Denúncias de assédio sexual ainda têm como principal desfecho a impunidade SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 08/07/22 18h05m
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Medo de retaliações e dificuldade de comprovação do crime estão entre os principais motivos pelos quais muitas vítimas não seguem em frente com as denúncias

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Denúncias devem ser registradas na Plataforma Fala.BR

Mais de 60% das denúncias de assédio sexual na Administração Pública Federal são concluídas sem a devida responsabilização dos agressores. Os dados foram divulgados pelo jornal Folha de S. Paulo no último dia 4 de julho, e são baseados em mapeamento realizado pela Controladoria-Geral da União (CGU). Segundo o estudo, entre os anos de 2008 e 2022, 905 processos envolvendo assédio sexual foram abertos. Desses, 633 alcançaram algum desfecho e 272 ainda estão em tramitação.

O que mais chama a atenção, contudo, são os números relativos às 633 denúncias já conclusas: 432 dessas chegaram ao fim sem punição dos agressores, fatia que representa 65,7% do total. Isso significa que a maior parte das denúncias de assédio sexual na esfera pública chegam ao fim sem punição – e a impunidade pode carregar, em si, um forte componente antipedagógico.

Para a professora do departamento de Artes Visuais da UFSM, Rosa Blanca Cedillo, um dos motivos que podem explicar a falta de punição é a parca formação de juízes no campo da violência de gênero.

“Faz-se necessária uma especialização na temática. A violência de gênero teria que configurar-se como tema transversal nos Cursos de Direito de todos os países do mundo, deveria entrar no exame da Ordem das(os) Advogadas(os) do Brasil (OAB). Aliás, os Estudos de Gênero deveriam constar como componente curricular de qualquer Curso de Graduação. Herdeiros do Feminismo, os Estudos de Gênero dialogam com qualquer área do conhecimento, pelo seu carácter inter e transdisciplinar”, sugere a docente, que integra o Comitê de Igualdade de Gênero da UFSM. O Comitê é um grupo formado por quinze pessoas imbuídas de colocarem em prática a Política de Igualdade de Gênero, aprovada pelos conselhos superiores da instituição em outubro do ano passado.

Dificuldade de comprovação

Já a docente do departamento de Direito da UFSM, Andrea Cezne, pondera que grande parte da impunidade deve-se, também, à falta de provas que possam ser usadas tanto em um processo administrativo quanto em um processo penal.

“E uma das maiores dificuldades em relação às vítimas no momento da denúncia é justamente provar o ocorrido. Já é complexo a vítima resolver denunciar, porque o assédio justamente se caracteriza por uma relação hierárquica, em que o assediador se aproveita de sua influência, que pode ser na relação de chefia direta da vítima ou outra forma de poder exercido dentro da organização. O assediador aproveita-se do temor da vítima de ser demitida (no caso do setor privado), de ser prejudicada em avaliações e em promoções no caso do serviço público”, explica Andrea.

Ela esclarece que o assédio sexual está dentro daquilo que chamamos de assédio moral, ação provocada pelo assediador contra a vítima e comumente desferido contra mulheres em seus ambientes de trabalho.

“O temor também da exposição pública e da culpabilização da vítima é uma das dificuldades das vítimas em denunciar. Adiciona-se aí a falta de mecanismos eficientes e seguros de dar seguimento às denúncias realizadas, e muitas vezes uma cultura organizacional predominantemente machista”, complementa Andrea.

Uma ressalva importante feita pela docente é de que, embora o assédio sexual seja mais comum quando feito por um superior contra alguém em um nível hierárquico mais baixo, tal crime também pode ocorrer entre colegas, ou seja, entre pessoas que estejam no mesmo nível hierárquico.

Ocorre que o assédio verificado entre colegas é passível de punição apenas nos âmbitos administrativo e cível. Já o assédio registrado entre níveis hierárquicos diferentes (com o assediador estando acima, em termos de posto de trabalho, da vítima) pode avançar para a esfera penal.

A dificuldade de comprovação da denúncia também é um fator destacado pela Ouvidora Geral da UFSM, Sonia Venturini. Devido a isso, algumas vítimas decidem não seguir com a denúncia.

“Muitas vezes é por medo de retaliação, mas no assédio sexual, além da retaliação, tem a questão da exposição, o medo de não conseguir... A pessoa que denuncia vai ter de relatar situações e apresentar provas ou testemunhas. Ela vai ter que, de alguma forma, comprovar. A Ouvidoria é um espaço que o usuário tem de se sentir seguro e não ser exposto”, explica Sonia.

Após receber o registro de uma denúncia, a equipe da Ouvidoria analisa o material e o encaminha para a unidade responsável por dar seguimento à tramitação. Quando se trata de uma denúncia de assédio sexual, por exemplo, o órgão a encaminha para o Gabinete do Reitor, que dá vista e envia à Comissão Permanente de Sindicância e Inquérito Administrativo (COPSIA).

Porém, Sonia destaca que, em casos de assédio sexual, a orientação é de que a vítima, primeiro, registre um Boletim de Ocorrência junto à justiça comum. Tal Boletim deve ser anexado na denúncia a ser feita junto à Ouvidoria.

Todas e todos podem buscar orientação presencial junto à Ouvidoria (localizada no térreo da reitoria, sala 109), contudo as denúncias são registradas de forma online, na plataforma Fala.Br.

Parceria com a Casa Verônica

Recentemente a universidade anunciou que, em cerca de dois meses, será inaugurada a Casa Verônica, espaço de atendimento multiprofissional às pessoas vítimas de violência ou vulnerabilidade de gênero. A criação do espaço é um desdobramento da Política de Gênero.

Uma vez que a ideia é integrar todos os setores da universidade, visando a que dialoguem entre si de forma a oferecer um melhor amparo às pessoas fragilizadas, Sonia antecipa que a Ouvidoria terá uma parceria com a equipe da Casa Verônica – formada por uma administradora, uma psicóloga, uma advogada e uma assistente social.

“A parceria com a Pró-Reitoria de Extensão (PRE) e com a Casa Verônica consiste em, quando recebermos (na Ouvidoria) pessoas que passaram por situações de constrangimento, preconceito e assédio, além de orientarmos que elas formalizem a denúncia, solicitaremos que procurem a Casa Verônica. Ou podemos dar o nome da pessoa, com seu devido consentimento, para a equipe multidisciplinar da Casa, para eles fazerem esse acolhimento e darem o suporte para essa pessoa. Porque a pessoa se sente muito frágil e precisa de acolhimento nesse momento. Mesmo que ela não queira formalizar a denúncia naquele momento, com o suporte e acolhimento ela pode mudar de ideia”, partilha Sonia, para quem a universidade também tem um papel pedagógico. “Temos que ser educativos, não simplesmente punirmos”.

A Ouvidoria tem uma página na internet na qual explica o que configura o assédio sexual e orienta as vítimas a como procederem caso sofram esse tipo de violência. Nos dados apresentados no site, referentes ao período de tempo transcorrido entre 2012 e 2017, o ano que mais apontou denúncias de assédio sexual foi 2016, com 52 manifestações, seguido de 2015, com 42, e de 2013, com 32.

A universidade tem papel fundamental no combate ao assédio

Para Rosa Blanca, impera ainda no serviço público brasileiro uma espécie de medo de se falar sobre assédio sexual. Na avaliação da docente, todas as instituições públicas devem fomentar discussões que desmitifiquem o assédio sexual e esclareçam seus pontos elementares, bem como a forma de conduta das vítimas.

Considero que a Universidade Federal de Santa Maria, como uma das universidades mais inclusivas do mundo, autoriza, precisamente, que através da Política de Igualdade de Gênero, aprovada no ano de 2021, se fale de assédio sexual, entre outras problematizações. A UFSM é vanguarda no país e no mundo”, defende a docente do departamento de Artes Visuais.

E, nesse sentido, o Comitê de Igualdade de Gênero tem uma tarefa importante a ser cumprida, podendo contribuir para amplificar o alcance da temática e dirimir quaisquer dúvidas ou angústias que paralisem as vítimas e as impeçam de seguir em frente com as denúncias.

“É importante ressaltar que a Política de Igualdade de Gênero não busca fazer valer uma justiça punitiva. Nesse sentido, um dos objetivos do Comitê de Igualdade de Gênero é estudar modos de levar a cabo uma justiça restaurativa, em uma dimensão mais ampla. Isso quer dizer que o Comitê de Igualdade de Gênero procura estratégias de ações que propiciem a mudança no comportamento do(a) servidor(a) público agressor, e uma reparação transformadora, no caso da vítima”, complementa Rosa.

Não há como falar de assédio sexual sem passar, necessariamente, pelo debate sobre violência de gênero. A docente e integrante do Comitê explica que tal violência, de tão reproduzida, acaba por ser naturalizada – no cotidiano do trabalho, em piadas nos contextos informais, ou mesmo em documentos administrativos, nos quais a linguagem masculina ainda é concebida como a universal.

“Desafortunadamente, continua-se a produzir um gênero masculino que funcione como dominador ou violento, e um gênero feminino que atue como vítima ou com submissão. Tende-se a minorizar a comunidade LGBTQIA+ e a Não-binaria, e consequentemente, as suas violências também são naturalizadas. Gênero, na contemporaneidade, usa-se como uma categoria guarda-chuvas. Cabe ao Comitê de Igualdade de Gênero idealizar modos educacionais que contribuam para uma mudança nas formas justas de conceber, pensar e produzir o gênero, para modificar as maneiras de relacionar-se das pessoas, no serviço público, e assim acabar com o assédio sexual, partindo da não-violência na convivência laboral e estudantil, até na efetiva existência da paridade na eleição das(os) suas (seus) gestoras(es): 50% mulheres e 50% homens nos cargos administrativos”, diz Rosa.

Orientações práticas

Há uma cultura de assédio moral e assédio sexual na Administração Pública e, por consequência, na Universidade. É o que frisa Andrea Cezne, salientando, em seguida, que devem ser pensados mecanismos institucionais de acolhimento às vítimas e de formação do quadro de servidores e servidoras, bem como de estudantes. Essa formação daria conta de divulgar os direitos das vítimas, os modos adequados de se comportar no trabalho e, ainda, formas de lidar em caso de assédio.

Um cuidado destacado por ela é o de respeito ao devido processo legal, garantindo aos acusados o direito à ampla defesa e evitando a espetacularização do sofrimento.

Para a docente do departamento de Direito, a apuração séria das denúncias é essencial visto que o assediador tende a não agir somente uma vez, sendo geralmente reincidente nessas práticas. Um mesmo assediador, além disso, pode ter mais de uma pessoa como vítima em um ambiente. Abaixo, Andrea traz algumas dicas práticas sobre o que as pessoas vítimas de assédio devem fazer quando entenderem que estão passando por uma situação desse tipo:

“Em relação às vítimas, é importante que elas se preocupem em deixar claro para o assediador a sua posição de recusa e desconforto com a situação, reunir provas (gravações, mensagens de whatsapp, bilhetes, etc). Também dar visibilidade aos fatos (por exemplo, buscando o apoio de colegas que tenham testemunhado o(s) eventos), procurar não ficar sozinha com o assediador, e anotar os dados do dia do delito (data, hora, local, e tudo que possa caracterizar posteriormente o crime). É importante que as vítimas busquem ajuda, e nesse sentido, é importantíssimo que as instituições tenham canais de auxílio, e que haja confiabilidade nesses canais”, conclui.

 

Texto: Bruna Homrich

Imagens: Print e UFSM

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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