Novo ensino médio que passa a vigorar em 2022 tem cara de velho SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 17/08/21 00h25m
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Educadoras da UFSM problematizam falta de debate com a sociedade na elaboração do projeto

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Ocupação estudantil na UFSM, em 2016: um dos motivos era a oposição à reforma do ensino médio

A partir do próximo ano, escolas públicas e privadas passarão a implementar o que o Ministério da Educação chama de “Novo Ensino Médio”. As ações e o cronograma nacional para a efetivação da contrarreforma do Ensino Médio foram divulgados recentemente pelo órgão governamental. A nova modalidade será realizada de forma progressiva com as 1ª séries do Ensino Médio no próximo ano. Em 2023, com as 1ª e 2ª séries e completando o ciclo de implementação nas três séries do ensino médio em 2024.

O novo modelo governamental resulta da Medida Provisória (MP) 746/2016, que foi convertida em lei (13.415/2017), o que se deu em menos de seis meses, ainda no governo de Michel Temer.  Assim, foi alterada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394/96), estabelecendo uma mudança na estrutura do ensino médio.  Embora o governo alardeie que o ensino será em tempo integral, o aumento da carga horária mínima dos estudantes, das atuais 800 horas para 1.000 horas anuais, será de apenas uma hora/aula por dia, o que não configura uma perspectiva de oferta de ensino em tempo integral. A carga horária será dividida entre os componentes curriculares da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os itinerários formativos, incluindo a formação técnica e profissional, voltados ao mercado de trabalho.

A assessoria de imprensa da Sedufsm ouviu duas docentes da UFSM a respeito desse tema: a professora Nara Vieira Ramos, do departamento de Fundamentos da Educação, também docente do Programa de Pós-Graduação do Centro de Educação; e a professora Laura Senna Ferreira, coordenadora da Licenciatura em Ciências Sociais da UFSM, também atuante no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Ambas fizeram uma análise bastante crítica desse projeto, aprovado em 2017, mas que passa a vigorar em 2022. Um dos elementos fulcrais nos argumentos é a falta de debate com a sociedade.

O golpe e os retrocessos

No entendimento da professora Nara Ramos, a discussão sobre o dito ‘novo’ ensino médio não pode ser descontextualizado do “golpe” ocorrido em 2016 contra o governo de Dilma Rousseff. Segundo ela, no período de 2009 a 2015, propostas de mudanças no ensino médio foram levantadas através de uma ampla participação de professores (as), jovens, estudiosos (as) junto com secretarias estaduais de educação do país. Ela cita que no ano de 2009 foi criado pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) o Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI) com a intenção de incentivar o diálogo entre os sujeitos que estão na escola para a construção de um novo currículo a partir das demandas e perspectivas dos professores e estudantes, uma vez que a participação destes sujeitos deve ocorrer desde a elaboração.

A partir do desenvolvimento do PROEMI, explica Nara, foram construídas as Diretrizes Curriculares do Ensino Médio de 2012 em uma perspectiva de integração curricular e,  em 2013, com o Pacto Nacional para o Fortalecimento do Ensino Médio – Formação Continuada de Professores e Coordenadores Pedagógicos que ocorreu em todo o Brasil – Coordenados pelas Universidades Públicas -, formação que ocorreu no chão da escola e no intuito de um estudo aprofundado sobre as Diretrizes e posterior construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas, prevendo também valorização dos professores, situação de formação continuada que nunca tinha acontecido na história da educação brasileira.

A desconstrução de todo esse acúmulo ao longo dos anos recentes foi, na ótica da docente, uma das primeiras ações da gestão de Michel Temer, assim que Dilma Rousseff foi destituída. A aprovação, de forma acelerada, do chamado “Novo Ensino Médio”, que promoveu alterações na LDB de 1996,  trouxe, entre seus efeitos: mudanças na organização curricular do ensino médio e no financiamento público desta etapa da educação básica; uma flexibilização do tempo, do currículo, dos serviços, da profissão docente e da responsabilidade do Estado perante a escola. Na avaliação de Nara Ramos, as alterações propostas na lei “são um enorme retrocesso, com uma reforma pautada em uma lógica de mercado, que fortalece as desigualdades sociais do Brasil a partir dessa flexibilização”.

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Ouvir a comunidade escolar

Na concepção da professora Laura Senna Ferreira, coordenadora da Licenciatura em Ciências Sociais da UFSM, “o ensino médio é um dos espaços mais importantes de democratização do conhecimento, construção de autonomia, aprendizagens para a vida adulta, além de ser espaço de sociabilidade, de vivências juvenis, de possibilidade de compreensão racional do mundo”. Sendo assim, complementa ela, qualquer reforma do ensino médio “precisa ouvir toda a comunidade escolar”, ou seja, envolver os estudantes, professores e “os sujeitos que vivem nos territórios nos quais as escolas estão inseridas”.

Para a docente, são os educadores/as que têm a vivência direta e “são os que mais bem compreendem as dinâmicas escolares por atuarem no chão da escola”. Em um modelo de gestão democrática, destaca ela, os professores debatem, contribuem e se posicionam sobre os rumos da educação. Por essa lógica, explica, “não se trata de consultá-los (docentes) apenas para engajá-los na busca por resultados, provas, exames, avaliações que resultam em rankings escolares, os quais muitas vezes são utilizados para hierarquizar as escolas e seus públicos, moldados por uma perspectiva gerencialista de busca de resultados com poucos investimentos”.

A socióloga também não perde de vista a política como pano de fundo de todo esse debate. Ela diz que “o campo da educação é espaço de disputas por projetos de sociedade, como fica claro na relação entre mudanças de governo e de orientação política e as frequentes alterações no ensino médio”. E, acrescenta Laura, “os currículos escolares materializam disputas de interesses e de projetos”. Nesse sentido, a docente ressalta que o Estado brasileiro tem definido parâmetros e criados modelos baseados em perspectivas, muitas vezes, excessivamente focadas nos índices de desempenho.

Através desse paradigma estatal, constata ela, “a regra é fazer cada vez mais com menos investimentos, o que impacta o trabalho do professor, resultando em acúmulo de funções, ampliação e intensificação da jornada, em meio aos baixos incentivos salariais e de carreiras, salários congelados, dificuldades para formação continuada, conciliação de muitas turmas e em diferentes escolas, altas jornadas (alguns trabalham 60h), trabalho em estruturas precárias, problema de saúde mental e tantos outros aspectos que dizem respeito a uma condição laboral que impacta a relação ensino e aprendizagem e o resultado educacional”.

Laura Senna pondera que “o trabalho do professor é significativamente artesanal” e quando “se fratura” esse modo de operar, “se fratura todo o processo”. Em outras palavras, na visão dela, não adianta pensar a reforma do ensino médio ou pensar metodologias ativas de modo “isolado”. Para a docente, a reflexão precisa ser articulada em termos de totalidade, levando em conta a condição laboral do professor, o contexto dos estudantes.

Portanto, complementa a cientista social, “todas essas variáveis estão na equação quando refletimos sobre o ensino médio e a persistência dessa visão unilateral tem nos levado a reformas e frustrações constantes”. Para Laura, “os professores estão cansados de mudanças curriculares definidas de modo vertical, bem como estão esgotados com a continuidade dos problemas que não são superados, apesar das frequentes reformas, como por exemplo, a evasão escolar, os baixos investimentos na educação, as cobranças constantes por resultados e desempenho, os baixos salários, a falta de professores e as carências estruturais de espaços físicos”.

Projeto difícil de sair do papel

A ausência de diálogo na elaboração do projeto de um “novo” ensino médio que, na realidade, não aponta para o futuro, mas sim para um passado de décadas atrás, quando o “ensino profissionalizante” era visto como a alternativa de empregabilidade, foi uma das causa dos protestos de 2016, com a greve de ocupação das universidades e institutos federais. Além disso, a imposição de um modelo, de forma verticalizada, também pode ser a receita para o fracasso, na visão da professora Nara Ramos.

Quando perguntada sobre quais os impactos de se implementar um projeto que não foi debatido com as comunidades escolares e demais atores envolvidos no processo educativo, ela diz acreditar que um projeto que não foi debatido torna-se de difícil implementação. “Isso porque não tem a construção coletiva e participativa.” Portanto, diz a docente, “se não participas na construção, não tem como ter comprometimento com o mesmo.”

Por outro lado, acrescenta Nara, quando se observa a situação da educação pública do Rio Grande do Sul, com escolas sucateadas, professores há sete anos sem reposição salarial, sem poder aquisitivo, desestimulados, desanimados, sem reposição de profissionais da educação e em plena pandemia, pode-se prever que o projeto do governo está “fadado ao fracasso”.

Com o “Novo Ensino Médio”, explica ela, muitos professores terão que assumir disciplinas paras quais não têm formação, com diminuição de carga horária nas escolas e tendo que complementar em mais de um estabelecimento. “Tenho muito claro que se o professor(a) não for cooptado (a) para esse ‘novo ensino médio’, ele não sairá do papel. E teremos um arremedo dessa etapa da educação básica e toda a sociedade perde com esse retrocesso”, sentencia Nara.

 

Nesta terça-feira, 17, abordaremos outros aspectos do “novo ensino médio”, como por exemplo, o impacto do projeto para os (as) estudantes e os efeitos para os cursos de licenciatura.

 

Texto: Fritz R. Nunes e Bruna Homrich
Imagens: Sedufsm e UFRGS
Assessoria de imprensa da Sedufsm

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