Estudantes temem evasão com reajuste de 140% no valor da refeição na UFSM
Publicada em
22/07/22
Atualizada em
22/07/22 18h31m
1060 Visualizações
Acadêmicos (as) mobilizam-se contra aumento de preço e reitoria diz que segue dialogando
Depois que o governo federal oficializou um corte de R$ 9 milhões no orçamento da UFSM, a reitoria da instituição informou que uma das medidas a ser tomada é o reajuste no valor da refeição servida no Restaurante Universitário (RU) para estudantes que não possuem Benefício Socioeconômico (BSE). Assim, o custo passaria dos atuais R$ 2,50 para em torno de R$ 6,00, o que corresponde a um subsídio de 50% às refeições. No entanto, esse valor ainda está sendo discutido com o segmento estudantil e há margem para alterações, conforme deixaram dito, à assessoria de imprensa da Sedufsm, tanto a pró-reitora de Assuntos Estudantis, Gisele Guimarães, como também o reitor, Luciano Schuch.
Entre acadêmicos (as) ouvidos (as) pela Sedufsm, o clima é de preocupação e, também, de mobilização. Sofia Lopez Dotto, estudante de licenciatura em Teatro, coordenadora de Cultura e Esporte e Lazer do DCE, assinala: “me aterroriza pensar que vou ver um contingente enorme de estudantes desistindo de sua graduação por não conseguirem comer dentro da Universidade”. É o perigo do aumento da evasão. Victor Marques, da coordenação financeira da Casa do Estudante (CEU II), e atualmente cursando Geografia, analisa que “o estudante assalariado que depende da alimentação do RU, que paga aluguel, paga transporte e que não conseguiu acessar o BSE, terá dificuldades de permanecer na universidade, não conseguindo ter sua segurança alimentar garantida”.
Jéssica Erd Ribas (foto acima), diretora administrativa da Associação de Pós-Graduandos (APG), doutoranda em Educação, acrescenta outros elementos para o debate. Ela ressalta que, além do aumento nos gastos com alimentação, é preciso lembrar que faz cerca de duas décadas que, por exemplo, as bolsas de pesquisa não sofrem reajustes nos valores. Dessa forma, frisa ela, com a inflação nas alturas, a conta de subsistência dos (das) estudantes “não fecha”.
A assessoria de imprensa da Sedufsm pediu a opinião de um economista- no caso, o professor aposentado do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM, José Maria Pereira. Conforme a avaliação dele, “o impacto econômico de R$ 2,50 para R$ 6,00, certamente é grande para os estudantes porque vem a se somar a várias outras despesas, como aluguéis, passagens, etc., que estão subindo muito por conta do recrudescimento da inflação”. Portanto, “duas refeições diárias, ao longo do mês, passariam de R$ 150,00 para R$ 360,00, o que é significativo”, calcula o professor.
Para Pereira, o ideal seria que o reajuste das refeições acompanhasse a inflação do período. Já no que se refere ao impacto social, acrescenta ele, “sabemos que o valor das refeições do RU é uma espécie de preço político, ou seja, é subsidiado porque o custo da refeição, aos preços de mercado, certamente é maior. Na verdade, subsidiar significa tirar de todos para dar a alguns. Então, é uma escolha política”, frisa ele. No caso específico das refeições, continua ele, como o "cobertor da universidade é curto", o ideal seria que esse preço político fosse debatido, de forma transparente no Conselho Universitário, justificando os motivos do elevado reajuste que, se mantido, talvez possa ser feito de forma gradual”, conclui.
Impactos
Sofia Dotto (foto abaixo), da coordenação do DCE, avalia os impactos do aumento no valor da refeição. “Caso o reajuste venha de fato a se consumar, as consequências irão refletir tanto no âmbito financeiro para os estudantes quanto na evasão universitária”. Na visão da estudante, dentre os alunos não englobados pelo Benefício Socioeconômico, “percebemos que há um número considerável que ficou sem tal assistência por possuir renda que ultrapassava valores em torno 100 ou 200 reais além do ‘limite’ do benefício”.
Ao fazer os cálculos do quanto poderá gastar um acadêmico (a) não abrangido pelo BSE, Sofia destaca: “hoje, fazer uma refeição diária por cinco dias no Restaurante Universitário custa R$ 12,50; caso haja o reajuste proposto (que altera o valor de R$ 2,50 para R$ 6,00) essa mesma quantidade de refeições custaria R$ 30,00. Ou seja, esse mesmo aluno em um mês gastaria R$ 120,00, sem contar a alimentação no final de semana, gastos com transporte e aluguel e demais contas”. Para a integrante do DCE, essa ampliação de gastos vai inviabilizar a permanência de muitos na universidade.
Victor Marques, da CEU II, avalia que o aumento do valor da refeição impacta diretamente na segurança alimentar do estudante e “demonstra a política do atual governo federal que está sucateando nossas universidades públicas federais”. Para ele, um aumento em 140% no preço nas refeições do Restaurante Universitário, somando com o aumento das passagens para R$ 5,00 dá um total de 23 reais desembolsados diariamente para o deslocamento até a universidade e, ainda, realizar as refeições, o que pode atingir um patamar de R$ 460,00 (mensais). “O aumento do preço do RU é uma alternativa que inviabiliza qualquer oportunidade de se pensar uma perspectiva de democratização e universalização do acesso à Universidade e garantia da permanência das e dos estudantes de todos os níveis”, frisa o estudante de Geografia.
A integrante da APG, Jéssica Ribas, faz uma analogia com a situação conjuntural do país. “Sabemos que uma parcela significativa da população brasileira está vivendo em situação de insegurança alimentar e/ou fome. É essa situação que se avizinha à universidade, caso o reajuste nos valores das refeições aconteça”, sublinha ela. E complementa: “É sabido que muitos (as) colegas já não conseguem pagar o valor atual das refeições, dado à inflação que tem salgado a conta de outras despesas básicas – como moradia, vestimenta e transporte – e assim, não têm garantida a possibilidade de realizar três refeições diárias”.
O que fazer? Pressionar e barrar
Diante do quadro que está colocado, com a possibilidade concreta de a refeição ser reajustada em 140% para estudantes sem BSE (os que possuem benefício não pagam pela refeição), o que fazer, qual seria a saída?
A coordenadora do DCE, Sofia Dotto, diz que entende a situação das universidades federais de forma geral e que tem consciência da complexidade de se gerir uma instituição do porte da UFSM. “Todavia, simultânea à crise das universidades está a crise financeira geral do país. Tudo aumentou, manter as contas em dia nas residências ficou mais difícil. Estudar ficou mais difícil, principalmente quando pensamos que grande parte dos estudantes já trabalham para conseguir suprir seu orçamento e se alimentar dignamente ficou mais difícil”.
Levando em conta uma visão mais global, ela assinala que “sabendo desta dificuldade, tendo conhecimento acerca da situação de meus colegas universitários, é que acredito que se deve realocar o orçamento de forma a priorizar a garantia de uma alimentação completa e de valor compatível com a realidade estudantil e que, consequentemente, priorize a permanência dos discentes dentro da universidade”.
Sobre as medidas para tentar evitar que esse aumento aconteça, Sofia comenta que o DCE pretende manter um diálogo direto com a instituição para que “possamos obter sempre as informações atualizadas e verídicas em torno desta possibilidade de reajuste”. Segundo ela, o objetivo central se dará em cima da mobilização estudantil. “É de muita importância unir a força da massa estudantil em assembleias, atos e protestos para que fique em evidência não só nosso descontentamento, mas também a amplitude do impacto que este aumento pode causar, caso entre em vigência”.
Sofia conclui dizendo que “nossa luta será para barrar desde já essa tentativa de aumento, e caso prossiga, seja derrotada dentro do Conselho Superior. Nesse caso, estaremos presentes para votar contra o reajuste, ocupando as vagas que temos direito nos conselhos superiores da Universidade, e discutindo com as e os demais conselheiros para que se unam a nós”.
Diálogo, mobilização, greve
Na visão de Victor Marques, estudante de Geografia e da coordenação da CEU II, uma das medidas necessárias é realizar “um amplo diálogo com a comunidade acadêmica”, fazendo a discussão do orçamento de forma que viabilize a “transparência dos gastos” da universidade, possibilitando o que ele considera, uma melhor organização do planejamento da universidade.
Para além do diálogo, Victor (foto acima) enfatiza ser necessário também “uma ampla agenda de mobilização com as comissões de educação, articulação de sindicatos e movimentos estudantis”, para que sejam viabilizadas “políticas públicas que visem barrar os retrocessos deste desgoverno Bolsonaro”.
Jéssica Ribas, da APG, acredita que a “universidade precisa adotar uma ação política diferente de ‘enxugar gelo’ diante dos cortes que vem sofrendo”. Segundo ela, é fato público que a UFSM não tem como garantir o bom funcionamento de suas atividades com todos os cortes orçamentários. A partir desse quadro, a acadêmica considera que “é preciso se engajar coletivamente em uma política que denuncie a precarização da universidade e dizer não à política de sucateamento do governo federal”.
Ela vai além: “Se não há recursos financeiros para continuar/manter as atividades, que se faça greve, ou busque-se junto às entidades representativas alternativas para garantir a reposição orçamentária”. Na ótica de Jéssica, os/as estudantes “não podem pagar o preço da fome” já que a alimentação “é um direito básico e não pode ser tratada como privilégio”.
Reitoria diz que ainda não encerrou a negociação
Na próxima semana deverá ocorrer uma nova reunião entre membros da reitoria e as entidades estudantis. Gisele Guimarães, titular da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), afirma que “o valor (de 6 reais) ainda não está confirmado”. Segundo a titular da PRAE, o diálogo com os estudantes apenas começou e terá continuidade. Sobre quando se terá uma definição, Gisele afirma que “será encaminhada uma proposta para os conselhos (superiores) depois dos trabalhos com os movimentos estudantis, ainda esse semestre”.
Luciano Schuch, reitor da UFSM, confirmou à Sedufsm que existem três cenários em estudo: um, com subsídio de 75% (próximo ao que se tem hoje); outro, com 50% de subsídio (meio a meio entre UFSM e estudante, o que levaria aos 6 reais) e o outro, com o subsídio de 25%. Ele explica que, esse ano, são 9 milhões de reais a menos, justamente o valor que possibilitaria subsidiar os estudantes que não têm BSE.
O dirigente da UFSM ressalta que, na reunião da próxima semana, com os/as estudantes, esses três cenários (possibilidades) serão discutidos. Só depois disso é que a proposta irá tramitar nos conselhos superiores (Consu e de Curadores) e, que, segundo ele, são essas instâncias que irão decidir com qual dos cenários se trabalhará. Schuch espera que esse debate esteja concluído até o final de agosto.
Texto: Fritz R. Nunes
Fotos: DCE e arquivo pessoal
Assessoria de imprensa da Sedufsm