 11h01m
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Depoimentos falam da importância da obra do artista, morto em 8 de dezembro de 1980

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Há pouco mais de 50 anos, em 10 de abril de 1970, uma declaração de John Lennon entristecia milhões de fãs mundo afora: “The dream is over”. O sonho acabou, anunciara ele, sobre a ruptura daquela que é considerada uma das maiores bandas de rock de todos os tempos: ‘Os Beatles’. Mas, o fim da banda não significou o fim dos cantores, que passaram a se dedicar às suas carreiras, sendo que, no caso de Paul, prossegue até hoje, assim como a de Ringo Starr.

No entanto, 10 anos depois da icônica declaração de Lennon, mais exatamente no final de tarde de 8 de dezembro de 1980, teve a vida ceifada de forma prematura (tinha 40 anos de idade) e violenta por quatro tiros à queima-roupa provenientes da arma de um fã, Mark Chapman, em Nova Iorque. Muitos de nós, ainda crianças em direção à adolescência, fomos “despertados” por aqueles estampidos. A morte de Lennon gerou uma comoção mundial e levou muitas gerações a tentarem entender: por que alguém tão idolatrado podia ser tão brutalmente assassinado? O que as letras de suas músicas queriam dizer?

Ao longo de semanas, meses, anos, se estendendo até a atualidade, as canções de Lennon passaram a ocupar um espaço na vida de todos aqueles que imaginavam um dia alcançar um mundo melhor. Ao longo de muitos anos, no período que antecede o Natal, se pôde ouvir em rádios e tevês, o ‘Feliz Natal’ de “Happy Xmas” de John Lennon e sua fiel escudeira e amor inquebrantável, Yoko Ono.

Beatles, com Lennon à frente. (Foto: EBC)

Existe um Lennon para os mais variados gostos. Desde o Lennon romântico e feminista de “Woman”, assim como o filho abandonado pelos pais de “Mother”, passando pelo artista ligado a temas esotéricos e transcendentais como em “# 9 dream” e “Mind games”; ainda a faceta do ativista pacifista, contrário à Guerra do Vietnã de “Give Peace a chance” e “Happy Xmas”, e também o ativista radical de esquerda, simbolizado por canções como “Power to the people” e “Working class hero”. Devido a essas posições assumidas, ‘John Winston (o segundo nome era uma homenagem a Winston Churchill) Lennon’, natural de Liverpool, na Inglaterra, sofreu perseguições do governo norte-americano, tendo sido até ameaçado de extradição.

As lembranças de cada um

Em cada pessoa, um olhar e uma história diferenciada sobre o impacto de John Lennon em sua vida. Destacamos a seguir algumas opiniões, sejam de músicos, jornalistas,  alguns professores.

O jornaleiro de 13 anos, que entregava exemplares do ‘Correio do Povo’ em Tapera (RS), só conheceu a importância dos Beatles depois que seu professor de História lhe explicou em detalhes quem era a banda, as músicas principais, inclusive traduzindo algumas das canções. Naquele 8 de dezembro de 1980, Pylla Kroth, o entregador de jornais, olhava com tristeza a manchete do jornal porto-alegrense que destacava a morte de Lennon. Ao ver a publicação, Pylla pegou sua bicicleta e correu até a casa do amigo Helio Ropental, que o recebeu com os olhos marejados: “Mataram o guerreiro da paz”.

Pylla Kroth, o líder da banda "Fuga"

Na visão de Pylla, que alguns anos depois se tornaria um dos nomes de grande relevância no cenário do rock and roll em Santa Maria, através da banda ‘Fuga’, John Lennon “fez minha geração entender que tínhamos a responsabilidade crucial nas mãos de tomar atitudes para tornar o mundo melhor, sem esperar pelos outros. Começando pela nossa casa, quintal, rua, cidade, federação e, se possível, o universo em que vivemos”.

Nas reminiscências do professor Diorge Konrad (foto abaixo), do departamento de História da UFSM, apesar de escutar ‘Beatles’ou canções como ‘Imagine’, até o assassinato, em 1980, pouco sabia de John Lennon. “Meu primeiro congresso estudantil, na fase final da Ditadura, foi em 1981, da União Gaúcha de Estudantes Secundaristas (UGES), em Carazinho – RS, quando dei meus primeiros passos rumo a uma maior politização. Logo quis saber o que ‘Imagine’ queria passar e, numa conjuntura em que eu estava abandonando a formação religiosa construída a partir de meus pais, sem ainda ter rompido com a ética paternalista cristã desta cultura, quando soube que a letra falava sobre imaginar se não houvesse nenhum país, nenhum motivo para matar ou morrer e nem religião, com todas as pessoas vivendo a vida em paz, sem a necessidade de ganância ou fome, meus sonhos de um outro mundo também passaram a se inspirar em Lennon”.

O despertar

Rejane Miranda, jornalista, radialista (servidora da UFSM) e musicista, relata que na sua adolescência, no início dos anos 80, seu interesse por John Lennon se dava muito em função do ativismo e da cultura da paz aos quais ele se dedicava. “A gente tinha sentimentos que as letras dele traduziam, em uma época em que eu, particularmente, estava despertando para as questões coletivas”, diz ela.

A morte do ex-beatle, de maneira trágica, como se percebe, despertou muitas das pessoas que pouco conheciam o artista. Gérson Werlang, professor do departamento de Música da UFSM, também músico da banda ‘Poços & Nuvens’, ressalta que “tomei consciência da existência dos Beatles no ano da morte de John, pois recém tinha começado a ouvir a banda. Estava no comecinho da adolescência, e foi um choque a notícia, embora eu não tivesse como dimensionar a extensão dessa perda”.

Para o professor de Filosofia da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), Paulo Denisar Fraga (formado pela UFSM), “Lennon indexava uma espécie de voz de um reclame social que se fazia ouvir através da música. Ela carreava também a figura genérica do ‘sonho’, que estava naturalmente implícita no espírito juvenil, inclusive nas classes populares, ao menos onde havia jovens que ouviam rock”.

Na ótica de Denisar, “tomar ciência da frase ‘o sonho acabou’ não foi algo muito alentador para jovens ainda em processo inicial de formação. Mas, depois, ficou claro que era um corte no momento da beatlemania. E isso também denotava que o sistema havia reagido e que o mundo não era mais o mesmo. Através da música e de suas declarações e campanhas, Lennon despertou muitos jovens para o senso crítico. Minha adolescência passou por esse processo”, ressalta o professor.

Renato Molina, além de servidor (aposentado) da UFSM é um beatlemaníaco de carterinha. Na segunda metade da primeira década dos anos 2 mil, fez parte da ‘Band on the run’, que tocava inspirada nos quatro garotos de Liverpool. Mais recentemente, ele passou a integrar a “Magical Mystery”, que relembra ‘Os Beatles’ não apenas em Santa Maria. A banda já esteve em um festival na cidade dos “fab four’ (Liverpool) e rolou uma apresentação até em Moscou.


Molina e a "Magical Mystery", em Moscou

Para Molina, Lennon não pode ser dissociado dos Beatles: “John Winston Ono Lennon, juntamente com outros três rapazes, que estudavam na mesma escola dele, me apresentaram a uma nova música. Um novo ritmo chamado rock’n roll. Isso lá no início dos anos 60. Desde então, o meu apreço pela arte musical ganhou uma importância que eu jamais poderia imaginar”, frisa ele.

Um mártir

“Quando John Lennon morreu, eu tinha 10 anos. O impacto de acompanhar toda a comoção de seu desaparecimento, por intermédio dos noticiários, jornais, revistas, programas de rádio e TV, foi estrondoso. E mesmo que ainda fosse muito jovem, fui engolido por esse vórtice de informações, onde Lennon era uma espécie de mártir da contracultura mundial. Sempre fui muito ligado em ouvir rádio, uma herança de meus pais, e óbvio que esse início de anos 1980 foi pulverizado pelas músicas de John Lennon e dos Beatles”. Essa são as impressões de Márcio Grings, hoje jornalista, radialista e produtor musical.

Experiência parecida com a da médica psiquiatra, Martha Helena Oliveira Noal (foto abaixo), hoje servidora da UFSM. “O que posso dizer é que lembro com exatidão o momento em que o ‘Correspondente Renner’ noticiou no rádio, no horário do almoço, o assassinato de John Lennon. Eu, ainda criança, perguntei ao meu pai quem ele era. Para mim, ele nascia ali, naquele momento. Talvez tenha sido meu primeiro contato com a incompreensão do humano. Como assim, assassinarem um pacifista?!  Qual a lógica de um ato tão violento a alguém tão genialmente inofensivo. Ou a paz não seria inofensiva!?”, diz ela, que acrescenta ainda uma outra impressão que considera relevante: “Poucos anos depois, li uma biografia sobre ele, que me pareceu ainda mais encantador. Um homem que deu um tempo na carreira pra cuidar de um filho, em plena década de 1970”.

Ele foi maior que os Beatles?

John Lennon foi maior que “The Beatles’? Essa é a pergunta insistente que muitas pessoas fazem. Para Renato Molina, “os fatos falam por si só”. Segundo ele, “é quase impossível acreditar que John ganharia a notoriedade, o ‘título’ de ícone da cultura pop/rock, a referência de figura engajada politicamente, sem que tivesse sido um dos componentes dos ‘Fab Four’. Os ‘The Beatles’ ainda são o maior fenômeno da música em todos os tempos”, sentencia.

Na visão do músico Pylla Kroth, sim, Lennon alcançou uma dimensão maior que os Beatles. Por quê? “Todo o indivíduo é maior que as instituições que o governam. Beatles foi a casa de Lennon. E, nessa casa, todos tinham seu peso e sua medida”. Entretanto, ressalta Pylla, John Lennon encarnou um “sonho”, daí porque acabou assumindo uma grandeza que não se consegue mensurar.

Márcio Grings descarta Lennon acima da banda originária. “Nada é maior do que Beatles. Acredito que a dupla Lennon/McCartney seja a mais poderosa assinatura da música pop mundial. E ainda temos George Harrison, outro compositor excepcional, eclipsado pela profícua produção dos companheiros de banda. Penso ainda que Lennon aprendeu muito com Paul (e vice-versa), e isso os tornou compositores extraordinários, algo que é muito fácil perceber em suas carreiras solo”, avalia o jornalista.


Márcio Grings. (Foto: Ernest Sacchet)
 

Para o professor e historiador, Diorge Konrad, Lennon não pode ser maior que Beatles, pois, sem a banda, o cantor não existiria. Entretanto, faz questão de destacar que “o Lennon (carreira)solo é mais humano e mais politizado que os Beatles, assim como entre os Beatles, e com Yoko Ono na carreira solo, é o mais genial deles todos”.

Gérson Werlang, professor de Música, parece vislumbrar um certo egocentrismo nessa questão. “Acho que ele (Lennon) gostaria de ser, mas não era (maior que Beatles). Claro, há mais de um aspecto nesta pergunta. Artisticamente, certamente não. Suas composições mais importantes nasceram dentro dos Beatles, em conflito e complementaridade com Paul. Depois, sob o jugo de Yoko, embora a dimensão política tenha se acentuado, em termos de qualidade sua obra decai. Embora Yoko tenha dado estabilidade emocional a Lennon, o custo artístico foi alto”.

“O impacto dos Beatles no seu tempo não tem concorrência. Ele (Lennon) mesmo chegou a comparar a repercussão do grupo com a de Jesus Cristo. Uma coisa que não deve ofender os cristãos. Ela deve ser compreendida como uma expressão da enorme densidade de um momento que irrompeu sem igual na cultura pop no plano internacional”, diz Paulo Denisar, professor de Filosofia.

Contudo, acrescenta ele, especialmente no pós-Beatles, “a carreira solo mostrou que Lennon foi não apenas o personagem central como, também, o espírito social mais sensível e musicalmente mais criativo dos Beatles”. Nesse ponto, avalia Denisar, “a sua (de Lennon) produção ultrapassou totalmente os limites do gingado do ‘iê-iê-iê’. É a partir deste quesito qualitativo que sua grandeza pode ser avaliada e onde efetivamente ela se mostrou mais soberana”.


Paulo Denisar, professor da Unifal (foto: Antonio Ozaí da Silva)
 

O legado de John Lennon

“Acredito que o artista, em sua essência, é um ser político que tem suas capacidades e argumentações ampliadas pelo ofício em que atua. A música como instrumento de transgressão e John Lennon foi mestre nisso”, acredita Márcio Grings. Nas suas (de Lennon) letras e ações, diz Grings, encontramos lições de feminismo, pacifismo, igualdade, amor ao próximo, além do permanente ativismo em prol de uma sociedade mais justa, com lições de integridade e justiça social.

Para Diorge Konrad, o legado do eterno beatle é “humanista e politizado e que fez com que parte da minha geração continuasse a acreditar na possibilidade de um mundo de igualdade social e econômica de fato e não a liberdade e a igualdade abstrata dos liberais de jure”.

“O legado cultural que John deixou, se confunde em parte com o legado da banda que catapultou sua carreira. Até porque os ‘The Beatles’, para além da obra musical determinaram uma maneira de trabalhar como um todo. Maneira de vestir, maneira de falar, maneira de fazer negócios e por aí vai. É bem verdade que a morte de Brian Epstein, uma espécie de ‘anjo protetor’, organizador, o empresário deles, deixou-os muito vulneráveis. Aí então começam aparecer as diferenças e divergências. A separação era inevitável. Para John Lennon, a presença de Yoko Ono é fundamental a partir daí. É ela que lhe dá o embasamento filosófico e, talvez ideológico para o seu engajamento político”, analisa Renato Molina.

Na visão do professor Gérson Werlang, “(Lennon)sempre foi um símbolo de rebeldia, uma rebeldia com causa e fim, e embora eu não seja adepto de teorias conspiratórias, me parece que seu assassinato não foi apenas a obra de um fã lunático.  Lennon havia mexido nas estruturas sociais e influenciado toda uma geração. Era persona non grata nos EUA, e havia se retirado do palco por vários anos, o que havia lhe dado espaço para criar seu filho e descanso da perseguição governamental norte-americana. Casualmente, quando resolveu retornar aos palcos com voz ativa, ocorreu o assassinato”.

Na ótica do professor Paulo Denisar, para além da influência política de Lennon em torno dos chamados direitos civis e de engajamentos que manteve com a esquerda militante nos EUA, o cantor e compositor influenciou vários dos maiores nomes no mundo do pop rock e na MPB. Inclusive, diz Denisar, o nome artístico de Elton John que, por sinal, lhe dedicou a belíssima ‘Empty garden’.

“Lennon foi um dos ‘eleitos’. Conquistou um público fiel com os Beatles, mas soube a hora de parar e seguir outro caminho com a Plastic Ono Band”, destaca a jornalista Rejane Miranda (foto acima). Sobre os Beatles, ele dizia: "aprendam a nadar. E depois de aprenderem a nadar, nadem". Referia-se ao que a banda significou para muita gente, mas que não era para carregar essa ‘loucura’ nas costas para sempre, intrerpreta ela. Sobre a dimensão política, Rejane pensa que “o modo como viveu, os valores em que acreditava e defendia publicamente, foram inspiração e uma forma de resistência daquela época. Se estivesse vivo e ativo ainda, talvez Lennon seria considerado um velho maluco, mas ainda assim falando em paz e amor”.

The dream is not over

Passadas quatro décadas do assassinato, perguntas ainda ficam no ar sobre as motivações que levaram o suposto fã a matar Lennon. Entretanto, assim como em diversos outros casos, foi-se o meio, mas ficou a mensagem, sendo essa inapagável e indestrutível.

Para todos aqueles que acreditam e lutam por um outro mundo possível, basta recorrer a ‘Imagine’.

Imagine que não houvesse nenhum país

Não é difícil imaginar

Nenhum motivo para matar ou morrer

E nem religião, também

Imagine todas as pessoas

Vivendo a vida em paz

Você pode dizer que eu sou um sonhador

Mas eu não sou o único...”.

 

Entrevistas e texto: Fritz R. Nunes (colaboração de Bruna Homrich)

Fotos: Márcio Grings; Ernest Sacchet; Antonio Ozaí da Silva; EBC; Arquivos pessoais; Arquivo/Sedufsm.

Assessoria de imprensa da Sedufsm.

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