Quase dois milhões de pessoas entraram para a pobreza extrema no Brasil só em 2021
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22/08/22 19h14m
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Extinção do CONSEA e esvaziamento dos recursos do Programa de Aquisição de Alimentos por Bolsonaro teriam participação decisiva no aumento da fome
Existem hoje, nas metrópoles brasileiras, 19,8 milhões de pessoas na linha da pobreza. O número é o maior já registrado desde 2012 e representa 23,7% da população metropolitana. Coletados em 22 das principais áreas metropolitanas do país, os dados estão expressos no 9º Boletim Desigualdade nas Metrópoles (disponível para download ao final da página), que compreende o período de 2012 até 2021.
O agravamento da miséria e a falta de condições mínimas de sobrevivência repercute em Santa Maria. Além de dados nacionais, trazemos, mais abaixo, um pouco da organização de entidades e grupos da sociedade civil local para dar conta de amenizar, ao menos em parte, a dor de quem tem fome.
São consideradas em situação de pobreza as famílias que, em 2021, tiveram renda per capita mensal abaixo de R$ 465. As situações mais críticas em 2021 foram observadas em Manaus (41,8%) e Grande São Luís (40,1%). Já os locais com os menores resultados foram Florianópolis (9,9%) e Porto Alegre (11,4%).
Para serem classificadas como de extrema pobreza, as famílias tinham de apresentar renda per capita mensal abaixo de R$ 160. Esse grupo bateu recorde, segundo o relatório. Em 2021, 5,3 milhões de pessoas estavam nessa situação, o que representa 6,3% da população das regiões metropolitanas. Destas, 3,1 milhões de pessoas entraram nesta situação nos últimos 7 anos, sendo 1,6 milhão delas apenas em 2021.
No caso da pobreza extrema, Recife (13%) e Salvador (12,2%) registraram os percentuais mais elevados. Florianópolis (1,3%) e Cuiabá (2,4%) apareceram na outra ponta, com os índices mais baixos.
Seguindo a mesma lógica dos dados anteriores, o rendimento médio mensal das famílias, em 2021, alcançou o menor valor da série histórica. Enquanto em 2020 o valor era de R$ 1.830, em 2021 passou a ser de R$ 1.698. A queda na renda foi maior entre a população com menor rendimento. Os 40% mais pobres, com renda média de R$ 1396,10, tiveram queda de 23,1% em seus rendimentos neste mesmo período.
Um país marcado pela pobreza consequentemente também é cindido pela desigualdade. O Boletim sinaliza que a desigualdade de renda expressa pelo Coeficiente de Gini atingiu o maior valor da série histórica em 2021, chegando a 0,565 para o conjunto das Regiões Metropolitanas. Em 2014, o Gini era de 0,538.
Tamanha desigualdade também se torna gritante se levarmos em consideração mais alguns dados, a exemplo da diferença de rendimentos entre os 10% de pessoas mais ricas e os 40% de pessoas mais pobres. Essa diferença chegou a 19,1%, indicando que os 10% mais ricos ganharam, em média, 19,1 vezes mais que os 40% mais pobres.
Não é de causar espanto, após a visualização dessas informações, que, em 2022, o Brasil tenha retornado ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU). Para ingressar no indesejado Mapa, um país deve ter mais de 2,5% de sua população enfrentando falta crônica de alimentos. No Brasil, no último mês de julho, 4,1% da população vivenciava a situação de fome crônica.
Segundo documento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) intitulado “Brasil: indicadores socioeconômicos selecionados” (disponível para download ao final da página), em 2021 e 2022, 15,5% da população estava na condição de insegurança grave – ou seja, estava passando fome. Por insegurança alimentar o órgão entende a “condição de não acesso pleno e permanente a alimentos. A fome representa a forma mais grave”.
Dieese constata
Corroborando a análise divulgada pelo 9º Boletim Desigualdade nas Metrópoles, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) lançou recentemente o documento “Brasil: indicadores socioeconômicos selecionados”, dividido em três partes: 1 - saúde financeira do país; 2 - crescimento econômico e da inflação; 3 - mercado de trabalho e as condições de vida da população. Dados são referentes ao período compreendido entre 1995 e 2021.
Segundo o órgão, para se ter uma análise mais fidedigna a respeito das reais condições de vida da população, alguns indicadores devem ser observados, tais como: Inflação; Taxa de juros; Taxa de câmbio; Evolução do PIB; Consumo das famílias; Nº de botijões de gás que o Salário Mínimo pode comprar; e Nº de cestas básicas que o Salário Mínimo pode comprar. Uma redução na taxa básica de juros (Selic), por exemplo, tende a representar melhores condições de financiamento para consumo e investimentos.
Segundo o material, “inflação é uma alta contínua e generalizada de preços”. O fenômeno não é neutro, de forma que, enquanto as e os trabalhadores sofrem com a alta de preços, uma parcela diminuta de pessoas são por ela beneficiadas.
Pelo número de cestas básicas que o salário mínimo pode comprar também é possível aferir as condições de vida da população, uma vez que a comparação com a cesta representa um indicador do poder de compra dos salários.
Segundo o material, enquanto entre os anos de 2003 e 2014 o número de cestas básicas que podiam ser compradas com o salário mínimo experimentou uma curva ascendente, desde o governo de Michel Temer o poder de compra das famílias vem descendo de forma contínua. Confira no gráfico abaixo:
Outro indicador certeiro para analisar as condições de vida da população é o número de botijões de gás de 13 quilos que o salário mínimo pode comprar. Nos últimos meses, vimos na mídia notícia denunciando a situação de extrema precariedade de famílias brasileiras, que, não conseguindo arcar com o gás de cozinha, recorrem a outros meios para cozinhar alimentos, como lenha ou álcool – o que pode acarretar acidentes fatais.
Da mesma forma que a cesta básica, a relação entre o valor do botijão e o salário mínimo vem decaindo de forma abrupta desde o governo Temer. Enquanto em 2015, por exemplo, o salário dava conta de cumprir 16,3 botijões, em 2021, no Brasil de Bolsonaro, só puderam ser comprados 12,2 botijões.
Taxa de desemprego
Também considerado um dos indicadores centrais para avaliar as condições socioeconômicas de um país, a taxa de desemprego corresponde ao número de pessoas que estão no mercado de trabalho, mas não conseguem encontrar ocupação.
Aprovada em 2017, ainda no governo de Michel Temer, sob o argumento principal de gerar mais empregos e renda, a Reforma Trabalhista não se desdobrou em mais postos de trabalho. Conforme o gráfico exposto abaixo, após a Reforma, a taxa de desemprego, que era de 12 pontos pouco antes de Bolsonaro assumir, subiu para 12,6 em 2021.
Além disso, outro indicador que demonstra a falácia da Reforma Trabalhista como geradora de empregos é o estoque de empregos formais, que corresponde aos vínculos empregatícios sólidos, seja no regime celetista, seja no serviço público.
Ao final do governo Temer e início do governo Bolsonaro, eram registrados 46,6 milhões de empregos formais. Já em 2021, registraram-se 46,2 milhões, representando uma diminuição.
No serviço público, isso pode se explicar pelo fato de diversos servidores terem se aposentado e seus cargos sido extintos pelo governo federal. Na UFSM, por exemplo, segundo dados apresentados pelo reitor Luciano Schuch no mês de junho deste ano, entre 2016 e 2022, a instituição contabilizou 269 técnico-administrativos em educação a menos, tendo em vista que as e os servidores foram se aposentando e, uma vez que seus cargos vêm sendo extintos pelo governo, não receberam reposição.
A fome em Santa Maria
Por aqui, a cidade não vai na contramão do cenário nacional. Em Santa Maria, desde o início deste ano até o dia 12 de agosto de 2022, o Banco de Alimentos (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público que objetiva, dentre outras questões, combater a desnutrição e a fome) doou 219.017,1870 quilos de alimentos para famílias locais.
Neste mesmo período (janeiro a 12 de agosto de 2022), a organização ofereceu, em média, 82.131 refeições por mês, beneficiando cerca de 6.225 pessoas.
Existe hoje, na cidade, uma série de entidades e iniciativas que tentam, na ausência ou precariedade das políticas públicas sociais, levar um pouco de comida para as pessoas acometidas pela pobreza extrema. Abaixo, listamos alguns deles e a forma de contribuir.
Juarez Felisberto, zootecnista, técnico-administrativo em educação na UFSM, presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSEA-SM) e integrante do "Comitê Emergência Ruas", avalia que o governo Bolsonaro contribuiu decisivamente para que o Brasil e a cidade chegassem a tal ponto.
Dentre os principais ataques deste governo à segurança alimentar e à dignidade das pessoas, Felisberto destaca: “a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e o esvaziamento dos recursos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que era um dos pilares de combate à fome, pois atuava em duas frentes: alavancava a Agricultura familiar e combatia a fome, por meio dos equipamentos públicos de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) que compravam os alimentos, como Restaurantes Populares e Cozinhas Comunitárias ( além de órgãos institucionais, como restaurantes universitários federais, presídios, exército, etc)”.
Para o servidor, que também coordena o Programa de Extensão "Hortas Comunitárias em Santa Maria - Segurança Alimentar e Economia Solidária" da UFSM, trata-se de um projeto político.
“A fome é uma questão política e não tem a ver com a falta de alimentos. Como dizia Josué de Castro ‘a fome é parceira e consequência da pobreza e da falta de distribuição de renda. Não é por falta de produção de alimentos; esse tema não é tabu, é um problema de poder político. De dominação de classe’. A questão da pandemia da Covid-19 não explica e não justifica o Brasil voltar ao Mapa da Fome”, pondera Felisberto.
Projetos em Santa Maria e como ajudar
Santa Maria tem no mínimo 15 iniciativas e grupos que distribuem refeições e contribuem para a diminuição da fome na cidade. Os listados abaixo integram o Comite de Emergência Ruas:
1 – Acolher com Coração: distribui marmitas de janta todos os domingos, às 18h, na Praça Saldanha Marinho. O grupo conta com cerca de 35 voluntários e serve, em média, 50 refeições por domingo. Responsável: Eleir Machado. Telefone: (55)99902- 6984.
2 – Marmita Solidária: distribui marmitas de janta a moradores e moradoras de rua todas as segundas-feiras. O grupo conta com três colaboradores e atende de 50 a 60 pessoas por semana. Responsável: Nome de contato: Celso Medeiros Ribeiro. Telefone: (55)99126-4902.
3 – Centro Holístico Renascer: distribui marmitas de janta nas primeiras terças-feiras de cada mês, na Praça Saldanha Marinho ou na Rua Alberto Pasqualini (“24 Horas”). Cerca de 70 pessoas são atendidas a cada ação do grupo. Responsável: Vinícius Degliuomeni. Telefone: (55) 99653 9868.
4 – Marmita Solidária da Tancredo Neves em Ação: serve marmitas de janta todas as terças-feiras (com exceção da primeira terça do mês), na Praça Saldanha Marinho ou na Rua Alberto Pasqualini (“24 Horas”). Em média, são atendidas 70 pessoas por ação. Responsável: Rosane. Telefone: (55) 99117 4815.
5 – Panela do Bem: distribui marmitas de janta, roupas e cobertores todas as quartas-feiras na Rua Alberto Pasqualini (“24 Horas”). Cerca de 20 voluntários. Responsável: Katito/Severo. Telefone: (55)999120-8381
6 – UFSM nas Ruas: Mais Portas Menos Muros para Pessoas em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis: distribui marmitas de janta todas as quintas-feiras na Rua Alberto Pasqualini (“24 Horas”). Cerca de 19 pessoas integram o projeto, que atende 70 pessoas por noite. Responsável: Amara Holanda. Telefone: (55)981513556 e email: amarahb@gmail.com/ projeto.ufsm.nas.ruas@ufsm.br
7 – O Pouco que Vale Muito: distribui marmita de janta todas as sextas-feiras e café da manhã de uma a duas vezes por semana. Ambas as ações ocorrem na Rua Alberto Pasqualini (“24 Horas”) e nas proximidades do PA do Patronato. Entre 50 e 60 pessoas são atendidas a cada ação. Responsável: Carla Freitas Alves. Telefone: (55) 991696063
8 – SOS Ruas: serve café da manhã, promove doação de roupas, calçados e material de higiene pessoal, e oferece banho. As ações ocorrem na Igreja Evangélica Assembleia De Deus (Rua Venâncio Aires, 1504), todos os sábados, das 9h às 11h30, atendendo entre 50 e 60 pessoas. Responsável: Maurício Hillesheim. Telefone: (55) 996032225.
9 – Café Solidário Galeria: distribui café da manhã nos primeiros e quintos domingos do mês (nos meses em que há cinco domingos), na Praça Saldanha Marinho, atendendo de 40 a 50 pessoas. Responsável: Juarez Felisberto. Telefone: (55) 999855678.
10 – Café Solidário – 2º Domingo: distribui café da manhã todos os segundos domingos do mês, na Praça Saldanha Marinho, atendendo entre 40 e 50 pessoas. Responsável: Fernanda Fogaça Teixeira. Telefone: 999953016.
11 – Projeto Maná e Cantina Colonial – 3º Domingo: distribui café da manhã todos os terceiros domingos do mês, às 8h, na Cantina Colonial (Rua Vale Machado, 1678). Responsáveis: Rafael Rodrigues (55-99937 3414) e Doralina M. Bierman (Dora - 5599194 1604).
12 – Associação Gaia: distribui café da manhã todos os quartos domingos do mês, às 8h, na Praça Saldanha Marinho, atendendo cerca de 40 pessoas. Responsável: Milene Scalco. Telefone: (55) 99694 9134.
13 - Departamento de Ação Social da 13ª Igreja do Evangelho Quadrangular: Serve 100 marmitex na Praça Saldanha Marinho no último domingo do mês, atendendo em média 100 pessoas. Reponsável: Pastor William Cazé. Telefone: (55) 9952 5572.
14 – Almoço Solidário Projeto Alimentoria: serve marmitas de almoço nos segundos domingos do mês, na Praça Saldanha Marinho, atendendo cerca de 70 pessoas. Responsável: Rodrigo de Oliveira. Telefone: (55) 99174-1184.
15 – Projeto Maná: distribui marmitas de almoço nos primeiros e terceiros domingos do mês (quando tem 5 domingos, serve também no 4º domingo), na Cantina Colonial Dora (Rua Vale Machado, 1678). Atende de 30 a 40 pessoas. Reponsável: Rafael Rodrigues (55-99937 3414).
Abaixo, alguns registros das iniciativas acima descritas:
*Grupo Marmita Solidária
*Grupo Panela do Bem
*Café da manhã na Praça Saldanha Marinho
*Departamento de Ação Social da 13ª Igreja do Evangelho Quadrangular
*Além dessas iniciativas, há dezenas de cozinhas solidárias e comunitárias na cidade. As entidades Associação de Reciclagem Seletiva de Lixo (Arsele), Associação Espírita Francisco Spinelli, Centro Comunitário Infantil (CCI), Centro Espírita Fraternidade - Chico Xavier, Paróquia Santa Catarina (Paróquia São Pedro) e Obra Social Nossa Senhora do Trabalho e Sociedade Meridional de Educação (Some), por exemplo, possuem cozinhas comunitárias, que também podem ser auxiliadas.
Há, ainda, o antigo programa "Mesa Brasil", do Sesc, um dos mais antigos de Santa Maria. E, também, a ONG Mãos Unidas pela Cipriano, detentora de uma horta comunitária que serve de subsídio para, uma vez por semana, serem distribuídas cerca de 300 refeições para a comunidade local.
Texto: Bruna Homrich
Imagens: Juarez Felisberto e Divulgação
Assessoria de Imprensa da Sedufsm
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Documentos
- Indicadores socioeconômicos - Dieese.
- Boletim Desigualdade nas Metrópoles