Que motivos levariam a UFSM a voltar ao vestibular e ao Peies? SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 04/03/22 18h41m
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Alegações da Prograd para retornar ao passado são rebatidas por sindicato e pesquisadores da educação

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2014 foi o último ano de vestibular na UFSM

Desde 2014, a UFSM adota as notas obtidas no Enem como único critério de acesso aos cursos da instituição. À época, uma grande disputa foi travada entre setores da universidade e o empresariado local, que creditava ao fim do vestibular e do Programa Especial de Ingresso ao Ensino Superior (Peies) a falência do comércio local e uma queda no processo de regionalização da universidade. A princípio, a ideia era destinar 70% de vagas para o Enem/SISU e 30% para o vestibular e o processo seriado. Contudo, uma proposta do DCE que destinava 100% das vagas para o Enem resultou vitoriosa.

Quase dez anos após a implementação do Enem, além de a economia da cidade não ter se desmantelado, o índice de regionalização conheceu uma melhora: 90% das vagas do SISU são do Rio Grande do Sul, e 54% são de Santa Maria e região, informa o próprio pró-reitor de Graduação da UFSM, Jerônimo Tybusch.

Recentemente, a partir de entrevista concedida pelo reitor Luciano Schuch aos meios de comunicação locais, inclusive ao site da Sedufsm, o debate sobre um possível retorno do vestibular e de um processo semelhante ao Peies ganhou fôlego.

Em diálogo com a Assessoria de Imprensa da Sedufsm, Tybusch afirmou que não há nenhuma proposta concreta sobre a questão, mas que, no momento, estão previstos seminários de regulação e planejamento acadêmico, durante os quais as comunidades de cada unidade de ensino da UFSM discutirão cinco pontos centrais.

São: Pré-ingresso, que envolve o contato com a comunidade e com a educação básica, a partir de projetos como o ‘Descubra’ e o ‘Janela Aberta’; Formas de ingresso, onde os cursos e centros avaliarão se para eles é efetiva a forma de ingresso vinculada ao Enem/SISU ou se é interessante o retorno do vestibular e do processo seriado; Permanência, que discutirá se os projetos pedagógicos dos cursos estão adequados frente ao mundo do trabalho e às exigências das profissões; Diplomação, que questionará como estão as taxas de conclusão nos cursos e quais fatores estão por detrás de tais taxas; Pós-diplomação, que refletiria sobre a política de egressos da UFSM, questionando sobre como está o contato com as pessoas que já se formaram na instituição.

Ou seja, a avaliação sobre as formas de ingresso será um dos pontos de tais seminários. A previsão é de que esses seminários percorram, entre os meses de abril e maio, todas as unidades de ensino da UFSM, incluindo os campi descentralizados.

A partir dos resultados obtidos em tais seminários, será possível ter percepções mais concretas e advindas dos mais variados cursos a respeito da questão Enem, vestibular e Peies.

Alguns dos motivos apontados por Tybusch para que o debate sobre retorno do vestibular e do Peies ganhe fôlego neste momento dizem respeito ao aumento nos índices de evasão dos cursos e à insegurança política transferida pelo governo Bolsonaro à elaboração e aplicação das provas do Enem. Contudo, mais abaixo, trazemos análises de dirigentes sindicais e pesquisadores/as da área da Educação que problematizam ambos os motivos acima alegados. 

Índices de evasão

Conforme informações cedidas pela Prograd à assessoria de imprensa da Sedufsm, a média de evasão da UFSM entre 2010 e 2020 é de 16,81%. Tal porcentagem é inferior à média nacional, que, segundo dados da Andifes e do Censo da Educação, fica em aproximadamente 25%. Confira, abaixo, os índices de evasão da UFSM ano após ano:

2011: 12,88%

2012: 14,87%

2013: 17,74%

2014: 15,98%

2015: 15,60%

2016: 16,08%

2017: 17,53%

2018: 19,61%

2019: 18,91%

2020: 18,50%

A própria Prograd salienta que é necessário avaliar com cuidado os dados referentes ao ano de 2020, visto que foi o período de início da pandemia e de instituição do Regime de Exercícios Domiciliares Especiais (REDE).

“Já temos oito anos de SISU. Fechamos um ciclo onde é necessário retomarmos algumas reflexões. Será que nossa evasão aumentou ou diminuiu? A partir dessas reflexões vamos tirar sugestões das unidades e cursos e, se for o caso, uma proposta diferenciada de tipos de ingresso”, disse Tybusch.

As explicações para o fenômeno da evasão são multifatoriais

*Reunião do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFSM que aprovou, em 2014, o Enem como forma única de ingresso 

Em reunião com entidades representativas dos segmentos da UFSM, a vice-reitora da UFSM, Martha Adaime, sugeriu que um dos motivos que podem vincular Enem a uma alta nas taxas de evasão é a possibilidade aberta pelo processo seletivo de que o(a) aluno escolha vários cursos, “[...] e, muitas vezes, a vocação do aluno não está adequada [ao curso que ele escolhe tendo em vista o número de pontos que alcançou]. Então ele entra mas não finaliza o curso”, ponderou a dirigente.

Contudo, na mesma ocasião, a diretora da Sedufsm Neila Baldi argumentou que, para entender o fenômeno da evasão, seria necessária uma discussão mais aprofundada e multifatorial sobre o tema, mapeando, por exemplo, se a assistência estudantil oferecida pela instituição está dando conta de manter esses alunos e alunas nos bancos da universidade.

Outro ponto central a ser considerado quando se fala sobre evasão é, para a dirigente sindical, a discussão pedagógica. “Acho que falta discussão pedagógica dentro da instituição. Os nossos currículos atendem às diversidades das e dos estudantes? O tipo de avaliação que nós fazemos atende a essas diversidades? Os professores e professoras atendem? Acho que falta um estímulo para que todas e todos debatam questões pedagógicas. No curso de Dança, por exemplo, percebemos que nosso currículo era eurocêntrico. Era uma dança branca, de elite. Então, em 2019, reformulamos o currículo após ampla discussão com alunos e egressos”, compartilha Neila.

Ascísio Pereira, docente do departamento de Fundamentos da Educação da UFSM e vice-presidente da Sedufsm, acredita que, para além de todas essas particularidades que devem ser levadas em conta quando se fala de evasão, o momento, agora, é de centrar forças para resolver um problema conjuntural e bastante preocupante: a evasão de estudantes durante a pandemia de Covid-19.

“Nesse momento estamos ensaiando um retorno presencial. Temos que buscar alunos que ficaram para trás, que não tiveram oportunidade de estudar por não terem acesso às tecnologias, à internet, a um bom computador em casa. Esse é o caso de muitos alunos nossos [da universidade], sobretudo aqueles que vêm das escolas públicas e que são, por consequência, os filhos e filhas da classe trabalhadora mais empobrecida. Temos que recuperá-los. E esse é um trabalho que, acredito, deva levar uns 4 ou 5 anos. Então não é oportuno, a meu ver, debater mudança de processo de seleção na universidade nesse momento, mas sim trabalharmos sobre os problemas reais que a gente tem e, paralelamente, poderiam ser feitos estudos  que demonstrassem para a comunidade interna e externa se há algum problema concreto relacionado ao nosso processo de seleção Enem/SISU”, perspectiva Pereira.

Ou seja, não é sobre não problematizar o Enem, mas sobre balizar qualquer decisão em dados e em processos amplos de debate.

“Eu sou radicalmente contra a universidade sair do processo Enem/SISU. Mas, se ela decidir sair, teria de haver um longo debate. Uns dois ou três anos, talvez até mais, acompanhados de pesquisas sérias sobre o processo da evasão dentro da universidade e onde a evasão está sendo determinada pelo processo Enem/SISU”, argumenta o vice da Sedufsm.

Enem significou maior inclusão

Para um docente que preferiu não se identificar, mas que já compôs, em gestões passadas, a equipe da Prograd, vestibular e Peies “privilegiam a elite”. Isso porque “a maioria dos alunos de escolas públicas têm mais dificuldades, tanto de aprendizagem, quanto de condições materiais mesmo. Não é uma regra, mas estatística”, aponta.

Um dos motivos apontados pelo professor para que alguns setores se posicionem favoráveis ao retorno do vestibular e do Peies flerta, também, com a perspectiva ideológica. Isso porque “ENEM e Sisu são inclusivos. E o senso comum da cidade, e mesmo de muitos professores, é de que selecionam mal”.

Suelen Gonçalves, socióloga e militante do movimento negro, também destaca o caráter mais inclusivo do Enem. Ela, que já foi aluna da UFSM, usa o exemplo local para ilustrar a situação. “Eu via a fila do Restaurante Universitário diversa, colorida, o que demonstrava a diversidade da nossa instituição. Era um projeto de sociedade que visava a educação na perspectiva da expansão para que mais pessoas pudessem acessar o ensino superior no Brasil. E hoje estamos diante de um contexto totalmente ao contrário, onde volta uma ideia de que a universidade pública é um espaço para as elites pensantes e essas elites vão reproduzir essa lógica com seus filhos e descendentes”, critica a socióloga.

Para Suelen, o retorno do vestibular e do Peies trará impactos negativos. “O vestibular acaba de alguma forma impedindo as pessoas de pensarem essa circulação nacional, e o Peies é um reserva de vagas para os filhos do que seria uma classe média alta na nossa região O Enem/SISU proporcionou que estudantes de todos os espaços do Brasil viessem concorrer a uma vaga na UFSM, que é federal. Isso nos mostra o quanto ideia de território e acesso é importante para nosso debate”, destaca.

Tendo feito parte de um momento histórico de expansão do ensino superior público brasileiro, que se interiorizou a partir de projetos descentralizados de campi universitários e da criação de novas instituições, o Enem, assim como as ações afirmativas, proporcionaram, na visão de Suelen, uma maior diversidade aos bancos das universidades.

O papel da extensão

Ao explicar o porquê de um retorno do Peies, por exemplo, ser positivo, Jerônimo Tybusch resgata um pouco a relação que se estabelecia entre a universidade e as escolas de educação básica da cidade de Santa Maria e região.

“A gente possui projetos de contato com a educação básica, por exemplo o Pibid, o Prolicen e a residência pedagógica, mas nós tínhamos um contato mais forte com escolas em processos como o seriado, que eram provas aplicadas no final de cada ano. Mandávamos conteúdos produzidos por professores da UFSM e tínhamos um contato mais forte com escolas no sentido de produção e discussão de conteúdos”, retoma o pró-reitor.

Contudo, Ascísio Pereira, vice-presidente da Sedufsm, pondera que um dos três pilares centrais da universidade, a extensão, serve justamente para promover essas pontes entre a universidade e as comunidades escolares locais, não necessitando o retorno do Peies para que se fortaleçam ações já existentes ou se criem novos projetos extensionistas visando a fomentar, em alunos da educação básica, a admiração e o desejo de ingresso no ensino superior público.

Insegurança política

Outro motivo comentado por Tybusch como um elemento a advogar em favor de um retorno do vestibular e do Peies seria a insegurança política gerada pelo governo Bolsonaro e consequentemente transferida à prova do Enem, de caráter nacional.

“O Inep está desaparelhado. O Enem começou a apresentar algumas inseguranças, primeiro foi a impressão e depois o vazamento das provas. Recentemente houve a desestruturação do órgão que faz a prova. Se esse sistema todo é desaparelhado, não temos formas de ingresso”, diz o pró-reitor, defendendo que o processo seriado (e o vestibular) trariam mais segurança em face de tais ameaças e instabilidades ocasionadas pelo governo federal.

“Não significa eliminar o SISU, e sim termos uma porcentagem para o processo seriado, que poderia nos aproximar das escolas, ainda mais com a Reforma do Ensino Médio. Poderíamos discutir conteúdos e formatos da prova. Diversas unidades têm visto como oportunidade o retorno do processo seriado. Seria um modelo híbrido: vestibular, processo seriado e SISU”, complementa Tybusch.

O pró-reitor assegura que não há, ainda, uma proposta concreta. Mas, sendo tal proposta futuramente construída e aprovada pelas instâncias da universidade, um edital se abriria no final de 2022, possibilitando que as provas do vestibular e do Peies ocorram já este ano.

Vale a pena?

Para Ascísio Pereira, o governo Bolsonaro deve ter fim em 2022, visto que as eleições presidenciais estão chegando. Dessa forma, na análise do docente, não vale a pena utilizar como argumento para enfraquecer o Enem a ideia de ingerência e instabilidade política do governo Bolsonaro.

“Pode ser que estejamos vivendo o último ano do governo Bolsonaro. Então qual o sentido de tomarmos uma medida agora contra um governo que – esperamos – talvez esteja no fim? Me parece que isso é não discutir o que deve ser discutido”, pondera o docente. Em sua análise, quando se fala em evasão, por exemplo, o fundamental a ser discutido são as políticas de manutenção do estudante de baixa renda.

“Esse ponto nos leva a compreender a evasão. Não tem como ter solução, ao meu ver, com a volta do vestibular. Esses argumentos são subterfúgios para o negócio da educação privada em Santa Maria”, complementa Pereira.

Assim como Pereira, Suelen também acredita que o problema da evasão deve ser observado pelo viés das políticas de permanência adotadas pelas universidades.

“Existe uma concepção de universidade que é diferente no período anterior e no período de Bolsonaro. É só a gente pensar o orçamento destinado à Educação, os cortes nas mais diversas áreas sociais, e em especial no Ministério da Educação. É nítido o ataque às políticas públicas e à educação superior no país. Temos de avançar no tema da defesa do Enem e da assistência estudantil, pois não basta só pensarmos o ingresso, temos de pensar como os alunos estão nesses espaços. Percebemos que esse ataque à educação atinge diretamente o ingresso - é só a gente ver os índices de diminuição de inscritos no Enem”.

 

Texto: Bruna Homrich

Imagem 1- Bruno Garcia (O Sepeense); Imagem 2 - Manuela Vasconcellos (Gaúcha ZH) 

Assessoria de Imprensa da Sedufsm 

 

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