O dia em que a universidade reverenciou um negro da periferia
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Atualizada em
11/12/23 11h34m
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Nei D’Ogum recebeu homenagem nesta quarta, 29, como patrono da Semana da Consciência Negra da UFSM
A noite desta quarta, 29 de novembro, foi de muita emoção para quem esteve no Centro de Convenções da UFSM, na homenagem ao patrono da Semana da Consciência Negra da UFSM de 2023, Nei D’Ogum. A atividade fez parte da programação do Mês da Consciência Negra, que teve apoio da Sedufsm, inclusive na produção de um vídeo para o evento (assista ao final da matéria).
Nascido Vilnes Gonçalves Flores Jr., Nei D’Ogum faleceu em 2017 deixando sua marca junto ao movimento negro de Santa Maria e do Rio Grande do Sul, e também junto a outros movimentos como os que combatem a LGBTfobia.
Nei foi aluno do curso de Artes Cênicas da UFSM, onde ingressou como cotista, modalidade que também fazia parte da sua bandeira de luta. Na condição de ativista, ele foi um dos importantes defensores da política de ações afirmativas para a universidade. Morador da periferia, Nei tinha atuação importante no Loteamento Cipriano Rocha, onde também cumpriu papel de líder comunitário e de agitador cultural.
Durante o ato de reverência à memória do “preto, pobre e puto”, como ele mesmo se autointitulava, muitos depoimentos emocionados sobre a importância dessa liderança, que em 2014 chegou a ganhar o Prêmio Diversidade RS, em Porto Alegre e, em 2016, premiado com a Comenda Zumbi dos Palmares, na Assembleia Legislativa do RS.
Um desses depoimentos foi o do coordenador-geral do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) da UFSM, professor Anderson Machado dos Santos. Para o docente, os passos de Nei D’Ogum foram essenciais para o movimento negro, com destaque fundamental no debate sobre a implantação de cotas.
Santos destacou ainda a atuação do ativista na “luta pelo poder ao povo preto”, referindo-se ao fato de Nei D’Ogum ter sido candidato a vereador por Santa Maria, em 2016, tendo recebido 1.487 votos e ficado na condição de segundo suplente do Partido dos Trabalhadores (PT).
‘Pedagogo negro’
No seu período de atuação, em diversas frentes, Nei também era bastante identificado como um praticante de religião de matriz africana. Pertencia à Comunidade de Terreiro Ilê Axé Ossanha Agué e foi articulador da 1ª Conferência Municipal e Regional dos Povos de Terreiro.
Nei D’Ogum foi chamado em vários momentos, na solenidade, como sendo o “padrinho” de homens e mulheres que vieram a praticar religião de matriz africana. No entanto, Ascísio Pereira, presidente da Sedufsm, uma das entidades que esteve à frente no apoio às atividades do Mês da Consciência Negra, trouxe uma classificação nova.
Conhecedor das ações do Nei, que, inclusive, foi estagiário na Pró-Reitoria de Extensão (PRE) da qual Ascísio fez parte, se referiu a Nei D’Ogum como um dos “pedagogos negros” que formaram o pensamento dele (Ascísio) na UFSM.
Reitoria
Durante a homenagem, foi chamada a se manifestar a vice-reitora da UFSM, professora Martha Adaime. Ela frisou que era uma “honra dividir o espaço com entidades tão importantes”. A vice-reitora recordou que Nei D’Ogum fora estudante do curso de Artes Cênicas, um defensor das ações afirmativas e, quanto a isso, Martha ressaltou que a instituição tem avançado, mas que “precisamos avançar mais”.
Após a rápida manifestação, Martha preferiu deixar para se pronunciarem uma servidora e um servidor, negra(o): Cassiana Marques da Silva (pró-reitora adjunta da PRAE) e Victor De Carli Lopes (Observatório dos Direitos Humanos-ODH- da Pró-Reitoria de Extensão).
Cassiana lembrou da importância de Nei D’Ogum, entre outras coisas, para as escolas de samba de Santa Maria. Victor De Carli ressaltou que o ativista teve atuação em diferentes áreas e que, por isso, ajudou a fortalecer as “redes negras” da cidade, como por exemplo, o Neabi, o ODH, o Coletivo Ara Dudu, entre outros.
As lembranças do preto, pobre e puto
Um dos momentos importantes da homenagem desta quarta-feira foi a apresentação de um vídeo com pessoas que partilharam da amizade ou fizeram parte da vida de Nei D’Ogum e relataram a importância do militante. A produção do material foi do jornalista Rafael Balbueno, do setor de audiovisual da Sedufsm.
No total, foram 11 entrevistado(a)s, que resultaram em cerca de 8 horas de depoimentos. Após a edição, o vídeo ficou em 20 minutos, no qual constam muitas histórias. As e os depoentes foram: Franciele Oliveira, Flavia Sortica Giacomini, Luciele Oliveira, Isadora Bispo, Baiana, Leticia Prates, Marta Nunes, Mestre Chico, Mestra Paula, Gabriela Quartiero, Lúcia Martins.
Em suas manifestações, ainda durante a solenidade no Centro de Convenções, vários(as) deles(as) enfatizaram a importância do homenageado. Baiana, uma das amigas de Nei D’Ogum, ressaltou que “não se pode falar de movimento social, de negritude em Santa Maria, sem lembrar do Nei”. Gabriela Quartiero, do Coletivo Voe, destacou que a sensibilidade e capacidade levava a que “Nei fosse um grande formador de lideranças”.
O final do evento transcorreu do jeito que mais cativava Nei D’Ogum: através do samba. O encerramento se deu do lado de fora do Centro de Convenções da UFSM, com a apresentação da “Muamba”, um dos eventos que Santa Maria passou a ter também por inspiração do ativista.
Texto e fotos: Fritz R. Nunes
Assessoria de imprensa da Sedufsm