“Nós, que vivíamos uma memória interditada, hoje disputamos as narrativas”, afirma Leonice Mourad SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 18/07/24 15h39m
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Em referência ao Julho das Pretas e às celebrações do dia 25/07, Ponto de Pauta discute a Luta das Mulheres Negras

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Racismo, machismo e preconceito de classe. Todas essas expressões da violência já são, por si só, extremamente nefastas. Mas existem cenários ainda mais cruéis, como quando essas três facetas do preconceito e da exclusão se sobrepõem (em alguns casos angariando ainda outras). Talvez o melhor exemplo disso sejam as mulheres negras. O próximo dia 25 de julho é Dia Internacional da Mulher Afro-Latino-Americana, Afro-Caribenha e da Diáspora. No Brasil também é dia de Tereza de Benguela, ou “Rainha Tereza”, que no século XVIII liderou, por duas décadas, o Quilombo do Quariterê, no Mato Grosso. Desde 2022, a partir de proposta da vereadora Maria Rita Py Dutra (PCdoB), Santa Maria também celebra, no dia 25 de julho, seu dia municipal de Tereza de Benguela. Todas essas celebrações reunidas no 25 de julho – e hoje ampliadas para todo o mês, enquanto o “Julho das Pretas” – trazem em si o debate étnico-racial, mas a partir de um destaque essencial: as lutas e desafios específicos das mulheres negras.

A 92ª edição do Ponto de Pauta, programa de entrevistas da Sedufsm, abordou essa temática (veja a entrevista completa ao final do texto). Como convidada, a professora do Departamento de Metodologia do Ensino do Centro de Educação da UFSM, Leonice Mourad. Atualmente Leonice está em Brasília onde coordena a Diretoria de Articulação Interfederativa da Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SENAPIR), secretaria vinculada ao Ministério da Igualdade Racial (MIR) do Governo Federal. No MIR, a professora tem a responsabilidade de coordenar a articulação entre todos os entes federados (municípios, estados, Distrito Federal e União), na execução do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, política pública prevista no Estatuto da Igualdade Racial, de 2010. Sobre o trabalho no Governo Federal, Leonice define como uma “experiência absolutamente desafiadora”.

Disputa por uma memória interditada

Disputar memórias invisibilizadas e interditadas. Para a professora Leonice, que dentre suas formações é, também, historiadora, esse é o papel de celebrações e homenagens como as do 25 de julho. “É uma data que tem no propósito fazer o que as datas comemorativas precisam fazer, o que nós, historiadores e historiadoras, chamamos de disputas pela memória. De buscar contranarrativas ou outras narrativas que façam efetivamente essa disputa pela memória. E a discussão do 25 de julho é esse pressuposto, que se coloque efetivamente na memória coletiva, não na memória individual, mas na memória que nos constitui enquanto latino-americanos, como caribenhos, como brasileiras, a questão da mulher negra”, afirma a docente. Nesse cenário de memórias interditadas e invisibilizadas, conforme Leonice, a história da mulher negra está em um patamar ainda mais grave que o das mulheres em geral, e isso exemplifica bem a importância de datas como o 25 de julho. “A questão da mulher é uma pauta que na memória coletiva é historicamente invisibilizada, e quando a gente refina e traz para a mulher negra, isso ganha uma proporção muito mais acentuada”, conclui.

E há ainda, conforme a professora, uma outra intersecção necessária. Afinal, certamente existem similaridades nos desafios enfrentados por mulheres de maneira geral. Sobre esses desafios, é necessário fazer o destaque das especificidades enfrentadas por mulheres negras. E sobre os obstáculos enfrentados por mulheres negras é possível e necessário destacar também as características próprias de ser mulher, negra e latino-americana, caribenha ou da diáspora. “(O 25 de julho) Decorre de um esforço destas mulheres que tem uma identidade própria. Como a dimensão afrodiaspórica nos constitui de forma absolutamente diferenciada. Obviamente temos muitas questões em comum com as africanas, com as mulheres negras norte-americanas, mas nós temos também um conjunto de especificidades que estão ligadas à nossa tradição colonial, às nossas matrizes basicamente coloniais que nos constituem e nos dão efetivamente uma identidade de invisibilidade, de exploração, mas também de luta e de resistência, e que precisa ser narrada, que precisa entrar nesta disputa por essa memória. Nós, que vivíamos aquilo que se chama em historiografia de uma memória interditada, uma memória da qual não se falava, efetivamente disputamos hoje as narrativas”, afirma a docente e secretária do MIR.

Participação na política

Ao integrar o Ministério da Igualdade Racial, a professora Leonice Mourad faz parte também de uma amostragem extremamente pequena e rara: a de mulheres negras que participam da política. Pegando como exemplo apenas a Câmara Federal, no último processo eleitoral, em 2022, apenas 9 mulheres negras foram eleitas. Para Leonice, é fundamental “fazer uma arqueologia desses processos, pensar a sociogênese, de onde esses processos vêm”. Ao fazer essa investigação, segundo a secretária do MIR, se torna perceptível o quanto os espaços de poder são também interditados para as mulheres. Ao novamente refinar a investigação e olhar especificamente para as mulheres negras, o cenário é ainda pior. “Quando a gente faz essa arqueologia, percebemos que esses espaços de decisão, esses espaços consolidados como espaços de poder, foram e ainda são espaços interditados para as mulheres em geral. Quando a gente intersecciona o debate de gênero e traz a questão de raça e a questão de classe, pensando mulheres mais empobrecidas, com menor escolaridade ou em situação de vulnerabilidade, esse cenário se agrava profundamente. Então a essas mulheres as oportunidades são inegavelmente menores, ainda que tenhamos um conjunto de políticas afirmativas”, conclui Leonice.

Caminhos para a luta

Para além de toda a constituição histórica profundamente ancorada em valores do patriarcado e do racismo, que desemboca tanto nos obstáculos para que mulheres negras ocupem espaços de poder, quanto na própria violência cotidiana, há ainda que se pensar no atual momento político do Brasil. Afinal, em que pese a derrota eleitoral de Bolsonaro em 2022, forças conservadoras implicadas na disputa dos rumos brasileiros continuam em atuação, conforme destaca a professora. Forças conservadoras que possuem, em temáticas como raça e gênero, alguns de seus inimigos prioritários. A soma de todos esses fatores, históricos e atuais, faz com que os desafios sejam imensos e complexos. Mas a docente da UFSM e integrante do Ministério da Igualdade Racial percebe alguns caminhos possíveis. “Os desafios passam necessariamente por nós pensarmos, e eu sempre digo isso porque sou uma professora que trabalha com a formação de professores e professoras, que passa por uma educação não sexista e que necessariamente, no contexto brasileiro, precisa ser antirracista, que de fato precisa ser uma educação que contemple a diversidade nas suas diferentes manifestações”, afirma. Contudo, para Leonice, tal tarefa exige estratégias. “Lembro em 2018, 2019, de ter referido para estudantes que uma boa estratégia para chegarmos em tempos difíceis, e vivemos tempos difíceis, ainda que aparentemente não, é nós chegarmos a partir da temática dos direitos humanos. Todos esses temas estão dentro de um grande guarda-chuva que é a temática dos direitos humanos. Então educar para os direitos humanos, educar em direitos humanos, é efetivamente esse o convite. Porque o que está em jogo é a humanidade desses outros e outras. Quando a gente nega direitos ou duvida que o outro, pela sua cor, pela sua orientação sexual, enfim, ele possa não ser titular dos mesmos direitos de outros grupos, quando isso é colocado em xeque, estamos duvidando da humanidade de alguns grupos. Então é isso que a gente precisa enfrentar. A gente precisa tratar a questão efetivamente na órbita dos direitos humanos. E todos e todas somos titulares dos direitos humanos” conclui Leonice Mourad.

Texto: Rafael Balbueno 

Imagem: Ítalo de Paula

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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