O que esperar do segundo turno das eleições presidenciais? SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 05/10/22 19h26m
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Professores de Ciência Política observam disputa acirrada em um eleitorado com posição de dualidade

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A disputa de segundo turno das eleições presidenciais de 2022 tende a ser equilibrada, assim como no primeiro turno, avalia Cleber Martins, professor de Ciência Política do departamento de Ciências Sociais da UFSM. Para o docente, a eleição ao Executivo federal de 2022 tem algumas peculiaridades, entre essas, o fato de que, pela primeira vez, um presidente no exercício do cargo não chega em primeiro lugar na disputa à reeleição. Martins foi um dos entrevistados pela assessoria de imprensa da Sedufsm para avaliar a conjuntura eleitoral do país.

Além de equilibrada, acirrada, com atitudes e comportamentos que ultrapassam a fronteira da civilidade, acredita Rosana Soares Campos, cientista política, também docente do departamento de Ciências Sociais da UFSM. “Pode-se esperar discursos alinhados a questões religiosas, morais e, por sua vez, conservadoras; de ambos”. Contudo, ressalta ela, Bolsonaro deve amplificar o discurso a uma comunidade moral, a fim de manter os votos e ampliar sua base eleitoral-religiosa. “Mas também se utilizará de suas vantagens sobre o controle da máquina pública e contará com seus aliados que conquistaram cadeiras nos parlamentos estaduais e federal e venceram nos executivos estaduais”, sublinha Rosana.

No que se refere às eleições de governos estaduais e aos parlamentos, Cleber Martins vê uma posição de dualidade de eleitoras e eleitores, ou seja, por um lado, percebe-se um aumento de governos e parlamentares do campo conservador, alguns de extrema direita, alinhados ao presidente Jair Bolsonaro. Mas, por outro, também fica nítido o crescimento do campo mais à esquerda, alinhado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O cientista político registra ainda um dado relevante que é a redução tanto de governos estaduais como de parlamentares eleitos vinculados a partidos de centro, como o PSDB, o que denotaria a “polarização” do pleito de 2022.

Na visão de Rosana Soares Campos, o avanço de candidaturas conservadoras e extremistas não é um fato novo. “O que aconteceu foi que a direita radical, após a redemocratização, não teve espaço, até então, para ocupar postos chave no comando do país. Mas sempre esteve ramificada pelo executivo, legislativo e judiciário, com a pretensão de instituir um modo de governar pautado no controle da população a partir de questões morais”, destaca ela. “Quando surgiu essa oportunidade, todos já estavam dentro do sistema. Não se torna um país conservador de uma outra para outra”, frisa.

Apoio congressual

A partir dos dados que mostram um crescimento do número de parlamentares ligados ao campos conservador, ao mesmo tempo que se tem, também, algum avanço da esquerda e campo democrático, o que se pode prever para o candidato que vencer o pleito, no sentido de aprovar projetos governamentais. Haverá muita dificuldade?

Para a professora Rosana Campos, “não é possível pensar governabilidade sem pensar em acordos e arranjos com partidos de diferentes posições, principalmente os que permeiam o centro. Com o governo instituído, os interesses vão costurando as redes e novas coalizões governamentais surgem”. Ela acrescenta ainda que “o que se tem que observar não sãos os extremos, mas os partidos e parlamentares que têm maleabilidade para circular entre um lado e outro. E muitos candidatos considerados do centrão foram eleitos. São esses que sustentam a capacidade política do presidente governar”.

Cleber Martins afirma que “é difícil prever quem terá mais dificuldades na relação com o Congresso, considerando que, embora ambas as candidaturas tenham bancadas significativas, a governabilidade depende, também, de uma série de outros fatores, incluindo a postura e a habilidade do Poder Executivo em formar maioria no parlamento”. Em sua avaliação, “há um segmento grande de parlamentares que não possui vínculo definitivo com um ou outro (candidato), a ponto de estabelecerem uma estratégia de oposição rígida”.

Candidatos e a educação

Uma outra questão levantada para o professor e para a professora é sobre a relação que cada um dos candidatos (Lula e Bolsonaro), através de suas ações como governantes, estabeleceram com a educação, especialmente com o ensino federal.

Pela ótica de Cleber Martins, o fato de os dois candidatos já terem experiência na Presidência da República contribui para a comparação entre as candidaturas no que se refere à política educacional. “O atual governo tomou uma série de medidas contrárias às demandas das Instituições Federais de Ensino Superior, tanto no campo discursivo, com falas agressivas e críticas, quanto no campo dos recursos, com cortes no financiamento das universidades e institutos federais”, ressalta. Assim, sob o ponto de vista do serviço público, especialmente no campo da educação, se estabelece uma situação bastante diferente da ocorrida durantes os dois mandatos de Lula, complementa o cientista político.

Já Rosana Campos diz que quando se analisa as respostas governamentais de ambos para a questão da educação superior, a divergência fica clara. “Um exemplo - o incentivo à pesquisa através de auxílio financeiro, pretensão de universalização da educação a partir da criação e expansão de IES federais através do REUNI, valorização do servidor público, etc. São questões que colocam os dois candidatos em lados opostos. O candidato Bolsonaro apresenta um discurso e uma prática que converge à desvalorização da educação e redução da responsabilidade do Estado sobre ela”, destaca a professora.

Leia a seguir a íntegra das perguntas encaminhadas e das respostas do professor Cleber Martins e da professora Rosana Soares Campos.

Cleber Martins

Sedufsm- Passado o primeiro turno das eleições presidenciais, dois partidos lideram a corrida eleitoral. A exemplo de 2018, o PT enfrenta o partido de Jair Bolsonaro, com a diferença de que, em 2018, o atual presidente ganhou a eleição no primeiro turno e confirmou no segundo. Apesar de ter chegado atrás do candidato petista, o ex-presidente Lula, Bolsonaro teve números superiores aos previstos pelos institutos de pesquisa. O que esperar desse segundo turno?

Cleber Martins- A tendência é que o segundo turno seja, como foi o primeiro, equilibrado. A ideia de favoritismo em política é bastante relativa, sobretudo em um contexto onde o resultado do primeiro turno, incluindo as eleições para os demais cargos, revela, em grande parte, uma divisão do eleitorado.

A eleição presidencial de 2022 tem algumas peculiaridades, comparada com as anteriores. Pela primeira vez um presidente no exercício do cargo disputa a reeleição contra um ex-presidente. E, também pela primeira vez, o candidato a reeleição não foi o mais votado no primeiro turno. Antes, Fernando Henrique Cardoso venceu, já no primeiro turno, em 1994 e 1998. Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff foram os mais votados em 2006 e 2014, respectivamente. Em 2022, Lula teve mais votos no primeiro turno, com uma diferença de cerca de 5% em relação ao segundo colocado.

Sedufsm- Em função do percentual elevado de rejeição de Bolsonaro, de todas as polêmicas em que ele se envolveu, como a postura negacionista na pandemia, havia uma expectativa de que o candidato Lula pudesse faturar o pleito já no primeiro turno. Essa possibilidade não se confirmou e as urnas mostraram não apenas Bolsonaro, mas também seus apoiadores em candidaturas a governos estaduais e aos parlamentos, com muita força nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Podemos afirmar que esse movimento conservador, de direita, que sustenta Bolsonaro, está enraizado no país?

Cleber Martins- A expectativa de vitória de Lula já no primeiro turno não era alta. Pelo contrário, a tendência era de uma eleição equilibrada e com o eleitorado dividido, em grande maioria, entre as candidaturas de Lula e Bolsonaro. Ambos acabaram ficando com 91,63% dos votos (Lula com 48,43% e Bolsonaro com 43,20%). Ou seja, percentuais indicativos da divisão. É possível entender que o eleitorado, em larga medida, votou no primeiro turno quase como se fosse o segundo turno.

O resultado do primeiro turno, tanto na eleição presidencial, quanto nas estaduais e legislativos, permitem o entendimento de que há uma consolidação de candidaturas vinculadas a posições políticas conservadoras e, em grande parte, de extrema direita, situação já observada em 2018. Agora, em 2022, por exemplo, mesmo que o percentual de votos no primeiro turno de Jair Bolsonaro tenha diminuído em cerca de 3%, o Partido Liberal, seu partido neste ano, elegeu a maior bancada da Câmara dos Deputados, com 99 parlamentares, e 8 das 27 vagas em disputa para o Senado. Além disso, nomes vinculados ao bolsonarismo conseguiram expressivas votações, além da eleição de 129 deputados estaduais (em 2018, foram 43). Contexto que reafirma, como em 2018, a conexão exitosa entre uma base social conservadora e o processo eleitoral, a qual, além de ser personificada no atual presidente, também se sustenta em determinados segmentos religiosos, os quais têm sido bem-sucedidos em estabelecer alguma forma de diálogo, difusão de entendimentos morais de ordem conservadora (conceitos restritos de família, pátria, etc.) e na aproximação de seus valores religiosos com candidaturas e voto, além de ferrenha oposição aos partidos de esquerda.

Por outro lado, também houve um avanço dos partidos de esquerda, casos, especialmente, do Partido dos Trabalhadores, que, na Federação da Esperança (junto com o Partido Comunista do Brasil e o Partido Verde) elegeu a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados, com 80 parlamentares, 12 a mais que na eleição anterior, e a Federação PSOL/REDE, que elegeu 14 deputados. O PT também elegeu três governadores no primeiro turno e está no segundo turno em mais quatro estados. E Luiz Inácio Lula da Silva teve 48,43% dos votos, quase o dobro do desempenho do Partido em 2018.

Portanto, além de outros dados, incluindo os percentuais da eleição presidencial, o eleitorado teve, em grande parte, uma posição dual, alinhada às candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro.

Outro ponto importante é a redução das votações em partidos de centro, caso do PSDB, por exemplo, o que reforça a ideia da polarização.

Também é relevante enfatizar que os resultados reforçam a argumentação de que há um fenômeno social de característica conservadora, em relação aos valores cristãos, família, etc., que, assim como em 2018, traduz-se em voto e na eleição de candidaturas, em muitos casos, com discursos e posições vinculadas à extrema direita, consolidando um fenômeno de massa que, em parte, é personificado no atual presidente da República. Igual ênfase deve ser dada à votação de parcela significativa do eleitorado em sentido diferente, buscando candidaturas com outros discursos e posicionamentos, demonstrados pela votação e eleição das candidaturas do PT, PSOL, PCdoB, entre outros.

Sedufsm- Quando se olha para a questão da governabilidade, percebe-se que, tanto na Câmara e no Senado, houve crescimento da bancada dos partidos que poderão vir a sustentar Bolsonaro, em caso de reeleição, mas também houve crescimento de partidos do campo progressista, ou da centro-esquerda. É possível prognosticar qual dos dois candidatos poderá mais dificuldade em aprovar projetos no Congresso Nacional?

Cleber Martins- É difícil prever quem terá mais dificuldades na relação com o Congresso, considerando que, embora ambas as candidaturas tenham bancadas significativas, a governabilidade depende, também, de uma série de outros fatores, incluindo a postura e a habilidade do Poder Executivo em formar maioria no parlamento. Há um segmento grande de parlamentares que não possui vínculo definitivo com um ou outro, a ponto de estabelecerem uma estratégia de oposição rígida. O que se observa em grande parte dos mandatos presidenciais anteriores é que são encontradas saídas para a governabilidade a partir a relação Poder Executivo e Poder Legislativo.

Sedufsm- Olhando em uma perspectiva para quem atua na educação federal, no serviço público, em que pontos se pode perceber divergências e convergências com Bolsonaro e com Lula?

Cleber Martins- O fato de os dois candidatos já terem experiência na presidência da República contribui para a comparação entre as candidaturas, acerca do que fizeram no campo da educação. O atual governo tomou uma série de medidas contrárias às demandas das Instituições Federais de Ensino Superior, tanto no campo discursivo, com falas agressivas e bastante críticas, quanto no campo dos recursos, com constantes cortes no financiamento das universidades e institutos federais.

Com isso, sob o ponto de vista do serviço público, especialmente no campo da educação, se estabelece uma situação bastante diferente da ocorrida durantes os dois mandatos de Lula, quando houve um aumento no financiamento e a expansão da rede de IFES.

 

Rosana Soares Campos

Sedufsm- Passado o primeiro turno das eleições presidenciais, dois partidos lideram a corrida eleitoral. A exemplo de 2018, o PT enfrenta o partido de Jair Bolsonaro, com a diferença de que, em 2018, o atual presidente ganhou a eleição de primeiro turno e depois a confirmou no segundo. Em 2022, apesar de ter chegado atrás do candidato petista, Lula, Bolsonaro teve números superiores aos previstos pelos institutos de pesquisa. O que esperar desse segundo turno?

Rosana Campos- O resultado do primeiro turno da eleição presidencial demonstrou que não existe um franco favorito. A diferença percentual entre os candidatos mostra que esse segundo turno será muito acirrado, com atitudes e comportamentos que, talvez, ultrapassem a fronteira da civilidade. Pode-se esperar discursos alinhados a questões religiosas, morais e, por sua vez, conservadoras; de ambos. A meu ver, Bolsonaro acirrará ainda mais esse discurso para falar a essa comunidade moral a fim de manter os votos e ampliar sua base eleitoral-religiosa. Mas também se utilizará de suas vantagens sobre o controle da máquina pública e contará com seus aliados que conquistaram cadeiras nos parlamentos estaduais e federal e venceram nos executivos estaduais. Lula, por sua vez, terá e vai mudar o tom para um discurso que inclua os conservadores.

Sedufsm- Em função do percentual elevado de rejeição de Bolsonaro, de todas as polêmicas em que ele se envolveu, como a postura negacionista na pandemia, havia uma expectativa de que o candidato Lula pudesse faturar o pleito já no primeiro turno. Essa possibilidade não se confirmou e as urnas mostraram não apenas Bolsonaro, mas também seus apoiadores em candidaturas a governos estaduais e aos parlamentos, com muita força nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Podemos afirmar que esse movimento conservador, de direita, que sustenta Bolsonaro, está enraizado no país?

Rosana Campos- A meu ver, este não é um movimento novo. O que aconteceu foi que a direita radical, após a redemocratização, não teve espaço, até então, para ocupar postos chave no comando do país. Mas sempre esteve ramificada pelo executivo, legislativo e judiciário com a pretensão de instituir um modo de governar pautado no controle da população a partir de questões morais. Quando surgiu essa oportunidade, todos já estavam dentro do sistema. Não se torna um país conservador de uma outra para outra. Esse enraizamento é um processo longo.

Sedufsm- Quando se olha para a questão da governabilidade, percebe-se que, tanto na Câmara e no Senado, houve crescimento da bancada dos partidos que poderão vir a sustentar Bolsonaro, em caso de reeleição, mas também houve crescimento de partidos do campo progressista, ou da centro-esquerda. É possível prognosticar qual dos dois candidatos poderá mais dificuldade em aprovar projetos no Congresso Nacional?

Rosana Campos- Talvez nenhum. Não é possível pensar governabilidade sem pensar em acordos e arranjos com partidos de diferentes posições, principalmente os que permeiam o centro. Com o governo instituído, os interesses vão costurando as redes e novas coalizões governamentais surgem. O que se tem que observar não sãos os extremos; mas os partidos e parlamentares que têm maleabilidade para circular entre um lado e outro. E muitos candidatos considerados do centrão foram eleitos. São esses que sustentam a capacidade política do presidente governar.

Sedufsm - Olhando em uma perspectiva para quem atua na educação federal, no serviço público, em que pontos se pode perceber divergências e convergências com Bolsonaro e com Lula?

Rosana Campos- Quando se analisa as respostas governamentais de ambos para a questão da educação superior, essa divergência é visível. Um exemplo - o incentivo à pesquisa através de auxílio financeiro, pretensão de universalização da educação a partir da criação e expansão de IES federais através do REUNI, valorização do servidor público, etc. São questões que colocam os dois candidatos em lados opostos. O candidato Bolsonaro apresenta um discurso e uma prática que converge à desvalorização da educação e redução da responsabilidade do Estado sobre ela.

 

Entrevista e edição: Fritz R. Nunes
Fotos: EBC e Arquivo
Assessoria de imprensa da Sedufsm

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