Socióloga diz que retorno do vestibular e programa seriado tem aspectos elitista e excludente SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 27/03/23 18h03m
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Professora de Ciências Sociais da UFSM, Mari Cleise Sandalowski rebate vinculação direta entre evasão e SiSU

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Manifestação de estudantes da UFSM,em 1º de fevereiro, contra a volta do vestibular e redução do SiSU

A proposta que será votada no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFSM (CEPE), na quinta, 30 de março, alterando a forma de ingresso e trazendo de  volta o acesso de vagas através do vestibular e do programa seriado, é vista como “negativa” pela professora Mari Cleise Sandalowski, do departamento de Ciências Sociais da UFSM.

Para a docente, essa modificação, que reduz a presença do ENEM/SiSU não foi suficientemente debatida com a comunidade acadêmica. Segundo ela, o que se observou “foram algumas apresentações localizadas por parte de setores da reitoria, o que não configuram um debate necessariamente”. E complementa: “Qualquer alteração neste sentido, segundo meu juízo, necessita de um debate que dê conta dos diversos fatores que podem estar impactando na evasão”.

Um outro aspecto ressaltado por Mari Cleise, é de que “há uma pressuposição, por parte da atual gestão, de que a evasão é consequência direta do SiSU”. Todavia, para ela, o que se tem, no momento, são indicadores retirados do sistema interno (Pen-Sie)* que apontam para o fato de haver uma redução de estudantes nas IFES. “Agora, deduzir que este declínio é consequência do SISU parece-me muito precipitado, pois não dispomos de informações suficientes sobre os possíveis motivos (externos e internos) que podem estar influenciando na evasão desses estudantes”. Para a socióloga, o argumento apresentado pela atual gestão “carece de dados mais robustos”.

Em matéria publicada no portal da UFSM, no dia 1º de março, o reitor da UFSM, professor Luciano Schuch, argumentou que “a diversidade das comunidades que buscam a instituição exige uma variedade de processos seletivos que possam contemplar todas as realidades”, o que justificaria não ter como opção apenas o SiSU, mas também o vestibular e o programa seriado (antigo PEIES). Para Mari Clei Sandalowski, essa visão da gestão está equivocada, já que as duas modalidades, vestibular e programa seriado, na opinião dela, são “elitistas e excludentes”.

Essa é a segunda entrevista publicada sobre o tema. Na última sexta, 24, tivemos o depoimento do professor Vitor Schneider, do departamento de Letras Vernáculas da UFSM.

Acompanhe a íntegra da entrevista da professora Mari Cleise Sandalowski (foto), logo abaixo.

(*) Pen-Sie. PEN- Processo eletrônico Nacional e SIE- Sistema de Informações para o Ensino.

 

Sedufsm- Professora, a reitoria da UFSM propôs alterações na forma de ingresso na UFSM, reduzindo, paulatinamente, o acesso via ENEM/SISU, e trazendo de volta o vestibular e o programa seriado, o antigo Peies. Na sua avaliação, o retorno ao formato anterior de ingresso na instituição é positivo ou negativo?

Mari Cleise Sandalowski- Considero a proposta negativa por vários motivos. Primeiro por que ela não foi suficientemente debatida com a comunidade acadêmica. Segundo, por que há uma pressuposição por parte da atual gestão de que a evasão seja consequência direta do SISU. Terceiro, por que vai no sentido contrário de tornar a universidade plural e democrática cujos pilares dessa diversidade são a LEI Nº 12.711 e o SISU.

Sedufsm- A sra. acredita que esse debate sobre as alterações na forma de acesso já foi executado suficientemente, já há maturidade sobre o assunto na instituição?

Mari C. Sandalowski- No meu entendimento não, pois a comunidade acadêmica não participou efetivamente de um debate público sobre as mudanças na forma de ingresso aos cursos de graduação da instituição. O que se observou foram algumas apresentações localizadas por parte de setores da reitoria, o que não configuram um debate necessariamente. Qualquer alteração neste sentido, segundo meu juízo, necessita de um debate que dê conta dos diversos fatores que podem estar impactando na evasão. O que temos no momento são indicadores retirados do sistema interno (Pen-Sie) que apontam para uma redução de estudantes nas IFES, ou seja, para um fato. Agora, deduzir que este declínio é consequência do SISU parece-me muito precipitado, pois não dispomos de informações suficientes sobre os possíveis motivos (externos e internos) que podem estar influenciando na evasão desses estudantes. Como socióloga, não estou convencida do argumento apresentado pela atual gestão, pois é um argumento que carece de dados mais robustos para embasar e fomentar o debate com a comunidade acadêmica.

Sedufsm- Quando se olha pelo aspecto da democratização no acesso ao ensino superior público, que tipo de impacto haveria na redução de vagas pelo SISU e na ampliação por outras modalidades, como a do vestibular e do programa seriado?

Mari C. Sandalowski- O principal impacto seria o retorno da elitização da universidade. Veja bem, é histórico que as universidades públicas brasileiras sempre foram elitistas, no sentido de que apenas parcelas da sociedade brasileira conseguiam acessá-las, em especial os grupos sociais privilegiados locais. Com o SISU e a LEI Nº 12.711, DE 29 DE AGOSTO DE 2012, esta situação começa a se alterar gradativamente. A partir deste momento começamos a observar a presença de alunos negros, indígenas e filhos de classes trabalhadoras nas salas de aula das universidades públicas, oriundos de diferentes regiões do Brasil. Isto torna a universidade mais diversa, plural. A retomada de outras formas de ingresso, no meu entendimento, vai na contramão da democratização no acesso ao ensino superior público pelos seguintes motivos: 1) o vestibular demanda que o candidato realize a prova na cidade de Santa Maria; este aspecto por si só inviabiliza a participação de uma série de potenciais candidatos pelos custos de deslocamento que esta forma de ingresso exige, o que por si só já é um elemento que impede que os filhos das classes trabalhadoras ou das famílias mais vulneráveis participem deste processo. 2) o programa seriado também tem suas limitações, pois o programa não atende de forma universal todas as escolas das redes de ensino no Estado do Rio Grande do Sul ou do Brasil; diante deste aspecto se reproduz novamente um processo desigual nas formas de ingresso ao ensino superior. É claro que existem e são observadas diferenças entre as redes de ensino (públicas e privadas) e que estas diferenças refletem no cotidiano dos estudantes da educação básica e nas suas possibilidades de acessar o ensino superior. Agora, quando esta diferenciação parte de dentro da Universidade torna-se ainda mais complicada. Compreendo que há outras formas da Universidade contribuir com a educação básica, sem necessariamente utilizar os programas seriados; temos diversos cursos de licenciaturas e bacharelado que podem contribuir com a educação básica através de programas e projetos de extensão, por exemplo. 3) por fim, não podemos esquecer o modelo do novo ensino médio e seus possíveis impactos sobre o ingresso via vestibular ou programa seriado. Quando nos debruçamos sobre os desdobramentos concretos da nova BNCC quando aplicada no chão da escola o que se sobressai é o acirramento das diferenças de acesso ao conhecimento do estudante da educação básica. Isto irá refletir nas suas condições de concorrer por uma vaga de acesso ao ensino superior. Veja bem, um candidato cuja trajetória familiar permitiu a possibilidade de frequentar um cursinho preparatório ou frequentar uma escola que apresentou em sua grade disciplinar disciplinas diversas (como história, geografia, sociologia, filosofia, biologia, química, redação, etc.) terá maior probabilidade de ser aprovado em relação a outro candidato cujas condições familiares não permitiram as mesmas condições. É com base nestas questões que considero um erro debater neste momento qualquer mudança nas formas de ingresso, pois entendo que alterar a forma de ingresso não irá resolver o problema da evasão, cujas causas são muitos mais complexas e não se reduzem ao SISU.

Sedufsm- Em uma de suas manifestações à imprensa da universidade, o reitor da UFSM, professor Luciano Schuch, diz que o SISU tem sido muito instável, com mudança de regras ano a ano, o que obriga a universidade a se adaptar. De que forma a sra. avalia essa crítica da gestão universitária?

Mari C. Sandalowski- Infelizmente, não temos em nosso país um projeto de Estado. O que observamos são projetos de governos. Em determinadas situações, quando ocorre a alternância de poder, como vimos nos últimos anos, em especial a partir de 2019, é a desconstrução de uma série de políticas públicas e seus reflexos sobre os diferentes aspectos da vida social. Diante disso, o SISU não saiu ileso; todos acompanhamos o desmonte que o sistema veio sofrendo ano a ano, assim como outras políticas públicas. É claro que isto reflete no cotidiano das instituições de ensino superior e este era, no meu juízo, justamente o objetivo. Agora, se há esta instabilidade entendo que os fóruns competentes precisam buscar um canal de debate com o MEC para buscar resolver os possíveis problemas que o SISU apresenta.

Sedufsm- Alguns outros aspectos têm sido levantados por integrantes da reitoria, como por exemplo, o não preenchimento de vagas e o consequente aumento nos percentuais da evasão. O que a sra. pensa sobre esse tipo de argumento?

Mari C. Sandalowski- O problema da evasão não afeta apenas a UFSM, mas as IFES de uma forma geral. Na nossa instituição o argumento que a reitoria apresenta é de que a evasão é consequência do SISU. Considero esse argumento, com todo o respeito, equivocado. A evasão, no meu entendimento tem causas diversas. A primeira delas que destaco é a crise econômica que o Brasil vem enfrentando nos últimos anos e que afetou significativamente as famílias brasileiras, em especial as famílias trabalhadoras. Esta crise se intensifica com a pandemia da Covid-19, que fez com que muitos trabalhadores migrassem para o setor informal ou tivessem seus salários reduzidos. Aliado a esta questão mantivemos durante dois anos o ensino remoto por questões de biossegurança; neste período muitos estudantes ou trancaram seus cursos, ou evadiram ou acompanharam de forma muito precária as aulas, pois não dispunham e acesso digital e tecnologias adequadas. O segundo ponto que destaco é o fato de a Universidade não estar suficientemente preparada para receber a diversidade de alunos que chegam ano a ano para a instituição, com capitais culturais muito distintos. Hoje você encontra na mesma sala de aula tanto estudantes com capitais culturais bastante elevados, provenientes das classes médias altas e grupos elitizados, quanto estudantes provenientes dos setores populares de nossa sociedade. Diante desta diversidade, penso que o desafio neste momento, ao invés de deliberar sobre as mudanças nas formas de ingresso, é discutirmos as políticas de assistências estudantil e de acolhimento desses estudantes (negros, indígenas, transexuais, filhos de trabalhadores, etc.), os alcances e limites dos currículos hoje vigentes e um maior diálogo entre a formação e a prática profissional.

Sedufsm- Em uma de suas manifestações, junto ao Portal da UFSM, o reitor afirmou que “a diversidade das comunidades que buscam a instituição exige uma variedade de processos seletivos que possam contemplar todas as realidades”. É possível entender que vestibular e programa seriado ampliam horizontes para atender a diversidades das comunidades abrangidas pela UFSM mais que através do SISU?

Mari C. Sandalowski- De forma alguma entendo que o vestibular e o programa seriado atendam a diversidade das comunidades que buscam a UFSM. Ao contrário, considero estes programas muitos mais excludentes, pelos motivos que já mencionei acima. O Sisu é muito mais democrático que as outras formas de ingresso, pois permite que o candidato faça a prova na sua cidade de origem (e com isso a possibilidade ingresso de negros, indígenas, transexuais, filhos de trabalhadores se potencializa), é uma prova pensada para atender todos os estudantes e candidatos brasileiros e não uma prova independente elaborada pela instituição que irá definir os conteúdos e períodos das seleções que considera mais adequados, além de permitir que estudantes de todas as regiões do Brasil tenham a possibilidade de ingressar no ensino superior público. Precisamos convir que um candidato quilombola, indígena ou filho de classe trabalhadora que resida no norte, nordeste, por exemplo, tem muito menos chances de realizar uma prova do vestibular e possibilidades ainda menores de participar do programa seriado do que realizar uma prova do SISU. Se realmente queremos discutir diversidade e evasão entendo que deveríamos estar neste momento debatendo sobre as tendências que levam muitos estudantes a evadirem da universidade e sobre as políticas de permanência e acolhimento que podem reduzir a evasão.

 

Entrevista e texto: Fritz R. Nunes
Fotos: Arquivo da Sedufsm e Arquivo Pessoal
Assessoria de imprensa da Sedufsm

 

 

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