O que deveria ser ‘pop’ é a conservação da natureza, afirma pesquisadora SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 16/06/23 17h49m
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Ana Paula Rovedder fala sobre alguns dos importantes desafios que afetam a questão ambiental

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Ana Paula Rovedder também coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recuperação de Áreas Degradadas (Neprade/UFSM)

Em 2019, ainda no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, a professora do departamento de Ciências Florestais da UFSM, Ana Paula Rovedder, já antevia o desastre que se sucederia na área ambiental do Brasil. O passar do tempo apenas explicitou, sem disfarce, o negacionismo científico nas suas diversas formas. Agora, já passado meio ano de governo Lula, quais as expectativas?

Para a docente, que coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recuperação de Áreas Degradadas (Neprade/UFSM), os ventos mudaram, com ações que valorizam, por exemplo, os setores de fiscalização do governo, medidas efetivas contra o extermínio de povos indígenas, como os Ianomâmis. Entretanto, a pesquisadora, que em 2021 recebeu o prêmio “O futuro da Terra”, promovido pelo Jornal do Comércio (POA) e Fundação de Amparo à Pesquisa do RS (Fapergs), tem claro que nem tudo são flores.

Respondendo a uma questão da entrevista, ela assinala que “Precisamos lembrar que temos o Congresso Nacional mais retrógrado de que se tem notícia na História do Brasil, pautando temas e discursos homofóbicos, misóginos e, no campo ambiental, fortalecendo pautas de retrocesso”. E acrescenta: “O Executivo terá que lidar com a necessidade de harmonizar interesses ideológicos, econômicos e políticos e manter as propostas e promessas ambientais que pautaram o discurso da campanha eleitoral e levaram Marina Silva a retomar o cargo de Ministra”, ressalta Ana Paula.

Ao analisar a situação complexa pela qual passamos, não apenas no país, mas em geral, no planeta, com desmatamento, destruição de rios, poluição de mares e oceanos, a pesquisadora, que integra o Conselho da Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (SOBRE) e é uma das fundadoras da  Rede Sul de Restauração Ecológica, vislumbra um caminho: “Acredito que é possível frear a sanha de modelos econômicos produtivistas e concentradores de renda, desde que haja pressão da sociedade e políticos sérios, comprometidos com a população e não com o capital, seja financeiro, industrial, do agronegócio ou de multinacionais”.

Ana Paula Rovedder também rebate o discurso (e prática) de setores que pregam a desregulamentação, que afirmam que as leis ambientais entravam o desenvolvimento. Para ela, mesmo entre agricultores, “já há um grupo expressivo que entende que agricultura e conservação da natureza não são antagônicas e, mais pragmaticamente, sabem que a comercialização de suas safras depende de conciliar a produção com a conservação.”

E, para os adoradores da tecnologia no campo, de que basta ampliá-la para colher sucesso, a pesquisadora alerta: “(...) por mais tecnologia que possamos produzir, ainda necessitamos dos recursos naturais e dos serviços ecossistêmicos para termos água, solo, polinização, mitigação das emergências climáticas, etc. Portanto, o popular jargão ‘o agro é pop’ está errado. Quem é, ou deveria ser pop, é a conservação e restauração da Natureza”.

Acompanhe a seguir a íntegra da entrevista.

Sedufsm- Professora, em 2019, a sra. concedeu uma entrevista para o site da Sedufsm em que apontava as posturas destrutivas do governo Bolsonaro em relação aos temas ambientais. Na sua avaliação, sem o ex-presidente e, também, sem seus ministros que falavam em “passar a boiada” na legislação que busca proteger o meio ambiente, e com meio ano de governo Lula, já é possível observar avanços comparados aos quatro anos anteriores?

Ana Paula Rovedder- Sim, é possível perceber uma mudança de posicionamento político sobre a questão ambiental. O entendimento do governo Lula é de que a questão ambiental é fundamental para o protagonismo brasileiro na política internacional. E está correto. No campo interno essa mudança pode ser observada pela revalorização de órgãos como o Ibama que foram desmontados e desacreditados pelo discurso anti-ambiental do governo Bolsonaro, na resposta contundente ao garimpo nas terras indígenas Yanomamis e ao genocídio perpetrado contra essa etnia nos últimos anos.

 No entanto, internamente, precisamos lembrar que temos o congresso nacional mais retrógrado de que se tem notícia na História do Brasil, pautando temas e discursos homofóbicos, misóginos e, no campo ambiental, fortalecendo pautas de retrocesso, a exemplo do chamado Pacote da Destruição, uma série de MPs que alteram a lei ambiental de 2012, popularmente conhecida como Código Florestal, a MP 1150/22 que tenta adiar ainda mais o término de avaliação do Cadastro Ambiental Rural (e, consequentemente, da obrigatoriedade de adequação ambiental) e que recebeu “jabutis” que tentam alterar a Lei da Mata Atlântica, entre outros. Essas MPs estão passando em ritmo acelerado no Congresso. No Senado, o Pacote do Veneno tenta alterar a legislação e favorecer a liberação de substâncias cancerígenas e mutagênicas e também está com tramitação acelerada.

A pergunta que deveríamos fazer é: porque tanta agilidade para tramitações claramente antagônicas à pauta ambiental? A quem interessa? 

O Executivo terá que lidar com a necessidade de harmonizar interesses ideológicos, econômicos e políticos e manter as propostas e promessas ambientais que pautaram o discurso da campanha eleitoral e levaram Marina Silva a retomar o cargo de Ministra.

O cenário é desfavorável, mas, no campo ambiental, raras foram as vezes em que tivemos consenso e apoio amplo da sociedade.

Sedufsm- No seu modo de ver, até que ponto modelos que levam ao desmatamento, poluição e morte de rios e cursos d’água, geram situações críticas como o aumento da temperatura e o aquecimento global? 

Ana Paula Rovedder- Ciclos de resfriamento e aquecimento terrestre são naturais. O que estamos vivendo é uma intensificação de um ciclo de aquecimento, cujo marco inicial é a revolução industrial. Desde então, nós emitimos gases de efeito estufa em níveis nunca antes experimentados pelo planeta. Como consequência, temos as mudanças climáticas globais e, atualmente, de forma muito nítida, a intensificação das emergências climáticas. Esse cenário é real e veio para ficar. Então, nós, temos sim um ponto de partida no modelo de sociedade industrializada, baseada nos combustíveis fósseis. Já no século 21, a chamada sociedade de consumo intensifica a industrialização e o uso de combustíveis fósseis. À medida em que a sociedade global vê a capacidade de consumo como ideal de felicidade, passamos a exigir mais dos recursos naturais, aumentando nossas áreas de produção e extração de minérios e a queima de combustíveis fósseis. A supressão das áreas naturais libera para a atmosfera os compostos orgânicos que a natureza levou milhares de anos para estocar na forma de cadeias de carbono estabilizadas no solo e na biomassa vegetal. Esses gases somam-se aos liberados pela indústria e combustíveis, e assim temos um processo contínuo de retroalimentação do efeito estufa.

Obviamente que, se aumentamos a supressão de áreas naturais, temos um processo de redução das áreas úmidas, como banhados, nascentes, mangues e matas ciliares. Esse efeito, aliado à  maior exposição do solo (que ocorre pela troca de cobertura  de vegetação  nativa por agricultura, por exemplo), reduz a recarga de aquíferos e intensifica os processos de evapotranspiração, o que  acelera o ciclo da água, fazendo com que ele passe menos tempo nos reservatórios naturais como o subsolo e os mananciais hídricos. Ou seja, o desmatamento, a ameaça aos recursos hídricos, os extremos climáticos, são consequências de um modelo econômico que encontrará seu final nos limites da natureza do planeta.

Imaginem como um círculo vicioso de aumento de emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa), intensificação do aquecimento global, perda de serviços ecossistêmicos (como o armazenamento de água e a estabilização de Carbono no solo). O produto final é desastroso para a Humanidade.

Sedufsm- Um de seus objetos de estudo é a recuperação de áreas degradadas (restauração ecológica). Atualmente, vivemos um ciclo de expansão de áreas de soja para exportação, de derrubada de matas tanto para esse tipo de plantio como para a criação de gado. A senhora acredita que é possível parar e rediscutir modelos econômicos que geram destruição ambiental?

Ana Paula Rovedder- Acredito que é possível frear a sanha de modelos econômicos produtivistas e concentradores de renda, desde que haja pressão da sociedade e políticos sérios, comprometidos com a população e não com o capital, seja financeiro, industrial, do agronegócio ou de multinacionais. Infelizmente, não é o que vemos. O comprometimento com as pautas dos mais ricos e não com as necessidades do país é escancarado. As MPs, PLs, as reformulações de leis ambientais são todas no sentido de afrouxar as exigências de adequação ambiental. A quem interessa essa redução de controle e fiscalização ambiental? É interesse do povo brasileiro que mais áreas de recarga de aquíferos e de amenização térmica sejam licenciadas para supressão acelerada? É o povo brasileiro que quer mais compostos cancerígenos e mutagênicos livremente vendidos no mercado ou é interesse das indústrias multinacionais que produzem tais substâncias? 

Mesmo entre agricultores já há um grupo expressivo que entende que agricultura e conservação da natureza não são antagônicas e, mais pragmaticamente, sabem que a comercialização de suas safras depende de conciliar a produção com a conservação. 

A questão é que agora estamos diante do abismo da questão ambiental planetária e, ironicamente, é agora que, enquanto sociedade, perdemos governança ambiental para os grupos detentores do poder econômico. Digo ironicamente, mas não é por acaso, há projeto nisso tudo.

Mas toda ação produz uma reação contrária, e no campo ambiental, cientistas e ativistas estão acostumados a lidar com as adversidades que a retórica anti-ambiental tenta impor. A reação pode ser vista nos últimos anos na forma de maior organização da sociedade civil para denunciar os retrocessos e crimes ambientais, fortalecimento das práticas de restauração e conservação da Natureza e de formas de produzir ambientalmente saudáveis. Como exemplo disso temos o surgimento recente de diversas redes de restauração de ecossistemas no Pampa, Cerrado, Amazônia, Pantanal e Caatinga. No RS, criamos a Rede Sul de Restauração Ecológica, da qual sou uma das fundadoras, e a Coalizão pelo Pampa, do qual nosso grupo de pesquisa, o NEPRADE, é um dos coletivos fundadores.

Esses novos coletivos, em conjunto com os mais antigos, como o Pacto pela Mata Atlântica e a Sociedade Brasileira Para Restauração Ecológica (SOBRE), participaram ativamente nos últimos anos da construção de propostas para políticas públicas, sugestões aos candidatos presidenciáveis e manifestações de denúncia dos retrocessos e da antipolítica ambiental. Graças a esses esforços e incansável trabalho de cientistas e ambientalistas, o Brasil é referência mundial na produção de tecnologias de restauração ecológica. Temos ciência ambiental reconhecida, precisamos de maior valorização interna.

Sedufsm- Professora, no último dia 5 de junho foi lembrado o Dia Mundial do Meio Ambiente. A pauta desse ano chamava a atenção contra a poluição dos plásticos. Na sua avaliação, qual a importância dessa discussão?

Ana Paula Rovedder- A poluição por plástico é assunto relevante e de ordem mundial sim, e abrange o uso de combustíveis fósseis (portanto, se relaciona com a pauta do aquecimento global) e o impacto causado pela acumulação, como nos mares, por exemplo. Atualmente já sabemos da bioacumulação de microplásticos nos peixes, no intestino e sangue humano e, mais recentemente, foi detectado microplásticos na placenta humana. Esse é um tipo de impacto ambiental invisível e que só temos informações porque a ciência se ocupa das questões ambientais em todas as suas vertentes.

Sedufsm- Qual o cenário que podemos vislumbrar diante do fato de que há um governo que acena para a defesa do meio ambiente, dos povos originários, mas, ao mesmo tempo, precisa negociar e ceder a alguns parlamentares cuja bandeira ideológica é oposta à do governo?

Ana Paula Rovedder- Cenário de alta complexidade e fragilidade para a pauta ambiental. De qualquer forma, voltamos a uma certa “normalidade”, perdida durante o governo negacionista de Bolsonaro. Essa “normalidade” se expressa pelo retorno do debate ambiental, do tensionamento de ideias que sempre existiu entre as pastas e órgãos ambientais e as pastas e setores econômicos. Esse debate é saudável, na medida em que expõem as incongruências do discurso anti-ambiental e permite gerar acordos que podem trazer benefícios e estabilização para os ganhos ambientais das últimas décadas. De certa forma, já tínhamos conseguido um diálogo importante entre esses setores conflitantes, mas esses esforços foram muito fragilizados pelo discurso fraudulento de que as pautas ambientais ameaçam o desenvolvimento econômico. É exatamente o contrário. Se não tivermos órgãos ambientais fortes, capacitação e educação ambiental formal e informal, conservação de áreas de preservação permanente, territórios indígenas e de unidades de conservação (pautas do ativismo e da ciência ambiental), perderemos áreas produtivas e produtividade. Por que, por mais tecnologia que possamos produzir, ainda necessitamos dos recursos naturais e dos serviços ecossistêmicos para termos água, solo, polinização, mitigação das emergências climáticas, etc. Portanto, o popular jargão “o agro é pop” está errado. Quem é, ou deveria ser pop, é a conservação e restauração da Natureza.
 

Texto/entrevista: Fritz R. Nunes
Fotos: Neprade e arquivo pessoal
Assessoria de imprensa da Sedufsm

 

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