Governo propõe expansão precarizada das universidades através da EaD SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 30/08/21 14h53m
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Docente da UFSM diz que projeto fere autonomia universitária e descaracteriza universidade pública

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Na última segunda-feira, 23 de agosto, o secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Wagner Vilas Boas de Souza, anunciou, em debate na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, que o governo vem formulando um plano para expandir as vagas nas universidades brasileiras através do Ensino a Distância (EaD). Essa seria uma forma de cumprir a meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE), segundo a qual a educação superior deve ser expandida para alcançar 50% dos alunos com idades entre 18 e 24 anos – hoje, só alcança 37,4% desses jovens. Tal ampliação via EaD recebeu o nome de ‘Reuni Digital’, no qual também consta a necessidade de que pelo menos 40% das novas matrículas no ensino superior ocorram via rede pública de ensino.

Aruna Correa, docente do departamento de Metodologia do Ensino da UFSM, ressalta que o compromisso principal daqueles que defendem a educação pública brasileira deveria ser a garantia de uma formação de qualidade e, consequentemente, de um destaque orçamentário significativo para dar conta das demandas e potencialidades das comunidades acadêmicas. Ela explica que, ao ampliar as vagas via Educação a Distância, o governo criará mais um foco de subdivisão orçamentária, o que contribuirá para uma escassez orçamentária ainda maior.

Ainda que a proposta guarde uma aparência democrática, parecendo indicar uma preocupação do governo com o maior acesso da população ao ensino superior, sua essência é privatista, atenta contra a autonomia universitária, promove uma formação aligeirada e precariza condições de trabalho e estudo. Esses são alguns apontamentos que vêm sendo feitos por entidades ligadas à área da educação e inclusive por algumas instituições, a exemplo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que lançou nota repudiando o Reuni Digital, sob o argumento de que, ao apresentar projeto para expandir as vagas no ensino superior sem garantir condições de permanência aos estudantes já matriculados, o governo faz avançar o sucateamento das universidades.

“Como nos mostra ademais a Nota Técnica, ao contrário de garantir as condições próprias da vida universitária, o projeto “Reuni Digital” dissocia a EaD da pesquisa, do ensino e da extensão de nossas universidades federais, representando, por esse viés, grave ameaça à sua autonomia didático-pedagógica. Além disso, a diretriz de conferir primazia à EaD na política federal de ampliação de vagas de ensino superior tão somente subtrairia ao sistema significativo volume de investimento público, tendendo a aprofundar ainda mais a grave crise orçamentária enfrentada pelas universidades. Projetar expansão a qualquer preço, em contexto de tamanha escassez, tornar-se-ia então um gesto mais eivado de populismo que de reflexão acadêmica aprofundada, sobretudo caso se realize a expansão por meio de um ente sem substância, como o seria uma Universidade Federal Digital, em detrimento do necessário crescimento estratégico de nossas universidades plenas”, atestou a reitoria da UFBA. Leia a nota na íntegra aqui.

Asfixia orçamentária

Desde que aprovada a Emenda Constitucional (EC) 95, ainda no governo de Michel Temer, as universidades públicas vêm amargando um aperto de cintos cruel. Com a chegada de Jair Bolsonaro à presidência, o sufoco aumentou ainda mais, com algumas instituições ameaçando encerramento das atividades por incapacidade de pagar as contas mais básicas – energia elétrica, internet, água e serviços terceirizados, por exemplo. O orçamento federal para 2021, aprovado em abril pelo Congresso Nacional, impôs um corte de 18,2% no recurso destinado às universidades, se comparado a 2020.

Em entrevista à Assessoria de Imprensa da Sedufsm no mês de abril, o vice-reitor Luciano Schuch explicou que, em 2020, a UFSM tinha um orçamento de pouco mais de R$ 100 milhões – com o governo liberando R$ 60 milhões e contingenciado R$ 40 milhões. Em 2021, essa situação se inverteu: o valor aprovado na Lei Orçamentária (LOA) foi de 108,17 milhões, sendo que o contingenciado (recurso que fica bloqueado) é de R$ 61,38 milhões, enquanto o liberado foi de apenas R$ 46,79 milhões. Isso tudo tem dificultado substancialmente o andamento das atividades.

Para Aruna, “se queremos universidades públicas, gratuitas e de qualidade que possam expandir, temos de garantir que seu orçamento seja compatível com os objetivos de expansão”. Orçamento que garanta as condições estruturais para a produção de ciência e tecnologia e que, ao mesmo tempo, viabilize o acesso das comunidades locais aos serviços prestados pelas universidades.

“Destaco que nossa defesa volta-se ao fortalecimento de uma infraestrutura com ampla potência, construída e aprimorada ao longo de décadas, que se tornou fundamental para a produção do ensino, da pesquisa e da extensão, por meio de seus espaços de vivências teóricas e práticas, de atenção à comunidade externa, como hospitais, bibliotecas, laboratórios, auditórios, salas de aulas dinâmicas e atualizadas e espaços construídos para alicerçar uma Educação Superior de excelência”, atesta a docente do Centro de Educação.

A pandemia como laboratório

Ainda que seja bastante diferente da Educação a Distância, o ensino remoto demandado pela pandemia levou ao fortalecimento de posições que defendem um ensino superior totalmente a distância ou, ao menos, híbrido. Ocorre que, também durante a pandemia, foram descortinadas de maneira mais enfática as desigualdades sociais que permeiam a sociedade brasileira e, em consequência, as condições de acesso ao ensino superior. Em encontro recente realizado pela Regional RS do ANDES-SN, por exemplo, foram levantadas as grandes dificuldades enfrentadas por estudantes de baixa renda de todo o Brasil para acompanhar as aulas remotas.

“Essa experiência foi um fracasso total. O modelo aprofunda a exclusão de pobres, negros, indígenas e crianças que vivem na periferia do país. A maioria dos estudantes, tanto das escolas quanto das universidades públicas, não conseguiu acompanhar as atividades síncronas, em especial por dificuldade de acesso à internet e computador. A maioria acompanhava com muita dificuldade por meio de celular, com uma internet que caía a todo momento (para aqueles que conseguiam pagar)”, disse, durante o evento, a docente Vera Jacob, da UFPA.

Contudo, desconsiderando as assimetrias de acesso que ficaram evidentes neste período, o governo faz avançar um projeto de expansão remota e precarizada – quando, na verdade, tal período deveria ter servido como um atestado da importância do investimento público, da formação de qualidade e da garantia de condições efetivas de permanência aos estudantes.

“É consensual a discussão de que ao mesmo tempo que alcançamos, em questões educacionais, acesso a população nas mais diversas localidades, vemos direitos básicos, como o próprio acesso a Educação, precarizados, seja pelas condições limitantes de equipamentos e tecnologias que viabilizem esse acesso, como também, pelas condições extenuantes de estudo e trabalho vivenciadas por discentes, docentes e técnico-administrativos que, de forma corresponsável, efetivam o funcionamento cotidiano da universidade”, comenta Aruna.

Afronta à autonomia

Ao tentar dar conta de uma meta do PNE através da Educação a Distância, o governo vem trabalhando na sua minuta de Reuni Digital. Na avaliação de Aruna, contudo, a proposição é bastante problemática.

“O Reuni Digital, após leitura criteriosa da minuta, indica, assim como outros documentos legais em vigência, como a Resolução n. 02/2019 que trata da formação de professores/as, a fragilização do Ensino Superior Público, fere a autonomia universitária e, ao contrário do que se defende, não amplia o acesso à universidade, propondo superficiais e aligeiradas substituições que nos descaracterizam como referência social. É importante destacar que a minuta nos coloca em posição indesejável de polarização entre ensino presencial e a distância. Algo que temos nos debruçado há anos para que não ocorra”, pondera a docente.

 

 

Texto: Bruna Homrich

Imagem: Adufpel

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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