Novo Ensino Médio integra projeto amplo e privatista, dizem debatedores(as)
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11/08/23 13h49m
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Atividade promovida pela Sedufsm marcou Dia Nacional de Luta pela Revogação do NEM
Na última quarta-feira, 9, data definida pelo ANDES-SN como Dia Nacional de Luta Contra o Novo Ensino Médio, a Sedufsm realizou uma mesa de debates sobre o tema, com a presença da professora do Centro de Educação da Ufsm, Nara Ramos, e do professor Stefan Bonow, do IFRS – Campus Restinga. Sob mediação do diretor da seção sindical Leonardo Botega, o evento ocorreu no auditório Audimax (campus de Camobi), e contou com a presença, principalmente, de docentes e estudantes.
Primeiro debatedor a fazer uso da palavra, Bonow inicia contextualizando o campus em que trabalha, localizado no bairro Restinga, zona sul de Porto Alegre. “O campus foi criado a partir da mobilização da comunidade”, conta o docente. E é muito desse local que parte sua crítica ao Novo Ensino Médio (NEM), considerado por ele como um projeto que objetiva colocar a juventude cada vez mais rápido para fora dos bancos escolares.
Junto e mesmo anteriormente ao NEM, diversas questões foram sendo observadas no interior das universidades e institutos federais, como a demissão de terceirizados(as), o adoecimento de servidores(as) e a precariedade das políticas de permanência estudantil, pondera Bonow. Isso, embora pareça não guardar relação com a reforma no Ensino Médio, está diretamente a ela ligado, já que, com o sucateamento do ensino superior brasileiro, a ideia seria restringir o acesso às instituições, tornando-as centros de formação dos filhos e filhas da elite. Assim, a diversidade encontrada nos últimos anos nas universidades e institutos, proveniente, em muito, da lei de cotas, passaria a ser barrada, restando aos filhos e filhas da classe trabalhadora uma formação aligeirada e tecnicista.
Sobre o NEM em si, Bonow, que também integra a diretoria do SindoIF, explica que quem “paga o pato” são as ciências vistas como menos relevantes, como humanidades, artes e língua espanhola. E, mais uma vez, a ligação estreita entre o Ensino Médio e os institutos e universidades é destacada.
“Vamos percebendo uma adaptação a isso [NEM] no interior dos Institutos Federais, com reformas nos cursos e diminuição de carga horária das disciplinas propedêuticas (de base, como matemática, física, química, filosofia, sociologia). Desde 2016, com o golpe, temos uma série de retrocessos, com congelamento de investimentos, diminuição contínua das horas destinadas às disciplinas propedêuticas e também redução do tempo dos cursos de 4 para 3 anos”, diz o docente do IFRS.
Para ele, o NEM aumenta a possibilidade de evasão da juventude pobre e leva a que ela não acesse as instituições de ensino superior, reservadas aos jovens dos colégios particulares.
“O que está em jogo aqui é a sobrevivência da juventude das camadas populares”, atesta Bonow, para quem somente a organização da sociedade civil, através de sindicatos, associações estudantis e outras entidades e movimentos, conseguirá, com pressão nas ruas, barganhar a revogação completa do NEM.
O NEM não vem por acaso
Nara Ramos, docente do Centro de Educação da Ufsm, dedica-se, há muitos anos, a estudar questões relativas ao Ensino Médio brasileiro. E, ao se deparar com o NEM, sua análise é taxativa: trata-se de uma formação aligeirada para ser explorada de forma barata pelo mercado de trabalho. Isso não vem ao acaso, diz a docente, que propõe uma relação entre as reformas no Ensino Médio e o momento atual do capitalismo, no qual a informalidade, a precarização e os vínculos informais de trabalho roubam o cenário.
Trazendo dados provenientes do Censo Escolar 2022, Nara explicita que 84,2% das e dos estudantes de Ensino Médio no Brasil estão nas escolas públicas. Em contrapartida, dos 5.668 municípios brasileiros, 2.661 possuem apenas uma escola de Ensino Médio.
Segundo o NEM, as escolas de Ensino Médio deverão dividir suas cargas horárias em Formação Geral Básica (conteúdos definidos pela BNCC) e Itinerários Formativos de caráter profissionalizante. Ocorre que, nas escolas públicas, carentes de investimento, de infraestrutura e de professores(as), tanto os itinerários como as disciplinas básicas ficam comprometidas. Enquanto isso, nas escolas privadas, não há prejuízo à formação das e dos estudantes, visto que se tem verba para abarcar todas as possibilidades de oferta.
Outro ponto destacado por Nara é que empresas ou profissionais de notório saber podem oferecer os itinerários formativos nas escolas. Segundo o relatório final dos Seminários ANPEd, divulgado em junho de 2023, quem está por trás, predominantemente, da formulação e implementação do NEM são uma série de institutos privados. A saber: Instituto Reúna; Senai; Itaú Educação e Trabalho/Itaú Social; ICE – Instituto de Corresponsabilidade pela Educação; Sebrae; Instituto Sonho Grande; Instituto Iungo; Fundação Telefônica Vivo; Instituto Natura; Instituto Ayrton Senna; Senac; Instituto Unibanco; Fundação Getúlio Vargas; Junior Achievement; Itaú BBA; SENAT – Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte; Sesc e Senar.
Para além da visão empresarial conferida ao NEM, Nara também questiona quais condições um jovem de 15 ou 16 anos tem para já construir seu plano de vida e definir as prioridades de sua formação – já que as e os estudantes devem optar por determinados itinerários. Assim, penaliza-se uma formação global, articulada e multidisciplinar.
“Observa a desconstrução do espaço escolar como espaço de conhecimento. Paulo Freire faz falta. Se ele fosse estudado, não estaríamos como estamos hoje”, finaliza a docente.
Mobilização pedagógica
Ascísio Pereira, presidente da Sedufsm, ponderou que o NEM é fruto de um processo intencional e coerente com a visão privada. Embora tenham sido os primeiros a propor educação universal, assegura o docente, os liberais não propõem a mesma educação para todos e todas. E é aí que se amplia o fosso entre escola para quem tem dinheiro (privada) e escola para quem é filho(a) de trabalhador (pública).
Mas há um caminho para se fortalecer a luta pela revogação, comenta Pereira. Ao lembrar da mobilização intensa promovida por servidoras e servidores públicos em 2021 contra a PEC 32 (então Reforma Administrativa), ele diz que aquele é um exemplo didático do caminho a ser seguido.
“Fizemos pressão direta das e dos servidores públicos [em atos e panfletagens nos aeroportos nos quais desciam deputados e deputadas] e conseguimos que a PEC não entrasse na pauta até dezembro de 2021. Esse é um exemplo didático que deveria compor a estratégia dos sindicatos e organizações”, sugere o presidente da seção sindical docente.
Diversos estudantes estiveram presentes no debate promovido pela Sedufsm, a exemplo de Cassie, estudante do curso de licenciatura em Teatro, que refletiu sobre as escolas estaduais terem de abarcar itinerários formativos quando nem ofertam, por exemplo, disciplinas de libras ou braile.
Já Fabiana Bianchini, professora da rede estadual de Santa Maria, lembrou as ocupações estudantis de escolas, em 2016, e o avanço das cotas sociais e raciais, que permitiram o ingresso de estudantes de escolas públicas nas universidades. Para ela, o NEM vem, também, para sufocar esses processos democráticos.
O debate da última quarta-feira integra agenda de atividades da Sedufsm na semana de início do novo semestre letivo na Ufsm. Nesta quinta e sexta, 10 e 11, diretores(as) estão nos campi de Palmeira das Missões e Frederico Westphalen para dialogar com a categoria docente.
Ato nacional
Enquanto o debate ocorria em Santa Maria, em Brasília (DF) manifestantes de diversos estados do país protestavam em frente ao Ministério da Educação pela revogação do NEM, mais orçamento nas instituições do Ensino Básico ao Superior, fim das intervenções e da lista tríplice, e derrota do Arcabouço Fiscal.
Uma comissão representativa com entidades ligadas à educação, entre elas o ANDES-SN, entregou uma pauta com reivindicações ao secretário executivo adjunto, Leonardo Barchini Rosa. A revogação da Lei 13.415/2017, da reforma do Ensino Médio, foi o tema central da reunião.
O representante do ministério afirmou que não é papel da pasta revogar leis, mas sim do Congresso Nacional. Rosa comentou o relatório divulgado na última segunda-feira (7) pelo MEC, após consulta pública sobre o novo ensino médio, apontando a necessidade de enviar um projeto de lei (PL) ao Congresso. O secretário acenou para o envio do PL até o dia 21 de agosto.
Francieli Rebelatto, secretária-geral do ANDES-SN, que participou da reunião com o representante do MEC, afirmou que não houve sinalização de uma revogação completa do NEM. A diretora do Sindicato Nacional reforçou a importância da construção de unidade em defesa da educação pública para derrotar o novo ensino médio, que é uma pauta que unifica as entidades neste dia e nas lutas do próximo período.
"É fundamental que os estudantes que estão no Ensino Básico cheguem às nossas universidades, aos nossos institutos, aos nossos Cefets. Queremos ampliar esse acesso e, mais do que isso, a permanência dos estudantes também em nossas universidades. Foi isso que levamos para a mesa, entre outras coisas, e também a necessidade de ampliação do orçamento público para a educação pública. Não há como desenvolvermos ensino, pesquisa, extensão, quando não há orçamento público para o acesso e permanência dos estudantes nas nossas instituições. Também reforçamos a necessidade de avançarmos no processo de negociação para as nossas condições de trabalho e de vida para o serviço público em geral", explicou.
Além do ato em frente ao MEC, uma mobilização no Anexo II da Câmara dos Deputados também foi realizada.
Texto: Bruna Homrich, com informações do ANDES-SN
Fotos: Fritz Nunes e ANDES-SN
Assessoria de Imprensa da Sedufsm