Recurso para a ciência cai de R$ 690 mi para R$ 89 mi e UFSM vê “calamidade” na pesquisa
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13/10/21 15h15m
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Sedufsm critica política destrutiva do governo Bolsonaro, que submete o país à dependência externa
Um tiro de misericórdia que faltava para acabar qualquer ciência de qualidade no país. Assim resumiu o professor Thiago Ardenghi, pró-reitor substituto de pesquisa e pós-graduação (PRPGP) da UFSM, o corte efetuado na pasta de ciência e tecnologia do país, que cai de R$ 690 milhões para aproximadamente R$ 89 milhões. Para a secretária-geral da Sedufsm, professora Márcia Morschbacher, a medida é mais um exemplo da “política destrutiva em curso contra o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, realizada por parte do governo Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes”.
Na mesma linha de Márcia, o professor Leonardo Botega, também integrante da diretoria da Sedufsm, avalia que “os cortes na ciência e na tecnologia fazem parte da concepção arcaica do governo sobre o desenvolvimento do país e representam mais um ataque à soberania nacional”.
Essa alteração drástica nos recursos se deve ao fato de que o Congresso Nacional aprovou na última quinta (7), o Projeto de Lei (PLN) 16, que abre crédito suplementar de R$ 690 milhões. Esse valor sai do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e será quase todo destinado a outras áreas. Do montante aprovado pelos parlamentares, R$ 655.421.930,00 será retirado do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que é subordinado ao MCTI.
A proposta foi apresentada, no final de agosto, pelo Executivo. Originalmente, o projeto de lei previa liberação dos R$ 690 milhões à ciência brasileira. No entanto, após mandar a proposta do PLN ao Congresso, o ministro da Economia Paulo Guedes enviou, na quarta (6), um ofício com um adendo à proposta, alterando a destinação inicial prevista para os recursos. Sendo assim, dos R$ 690 milhões, só R$ 89,8 mi ficarão para o MCTI. Sendo que, desses recursos, somente R$ 7,2 mi irão para Administração Direta da pasta, que contempla as rubricas “Formulação e Gestão da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovações”, com R$ 4.734.573,00, e “Fomento a projetos, programas e redes de pesquisa e desenvolvimento”, com R$ 2.487.938,00. Ou seja, financiamento de pesquisas e políticas na área.
O restante, R$ 82.577.489,00, irá para a Comissão Nacional de Energia Nuclear, autarquia vinculada ao MCTI. Essa rubrica engloba cerca de R$ 63 milhões que serão destinados para atividades de manutenção da produção de radiofármacos. Vale destacar que, para essa rubrica, parte dos recursos (R$ 34.578.070,00) já estava prevista no projeto original. Além disso, outros R$ 19 milhões vão para o funcionamento das instalações laboratoriais que dão suporte operacional às atividades de produção, prestação de serviços, desenvolvimento e pesquisa.
Dinheiro da Ciência e Tecnologia já tinha sido cortado em relação à 2020
Do recurso suplementar, que sairá do MCTI, o Ministério do Desenvolvimento Regional deverá ficar com R$ 150 milhões para ações de proteção e Defesa Civil na gestão de riscos e desastres; R$ 100 milhões para a integralização de cotas de moradia do Fundo de Arrendamento Residencial e R$ 2,2 milhões para obras de infraestrutura hídrica.
Por sua vez, o Ministério da Educação deve receber R$ 107 milhões para a concessão de bolsas de estudo no ensino superior, e outros R$ 5 milhões, para o apoio ao desenvolvimento da educação básica. O Ministério da Saúde vai ficar com R$ 50 milhões para o saneamento básico.
Tanto o governo federal quanto parlamentares governistas afirmam que não faltarão recursos para o MCTI, todavia, os últimos cortes orçamentários apontam situação diferente. No orçamento aprovado em 25 de março pelo Congresso Nacional, os recursos previstos para este ano para a Ciência, Tecnologia e Inovação sofreram uma redução de 29% em comparação ao ano de 2020. E este novo corte representa uma redução de 92% nos recursos aprovados para a pasta no início do ano.
Segundo Mario Mariano Ruiz Cardoso, da coordenação do Grupo de Trabalho de Ciência e Tecnologia (GTCeT) do ANDES-SN, após uma intensa luta das trabalhadoras e dos trabalhadores da Ciência e Tecnologia, em articulação com estudantes da graduação e pós graduação, foi possível derrubar o veto de Bolsonaro e liberar a aplicação de 100% do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. "É exatamente essa conquista que está sendo atacada novamente. A puxada de tapete de Guedes no PLN 16 tenta impedir a aplicação desse recurso na ciência e tecnologia. O ANDES SN defende a garantia de recursos públicos para a ciência e tecnologia públicas. A população quer mais vacina e isso só é possível com mais investimentos nas universidades, institutos federais e Cefets que são as instituições que mais produzem pesquisa no Brasil".
Atrasos e corte de bolsas
Um dos impactos no estrangulamento dos recursos destinados ao MCTI são os cortes e atrasos no pagamento de bolsas de pesquisa, pós-graduação e iniciação científica. Em maio desse ano, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anunciou uma redução no número de bolsas concedidas para projetos de pós-doutorado pela falta de recursos para pagar pesquisadores. Apenas 12,8% dos 3.080 projetos inscritos receberam recursos.
Já entre o final de julho e início de agosto, um “apagão” no servidor do CNPq deixou fora do ar diversas plataformas, entre elas as Plataformas Lattes (Currículo Lattes, Diretório de Grupos de Pesquisa, Diretório de Instituições e Extrator Lattes) e Carlos Chagas.
Em resposta aos cortes na pasta, a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) divulgou uma nota, no sábado (9), em que denuncia o corte de recursos destinados à Ciência promovido pelo governo Bolsonaro e convocou cientistas, pesquisadoras e pesquisadores e sociedade civil no geral para uma paralisação nacional, no dia 20 de outubro, integrando o Dia Nacional de Mobilização em Defesa da Ciência, para que a situação seja revertida.
O ANDES-SN publicou uma nota de apoio, nesta segunda-feira (11), a paralisação das e dos estudantes de pós-graduação. “Declaramos total e irrestrito apoio à(o)s discentes de pós-graduação do Brasil que são responsáveis em grande medida pelo avanço da ciência no mundo. Nós defendemos as universidades públicas desse país e defendemos os pesquisadores e as pesquisadoras que se desdobram para manter o sustento de suas vidas e famílias e dão sine qua non contribuição para o avanço da ciência!”.
Marcos Pontes, titular do MCTI: após saber do corte de verba por terceiros, ameaçou se demitir
Impactos na visão da UFSM
O pró-reitor substituto de Pesquisa e Pós-Graduação, Thiago Ardenghi, entende que o que está ocorrendo significa uma “verdadeira calamidade pública para a ciência brasileira”. Segundo ele, já se sabe que cortes vêm acontecendo há algum tempo. Entretanto, na avaliação dele, o que ocorreu agora representa um verdadeiro “tiro de misericórdia que faltava para acabar com ciência de qualidade no país”.
Ardenghi argumenta que haverá um “impacto devastador em programas que já estão com editais abertos, como por exemplo, o edital universal do CNPq”. Esse impacto é grande, afirma ele, porque esses editais preveem projetos de cooperação entre instituições para o desenvolvimento de pesquisas que trazem impacto na sociedade. “E isso certamente vai estar acabado ou então os pesquisadores não vão conseguir o que foi planejado”, acrescenta.
Afora isso, ressalta o pró-reitor, a abrangência do impacto da redução da verba alcança projetos como o dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), que totalizam 101 centros de pesquisa multicêntricos brasileiros, cujos objetivos são o desenvolvimento de pesquisa e criação de patentes para o país. Esse projeto, conforme Ardenghi, é “elogiadíssimo” no mundo inteiro.
Para além disso, serão impactadas, conforme o titular da PRPGP, as bolsas da pós-graduação: doutorado acadêmico de inovação; bolsas de doutorado em áreas estratégicas; bolsas de mestrado. Segundo Thiago Ardenghi, o impacto na UFSM ainda é difícil de dimensionar agora, mas a previsão é de bastante impacto, com vários pesquisadores que terão que parar seus projetos ou então não vão conseguir financiamento para tocar projetos que são importantes.
Sedufsm: medida gera mais dependência tecnológica
Na visão de Leonardo Botega, diretor da Sedufsm, essa medida do governo “faz parte de uma concepção arcaica sobre desenvolvimento”. Para Botega, “inviabilizar pesquisas em plena ‘Era da Revolução 4.0’ é, sobretudo, apostar na dependência tecnológica e no atraso através de mais um ataque às universidades e à soberania nacional".
Márcia Morschbacher, secretária-geral da Sedufsm, vê ameaçada a formação de pesquisadores e pesquisadoras e a continuidade de programas e projetos que compõem o sistema nacional de ciência e tecnologia.
Para a docente, a iniciativa do governo se dá em um momento em que se pretende aprovar a PEC 32 (reforma administrativa), que acaba com os serviços públicos e ataca de forma severa os/as servidores/as públicos. “São medidas articuladas e complementares de um governo determinado a acabar com as conquistas sociais, as riquezas do país e a soberania nacional”, enfatiza. Por isso, acrescenta Márcia, é tarefa urgente “colocar fim a este governo”.
Texto: Fritz R. Nunes com informações do ANDES-SN
Imagens Marcos Oliveira (Ag. Senado)/ Divulgação PT
Assessoria de imprensa da Sedufsm